O Risco do Ar no Direito Aeronáutico
Risco Aéreo na Aviação Civil: História, Incidências e Responsabilidade
“De erro em erro, vai-se descobrindo toda a verdade.”
Sigmund Freud
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Introdução
Nesse segundo post, continuamos o estudo do Risco do Ar, um instituto de responsabilidade civil aeronáutica.
Importante lembrar que o risco do ar é um instituto jurídico, aplicável à responsabilidade aeronáutica do transportador aéreo. Todavia, sua origem é na Teoria do Acidente Aéreo.
É relevante relembrar que o ser humano é o principal protagonista da navegação aérea e, por sua própria natureza, a peça mais vulnerável a erros e falhas no sistema de segurança aeronáutica. Como o risco do ar abrange integralmente o sistema de operação de transporte aéreo, ou seja, como não se cinge apenas aos aspectos relativos à máquina e ao meio, mas também tem por referência o homem, a falibilidade deste precisa ser considerada como um dos fatores que vão compor a resultante de segurança propiciada pela tecnologia aeronáutica.
Em outras palavras, quando se fala em tecnologia aeronáutica, não é possível dela se abstrair o homem para efeito de determinar-lhe os verdadeiros contornos de segurança e risco.
Nota-se que, na equação do risco aéreo, ao fator material e operacional soma-se o fator humano, cuja falha se compõe do “desequilíbrio resultante de diversas variáveis”, as quais se encontram envolvidas na relação do homem com a máquina na atividade aérea. Aquele desequilíbrio, por sua vez, divide-se em duas vertentes, fisiológica e psicológica.
Ainda, para se ter uma ideia da magnitude do imponderável do erro humano no transporte aéreo, verificamos que só a variante psicológica se triparte no campo individual da pessoa (onde influem a sua “personalidade, experiência, motivação, atenção e atitute”); no campo psicossocial do indivíduo (onde intervém o relacionamento da pessoa “no ambiente de trabalho ou familiar”) e, por fim, no campo organizacional (onde incidem aspectos relativos à “cultura, clima, supervisão e organização de trabalho”).
Quanto a essa questão de exclusão do risco do ar com fundamento único na alta tecnologia aeronáutica, vem a calhar as conclusões do estudo sobre “A Influência dos Aspectos Psicológicos nos Acidentes Aeronáuticos” (VANESSA VIEIRA DIAS), no sentido de que “Embora a aviação tenha alcançado bons níveis de segurança e busque constantemente melhorias, ela ainda trabalha com o desafio de evitar erro humano. Isso mesmo, evitar, pois não se pode eliminá-lo. O erro humano seja no âmbito individual, psicossocial e ou organizacional, continua sendo o principal fator contribuinte para a maioria dos acidentes aeronáuticos”.
Realmente, não é crível que se possa dar o risco do ar por mínimo no atual estágio de desenvolvimento tecnológico do transporte aéreo, quando dados da Organização de Aviação Civil Internacional – OACI mostram que a cada quatro acidentes aeronáuticos, três apresentam falha humana; nessa esteira, pesquisas envidadas pelo IPA (Instituto de Psicologia Aeronáutica) – segundo a já citada psicóloga – com base em relatórios finais do CENIPA, revelam que de 1992 a 1996, 16,18% dos acidentes (civis) registrados tiveram contribuição do homem por problema psicológico; no qüinqüênio de 1997 a 2001, aquele percentual saltou para 61,76%.
De outra banda, inobstante aspectos positivos nas médias dos últimos dez anos do transporte aéreo nacional, os balanços estatísticos de segurança de voo não apresentam um traçado uniformemente ascendente nos gráficos, mas são marcados por períodos de flutuações, de altas e baixas, as quais, certamente, são determinadas, preponderantemente, pelo fator humano, como já explicitado.
No contexto dos balanços estatísticos positivos de segurança de voo, que têm o condão de alimentar a ideia de que o risco do ar é um fenômeno do passado, encontram-se dados que chegam a ser alarmantes, por exemplo, a renitência dos acidentes do tipo CFIT (“controlled flight into terrain”), que se traduz em “voo controlado contra o terreno”, os quais acontecem por falta de consciência situacional (“estar ciente do que se passa ao seu redor e com o pensamento à frente da aeronave”).
A falta daquela percepção, que afeta a “perfeita sintonia entre a situação percebida pela tripulação e a situação real”, está relacionada, precisamente, ao fator homem – o maior componente de risco aeronáutico, pois se perde consciência situacional, levando-se a aeronave a uma fatal colisão, por motivos psicológicos, “tais como estresse, inexperiência, conflito interpressoal, expectativas, fadiga, desinteresse, distração, carga de trabalho e complacência” (FERNANDO SILVA ALVES DE CAMARGO).
Todas essas considerações, evidentemente, têm o condão de desvelar a complexidade da fórmula da segurança de voo e, por conseguinte, da concepção técnica de risco do ar.