Regras da Câmara Internacional do Comércio: Autoridade Nomeadora e Tribunais Arbitrais


Introdução

Em direito arbitral internacional, a coexistência de certos agentes que atuam concomitantemente no curso da constituição de um tribunal arbitral pode trazer alguma confusão aos profissionais menos experientes ou aos estudantes de Justiça Internacional. É caso por exemplo da appointing authority (autoridade nomeadora), o “tribunal” e o “tribunal arbitral”, quando em um mesmo dispositivo normativo aqueles termos são empregados para diferenciar diferentes órgãos.

Quando analisamos, por exemplo, as Regras da Câmara Internacional do Comércio como Autoridade Nomeadora sob Regras da UNCITRAL ou Outros Procedimentos Arbitrais, (RCICAN/UNCITRAL/Outros Procedimentos Arbitrais) verificamos que, no seu artigo 9º, depois de 15 dias da informação pelo tribunal arbitral sobre sua proposta de honorários, despesas e taxas, qualquer uma das partes disputantes pode levar a proposta para a corte. Segundo aquele mesmo dispositivo, se a corte achar que a proposta do tribunal arbitral não está consistente com as regras do Procedimento UNCITRAL para arbitragem, a corte fará os devidos ajustes, em quarenta e cinco dias, os quais se tornam obrigatórios para o tribunal arbitral.

Encontra-se assim redigido o Artigo 9º da RCICAN/UNCITRAL/Outros Procedimentos Arbitrais:

“Pursuant to Article 41 (3) of the UNCITRAL Rules, within 15 days after being informed by the arbitral tribunal as to how the arbitral tribunal proposes to determine its fees and expenses, including the rates it intends to apply, any party may refer that proposal to the Court. If the Court finds that the proposal of the arbitral tribunal is inconsistent with Article 41 (1) of the UNCITRAL Rules, the Court shall make any necessary adjustments thereto within 45 days of receiving such referral. The Court´s determination shall be binding upon the arbitral tribunal.” Em Português, essa é a redação do Artigo 9º

Por seu turno, encontra-se assim redigido o Artigo 43 (4) (b), das Regras UNCITRAL, que complementa o Artigo 9º da RCICAN/UNCITRAL/Outros Procedimentos Arbitrais:

“Within 15 days of receiving the arbitral tribunal’s determination of fees and expenses, any party may refer for review such determination to the appointing authority. If no appointing authority has been agreed upon or designated, or if the appointing authority fails to act within the time specified in these Rules, then the review shall be made by the Secretary-General of the PCA;” Em Português, a versão Artigo 43 (4) (b)

PCA é Permanent Court of Arbitration ou Corte Permanente de Arbitragem.

Ora, como se relacionam o tribunal arbitral, a corte e o Secretário-Geral da Corte Permanente de Arbitragem? Esses órgãos estão interligados sistematicamente? Há uma hierarquia entre eles? O que é autoridade nomeadora?

As Formas de Tribunal Arbitral, suas Regras Processuais e Procedimentais

Embora as respostas à perguntas sejam relativamente simples, o entendimento delas pressupõe a compreensão da realidade mais complexa e ampla de como podem se constituir os tribunais arbitrais no cenário comercial internacional.

Inicialmente, um exemplo é bem elucidativo.

Suponha que o exportador de soja brasileiro A, sem intermediários no Brasil, vende uma carga de soja para a trading B nas Terras Baixas. No contrato de compra e venda internacional, os contratantes convencionam que para solucionar disputas relativas à interpretação e execução do contrato, na sua cláusula 32, eles acordam que um tribunal arbitral autônomo deve ser constituído sob as regras processuais da UNCITRAL, com a assistência administrativa da Câmara Internacional do Comércio da Suíça, cuja lei governará a solução da disputa, sendo o Inglês a única língua oficial da arbitragem.

Ora, suponha-se que, fechado o negócio, pago o preço, sobrevenha o seguinte problema: A trading B considera que a soja recebida não é do padrão que foi contratado, não concordando o exportador da commodity com aquela alegação. As partes falham na tentativa de uma solução negociada para o impasse que, então, consequentemente, terá de ser resolvida sob a cláusula 32 do contrato, ou seja, por um tribunal arbitral.

Tribunal Arbitral Institucional e Tribunal Arbitral “Ad hoc” (Provisional)

Há dois modelos de organização de um tribunal arbitral internacional. O tribunal arbitral institucional é aquele que é organizado sob uma instituição, de acordo com as regras constitutivas dela e é, por isso, permanente. Por outro lado, um tribunal arbitral “ad hoc” é aquele cuja existência é pontual, criado específica e exclusivamente para resolver uma controvérsia para a qual a existência dele foi previamente estabelecida. Assim, é um tribunal autônomo de qualquer instituição arbitral e sua natureza é provisional.

Tribunal Arbitral Provisional Assistido e Não-Assistido

Entre os tribunais de natureza provisional, ou seja, “ad hoc”, há aqueles que funcionam sob a assistência de uma instituição arbitral, que lhe presta uma série de serviços conforme a vontade dos disputantes, conforme os contraente tenham se expressado na cláusula contratual relevante (ou acordo de constituição arbitral). De outro lado, o tribunal arbitral provisional não-assistido é aquele cuja constituição, organização e desenvolvimento de seu julgamento até o final se dará pelos próprios arbitradores. É um tipo de tribunal raro, cuja existência era mais comum nas disputas intergovernamentais do século XIX e início do século XX. E isto porque é intensa a atividade administrativa que cerca um julgamento arbitral. Um tribunal arbitral “ad hoc” sem assistência administrativa externa seria como um juiz sem cartório ou secretaria. Ou seja, ele mesmo tem que comprar o papel, digitar os atos, termos, ofícios e comunicações, levar as correspondências ao correio, contar os prazos, agendar as audiências, providenciando um local físico para seu funcionamento, solicitar as taxas, dar recibo, organizar as audiências e, tudo isso, sem prejuízo de sua atividade típica, que é conhecer a lide e resolvê-la!

Cláusula 32 do Contrato de Venda Internacional

No caso hipotético de nosso contrato de venda internacional, verificamos que, na cláusula 32, os contraentes optaram por um tribunal “ad hoc” assistido. Então, o tribunal arbitral é autônomo, isto é, não pertence a nenhuma entidade internacional permanente de arbitragem, como a Câmara Internacional do Comércio, a Corte Permanente de Arbitragem, Corte de Londres de Arbitragem Internacional, Instituto de Arbitragem da Câmara de Comércio de Estocolmo, Instituição de Arbitragem das Câmaras Suíças, Centro de Arbitragem Internacional de Singapura etc. Os contraentes A e B também decidiram que o seu tribunal arbitral provisional seria assistido administrativamente pela Câmara Internacional do Comércio, especificamente, sua filial na Suíça, já que a lei (substantiva) suíça será aplica na solução da disputa.

Direito Substantivo, Direito Procedimental e Direito Processual no Direito Arbitral Internacional

Em direito internacional da arbitragem, em termos simples, considera-se o direito substantivo o direito material sob cujas regras se estuda e define uma controvérsia. Lei substantiva aqui tem o sentido de direito material, aquele cuja luz guiará os julgadores na decisão quanto à controvérsia, no caso, relativa ao padrão da soja recebida por B.

Por outro lado, o direito procedimental é o conjunto de regras que orientam a formação de um tribunal arbitral, ao passo que o direito processual são as regras de arbitragem que definem o rito ou a regulação normativa do processo, por exemplo, os prazos para as manifestações, as normas sobre as evidências e provas a serem produzidas, as preclusões etc.

Regras da Câmara Internacional do Comércio como Autoridade Nomeadora sob Regras da UNCITRAL ou Outros Procedimentos Arbitrais – RCICAN/UNCITRAL/Outros Procedimentos Arbitrais

No caso da cláusula 32 do hipotético contrato de venda internacional, o tribunal arbitral “ad hoc” deve ser constituído segundo as regras da UNCITRAL, as quais também governarão os tramites processuais da disputa no Tribunal Arbitral “ad hoc”. Assim, sempre seguindo os ditames da 32ª cláusula contratual, as as regras da UNCITRAL serão aplicadas pela entidade escolhida para dar assistência administrativa aos árbitros (a Câmara Internacional do Comércio sediada na Suíça) que comporão o tribunal arbitral “ad hoc” que julgará, pontualmente, a disputa contratual entre A e B.

Verifica-se, outrossim, que a prestação de serviços administrativos de assistência a tribunais arbitrais “ad hoc” segue normas próprias da Câmara Internacional do Comércio, a saber, as Regras da Câmara Internacional do Comércio como Autoridade Nomeadora sob Regras da UNCITRAL ou Outros Procedimentos Arbitrais, (RCICAN/UNCITRAL/Outros Procedimentos Arbitrais).

“A RCICAN/UNCITRAL/Outros Procedimentos Arbitrais é, simplesmente, o conjunto das normas de serviços administrativos que a CIC segue quando é requerida a prestar serviço de secretaria para um tribunal arbitral “ad hoc” cujas normas processuais escolhidas, por sua vez, sejam as da UNCITRAL ou quaisquer outras, que não as da própria CIC.”

A propósito, UNCITRAL é

“A Comissão de Direito Internacional do Comércio das Nações Unidas, a qual produz normas que orientam, e também podem vincular obrigatoriamente, Governos e entidades privadas em suas relações comerciais internacionais.”

Autoridade Nomeadora ou Appointing Authority

No Direito Internacional Arbitral, denomina-se, genericamente, autoridade nomeadora (appointing authority) a instituição que é, em um acordo, é indicada pelos contraentes para prestar serviços administrativas ao tribunal arbitral “ad hoc” delas.

“Autoridade Nomeadora ou Appointing Authority é, justamente, a instituição administrativa que presta assistência de secretaria (e outros serviços) a um tribunal arbitral “ad hoc” a ser constituído, a qual é escolhida na cláusula contratual em que os contratantes, optando por um tribunal arbitral provisional, também decidem que ele deve ter a assistência de uma autoridade nomeadora.”

 No caso da cláusula 32 do hipotético contrato de venda internacional, A e B escolheram a CIC; todavia, podiam escolher qualquer outra entidade internacional entre aquelas que já mencionamos, exemplificativamente.

Regras Arbitrais UNCITRAL

Cada tribunal arbitral permanente (ou institucional) tem as suas próprias regras arbitrais, ou normas processuais da arbitragem, as quais são criadas de acordo com a sua própria visão de eficiência e justiça. A Comissão de Direito Internacional Comercial das Nações Unidas, no intuito de colaborar com a uniformização e otimização do direito internacional privado, criou um conjunto normativo arbitral para ser empregado pelos tribunais arbitrais em geral. Como vimos, naquela cláusula 32, os contraentes A e B acordaram que o seu Tribunal Arbitral “ad hoc” deveria seguir as regras processuais de Arbitragem da UNCITRAL. Contudo, há outras regras processuais arbitrais internacionais, inclusive, da própria CIC, as quais poderiam ter A e B escolhido. Todavia, preferiram as da UNCITRAL. Aliás, poderiam A e B ter criado as suas próprias regras processuais arbitrais também, embora isso fosse trabalhoso, ou mesmo deixar para que tal tarefa fosse decidida por seus árbitros!

 Confluências de Normas Aplicáveis à Corte Arbitral “Ad hoc” do Contrato entre A e B

Pelo todo exposto até aqui, podemos dizer que, à luz da 32ª cláusula do contrato internacional de venda hipotético, a lei substantiva que será aplicada na solução do conflito contratual entre A e B é a lei Suíça, enquanto a lei processual do Tribunal Arbitral é a UNCITRAL, a qual se aplicará de acordo com as normas de serviços administrativos da autoridade nomeadora, a Câmara Internacional do Comércio.

As normas que regem os serviços administrativos que presta a CIC (Regras da Câmara Internacional do Comércio como Autoridade Nomeadora sob Regras da UNCITRAL ou Outros Procedimentos Arbitrais – RCICAN/UNCITRAL/Outros Procedimentos Arbitrais), portanto, interliga-se às regras arbitrais da UNCITRAL que serão aplicadas.

 Serviços Administrativos (Arbitrais) a Serem prestados

Os serviços administrativos que uma autoridade nomeadora pode prestar são variados, alguns bem burocráticos, sendo outros nitidamente jurisdicionais, e eles vão desde a simples comunicação de atos processuais entre as partes e o tribunal arbitral “ad hoc”, até atividades jurídicas mais especiais e complexas, por exemplo, o auxílio na escolha dos árbitros que vão compor o Tribunal Arbitral “ad hoc”, o julgamento das impugnações desses árbitros pelas partes e, até mesmo, a definição dos honorários dos árbitros!

Particularidade importante a ser ressaltada é que a as Regras da Câmara Internacional do Comércio como Autoridade Nomeadora sob Regras da UNCITRAL ou Outros Procedimentos Arbitrais, (RCICAN/UNCITRAL/Outros Procedimentos Arbitrais) estabelece que a autoridade nomeadora da Câmara Internacional do Comércio, incumbida dos serviços administrativos de assistência aos tribunais ad hoc (ou mesmo outros institucionais) é a sua Corte, ou seja, a Corte da Câmara Internacional de Comércio.

“A Corte da Câmara Internacional do Comércio é o órgão da Câmara Internacional de Comércio que julga as disputas quando é apontada por disputantes para ser o órgão julgador de suas relações comerciais, e que também se limita a prestar serviços de secretariado a outros tribunais arbitrais provisionais, quando também é requerida a Câmara Internacional do Comércio para fazê-lo”.

Ora, no caso exemplificado daquela cláusula 32 do hipotético contrato de venda internacional, os contraentes A e B não definem os serviços de assistência administrativa, de modo que é natural se interpretar que serão todos os serviços previstos na ainda estatuiu que as regras (Regras da Câmara Internacional do Comércio como Autoridade Nomeadora sob Regras da UNCITRAL ou Outros Procedimentos Arbitrais – RCICAN/UNCITRAL/Outros Procedimentos Arbitrais).

Serviços Administrativos de Definição de Honorários, Despesas e Taxas

No menu de serviços administrativos que a autoridade nomeadora pode prestar aos interessados em seus serviços de assistência a tribunais arbitrais, está o organizar a escolha dos árbitros e até mesmo como serão remunerados.

A remuneração dos árbitros é proposta às partes disputantes por um documento/proposta, o qual deve ser fundado em critérios objetivos, não sendo admissível, a princípio, uma cobrança aleatória e sem fundamento.

A proposta de honorária dos árbitros que constituem o tribunal arbitral “ad hoc”, que julgará, no caso aqui exemplificado, a disputa comercial internacional entre A e B, poderá ser examinada pela autoridade nomeadora, no caso, a Câmara Internacional do Comércio, através do seu órgão, vale dizer, sua corte. Logo, o tribunal arbitral “ad hoc” terá, eventualmente, a pedido de A e/ou B, o julgamento de sua honorária afeta à corte do Câmara Internacional do Comércio!

“Daí, uma aparente confusão: Uma corte, que não julgará a controvérsia entre A e B, a Corte da Câmara Internacional do Comércio (que é a autoridade nomeadora), julgará a verba honorária dos julgadores da corte arbitral ad hoc”!

Mas, e se por algum motivo, a Corte da Câmara Internacional do Comércio deixar passar o prazo de julgamento da verba honorária (45 dias), então, deve-se aplicar o que dispõe a regra processual da UNCITRAL, a qual determina que, consequentemente, o julgamento daquela verba será feita por um terceiro tribunal arbitral, a Corte Permanente de Arbitragem, através de seu Secretário Geral.

Conclusão

A partir do exemplo ilustrado pela cláusula 32 de um hipotético contrato de venda internacional, verificamos que um tribunal arbitral comercial, quando “ad hoc”, é uma autoridade jurisdicional internacional que poderá ter suas atividades sobrepostas por um segundo tribunal arbitral e, até, por um terceiro tribunal arbitral.

Como se verifica, a autoridade nomeadora, ou appointing authority, é a denominação de uma entidade que presta serviços administrativos a um tribunal arbitral provisional (“ad hoc”) e que, eventualmente, no caso da Câmara Internacional do Comércio, pode ser também um tribunal arbitral!

Assim, na leitura das normas do processo arbitral da UNCITRAL e das normas de serviços de autoridade nomeadora da Câmara Internacional do Comércio, deparamos com uma corte que julga a verba honorária dos integrantes de outra corte distinta, sem que entre elas haja uma relação orgânica sistêmica, e sem que tal relação se dê, portanto, em uma estrutura recursal.

Sob a ótica do direito doméstico, a situação aqui explicada é bizarra. Contudo, é assim que se comporta o direito internacional, como se fosse um verdadeiro polvo, que dispõe de oito tentáculos, pode mudar de cor e criar até mesmo uma nuvem de tinta escura a sua volta, conforme a necessidade.

Arquivos e Orientação para Leitura
ICC

A leitura do post deve ser complementada pela leitura de alguns textos normativos que estão relacionados a ele. A compreensão do que é um autoridade nomeadora (“appointing authority”) ficará mais clara com a leitura do Rules of ICC as Appointing Authority, nas quais se constata que “appointing authority” é, dentro da instituição da Câmara Internacional do Comércio, a sua Corte (International Court of Arbitration ou “the Court”).

Um ponto importante a lembrar é que a ICC Court tem a função primaz de aplicar a ICC Rules of Arbitration aos tribunais arbitrais que ela administra, desde que à Câmara Internacional do Comércio seja atribuída a função de tribunal arbitral também. Se a função de tribunal arbitral não foi atribuída à ICC, mas a outra instituição, por exemplo, a ICSID (International Centre for the Settlement of Investment Dispute), ou é um tribunal arbitral “ad hoc”, então, a ICC Court estará agindo nos limites de uma “appointing authority” para aquele tribunal arbitral e, por consequência, encarregada de aplicar outras Rules of Arbitration, por exemplo, a UNCITRAL Rules of Arbitration.

O entendimento do que é uma “appointing authority” depende da compreensão de o pressuposto essencial de sua existência é que a instituição escolhida como autoridade nomeadora, no caso, a ICC, não é a entidade sob cujos auspícios está o tribunal arbitral porque, senão, a entidade não seria uma “appointing authority” apenas, mas a instituição encarregada totalmente da solução da disputa, de modo que seriam as suas próprias regras de arbitragem (“rules of arbitration”) que ela estaria aplicando.

UNCITRAL

É útil ler a UNCITRAL Rules of Arbitration e, então, a ICC Rules of Arbitration, de modo que se possa ter uma ideia de suas semelhanças e diferenças, por exemplo, a UNCITRAL Rules deixa em aberto quem será a “appointing authority” porque, afinal, a UNCITRAL Rules é um modelo de regras arbitrais a ser usada por qualquer instituição arbitra permanente (i.e., a ICC ou a ICSID) e até por solitários (stand alone) tribunais arbitrais ad hoc que funcionam sem qualquer assistência daquelas entidades.

Relevante ter em mente que a Comissão das Nações Unidas sobre Direito Internacional Comercial (UNCITRAL) não é uma entidade ou organização de arbitragem pública (entre governos ou em que um governo está envolvido, por exemplo, no caso da ICSID) ou privada/comercial (entre empresas, por exemplo, como é o caso da ICC), mas um órgão da ONU que produziu regras arbitrais com o objetivo de contribuir com a uniformização do direito internacional privado comercial. Em outras palavras, as regras arbitrais da UNCITRAL não foram produzidas por ela para serem aplicadas por ela, mas para serem adotadas por governos e entidades internacionais, de modo a facilitar o comércio internacional no aspecto relacionado à solução de disputas.

ICSID

Havendo tempo, disposição e interesse, convém uma leitura do sistema arbitral do ICSID. Embora seja uma instituição arbitral permanente instituída, essencialmente, para a resolução de disputas de investimento entre nacionais de um Estado de um lado e o Estado que recebeu o investimento daqueles do outro lado, ou seja, uma arbitragem mista (público-privada), o fato é que o ICSID, tal qual a ICC e a própria PCA (Corte Permanente de Arbitragem) também se dispõe a atuar no nicho empresarial de serviços arbitrais que denominado “appointing authority”. Assim, o sistema normativo do ICSID é a sua convenção (Convention on the Settlement of Investment Dispute between States and Nationals of Other States, Rules of Procedure ofr the Institution of Conciliation and Arbitration and Rules of Procedure for Conciliation and Arbitration Proceedings).

PCA

A “Permanent Court of Arbitration” ou Corte Permanente de Arbitragem, como sabemos, foi criada pela Primeira Convenção de Paz de Haia de 1899 como uma instituição arbitral permanente destinada a servir de mecanismo facilitador na organização arbitral para solução pacífica de disputas Estado-Estado; ou seja, na instransponível impossibilidade de constituição de um tribunal judicial internacional ao longo da segunda (1907) e até terceira convenção (que jamais se realizou por causa da eclosão da I Guerra Mundial de 1914-1918), a PCA se consolidou como uma entidade alternativa. Depois, em 1922, veio a Corte Permanente de Justiça Internacional sob os auspícios da Liga das Nações, sucedida pela Corte de Justiça Internacional, no contexto da Organização das Nações Unidas, em 1945.

Nada obstante a inegável importância de sua origem política internacional, a realidade é que ao fim da década de 50 (século XX), houve uma profusão de criação de entidades judiciais, quase-judiciais, arbitrais, públicas, mistas e privadas/comerciais, globais e regionais, fazendo com que o relevo dos primeiros anos da PCA decaísse, aliás, influindo até na Corte Internaciona de Justiça que, por sua vez, também não recebeu a mesma demanda que sua antecessora, a Corte Permanente de Justiça Internacional.

Nessa aldeia global de órgãos adjudicatórios de todos os tipos, formas e jeitos, alguns bem especializados como os orgãos do sistema da Convenção Internacional do Mar e da Organização Internacional do Comércio, até por uma questão de sobrevivência, pode-se dizer que a PCA se “reinventou” e passou a usar da experiência técnica de sua expertise em arbitragem, e também do prestígio histórico na área de resolução de conflitos por adjudicação arbitral, para então “competir” no campo das arbitragens comerciais também, abrindo franca concorrência na porção de mercado de solução de conflitos internacionais, as ditas arbitragens comerciais.

Assim, a PCA tem feito acordos com países (os PCA-host agreement) para que neles possa abrir escritórios para além de seu headquarters no Palácio da Paz em Haia (Reino das Terras Baixas), tornando seus serviços de “appointing authority” mais eficiente territorialmante, por exemplo, na Argentina (2019), Viet Nam (2022), Maurício (2010), Singapura (2018) e Viena (2022).

Por isso, nos dias de hoje, na lista de casos da Corte Permanente de Arbitragem é possível se deparar com arbitragens comerciais (as contract-bases arbitration cases), muito provavelmente, algo que jamais passou na mente dos diplomatas que a idelizaram em 1899!1

Ainda, resta dizer que embora as regras arbitrais UNCITRAL sejam criadas para uso por quaisquer governos e instituições arbitrais nacionais e internacionais, a UNCITRAL faz referência nominal apenas ao Secretário Geral (Secretary-General) como ou uma autoridade nomeadora ou como quem está incumbido de indicar uma autoridade nomeadora. Então, aqui também se destaca que a PCA não só ela mesma é uma autoridade nomeadora, quando tal requerido pelos disputantes, como também ela indicará uma autoridade disputadora para os disputantes, sob as regras arbitrais UNCITRAL, quando for necesssário uma “Appointing Authority”.

“Appointing Authority” (Autoridade Nomeadora) e Julgamento da Disputa

Quem pode ser uma autoridade nomeadora em face de uma disputa? Qualquer pessoa ou organização, contanto que seja dotada de prestígio, conhecimento técnico e para tanto goze da confiança de terceiros que, em pé de disputa, tenha feito a indicação de “Appointing Authority”!

Quando se tem em mente instituições arbitrais como a PCA, a ICC ou a ICSID, é sempre indispensável lembrar que aquelas entidades podem agir como autoridade nomeadora ou como instituição arbitral propriamente dita; no primeiro caso, a instituição não julga a disputa, o que é feito por um tribunal arbitral alheio às suas regras arbitrais. Todavia, por outro lado, quando age no modo instituição arbitral, PCA, a ICC ou a ICSID não só prestam o serviço de estruturação, organização e funcionamento do tribunal arbitral, como o tribunal arbitral julgador da disputa age sobre suas regras arbitrais.

Por consequência, é certo dizer que PCA, a ICC ou a ICSID agem sob dual modo: “Appointing Authority” (Autoridade Nomeadora) ou instituição arbitral Julgamento da Disputa. Quando agem como autoridade nomeadora, fica bem evidenciado que, nas ativididades arbitrais comerciais, quem constitui o tribunal arbitral toma decisões processuais, mas não julga a disputa. Por exemplo, na PCA, quem toma as decisões de organização do tribunal arbitral que vai julgar a disputa é o Secretário Geral, na ICC é a Corte e, na ICSID, é o Chairman.


  1. Uma obra excepcional, oficial e completa sobre esse importante evento internacional que marcou a Justiça Internacional pode ser acessado gratuitamente: Proceedings of the Peace Hague Conferences. ↩︎

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