Problema Pessoal Jurídico para Autoridades Brasileiras na Cooperação com o Tribunal Internacional Penal

Introdução

As guerras Rússia-Ucrânia e Israel-Hamas não são conflitos que, como o da Síria, caracterizam-se como “proxy” guerra; porém, servem de ponto de encontro para o confronto entre posições políticas polarizadas. O envolvimento naquelas guerras, porém, pode colocar o Brasil em confronto com outros países não-beligerantes diretamente, inclusive com os quais mantém importantes laços internacionais.

A cooperação internacional penal exigida pelo Tribunal Penal Internacional, de um lado, e o desenvolvimento de entidades internacionais de doutrinas políticas (ONGs) de outro lado, associam-se e geram consequências no campo da diplomacia que abrem uma ampla janela para uma perspectiva inteiramente nova e complicada para os Estados aderentes ao Estatuto de Roma.

A investigação do soldado israelense Yuval Vagdani (de férias na Bahia) por crimes internacionais cometidos na Faixa de Gaza, determinada pela Justiça Federal em sede de “plantão” como “medida urgente”, a pedido da Fundação (de inspiração antissemita) Hind Rajab, ao meu ver, acendeu um alerta no radar das relações internacionais do Brasil, que precisa deixar o Estatuto de Roma como condição de assegurar sua neutralidade e liberdade de posição política internacional.

A distorção institucional do TIP: O Braço Penal da Estrutura de Direitos Humanos da ONU

Em 29 de Janeiro de 2003, quando o Brasil aderiu ao Estatuto de Roma, o panorama internacional não era tão radical e, por outro lado, o Tribunal Penal Internacional ainda não tinha demonstrado o seu viés como uma instituição politizada e que, no cenário político internacional, tem participação ativa incompatível com a necessária imparcialidade e equidistância judicial.

Ao longo desses 20 anos de funcionamento, a organização internacional que abriga o TIP se mostrou identificada demais com a política eurocêntrica, o que distorce, evidentemente, os propósitos de uma instituição intergovernamental que serve a um órgão de Justiça Internacional.

A organização internacional sob cujos auspícios age o TIP tem se desenvolvido e se envolvido com temas ligados aos “direitos humanos em geral” (violados pela ação política) de tal modo que resta comprometida a sua própria imparcialidade.

Espera-se que o TIP aplique o Estatuto de Roma, que defenda os direitos humanos judicialmente; porém, à medida que se põe, apaixonadamente, ao lado das causas de vítimas de guerras e conflitos, quando para tanto já existe a Organização das Nações Unidas com uma super rede mundial de direitos humanos, o TIP passa a exercer um militantismo. Essa é a chave do problema.

Hodiernamente, mostra-se o TIP como a agência penal dos direitos humanos da ONU, uma “pequena ONU Penal”.

A determinação da prisão preventiva de Chefes de Estado ou de Governo (em pleno exercício de mandato de Estados que repudiam a organização do Tribunal Internacional Penal), envolvidos em conflitos entre Estados, é novidade, realmente, muito difícil de compreender à luz do que sido, jurisprudencialmente,  a prática de Justiça Internacional no âmbito do direito internacional público.

Evidentemente, os direitos humanos em Gaza, Síria, Sudão, Etiópia, Ucrânia (para se citar aqueles direitos humanos violados pela ação política humana, com exclusão dos que resultam de catástrofes naturais) precisam de proteção imediata da ONU, não sendo a atividade judicial do TIP apropriada na flagrância dos acontecimentos de uma guerra. Seria tão bizarro quanto um juiz ser chamado a interferir em um tiroteio entre polícia e ladrões.

Não vejo como não se desmoralizar absolutamente o Tribunal Penal Internacional que, já tendo um sistema de financiamento que permite que os Estados Europeus se tornem um bloco financiador de peso, por cima disso, ainda receba polpudas “doações em dinheiro” de Estados aderentes para investigar um Estado em guerra e não-aderente do Estatuto de Roma, como foi o caso da ágil investigação do Presidente da Rússia.

Aliás, o TIP está sediado em Haia, que não é  mais uma cidade neutra.

Assim, não deve ser do interesse do Brasil fazer parte de um “bloco político” de “viés ocidental”, como hodiernamente se mostra a instituição intergovernamental que abriga o TIP.

A Rede Penal Mundial

O sistema de colaboração penal do Estatuto de Roma de 1998 – instrumento constitutivo da organização intergovernamental que abriga o Tribunal Internacional Penal – aliada às pressões para alinhamento da legislação penal e processual penal dos Estados aderentes com as disposições daquele Estatuto, tem o objetivo de criar uma rede jurídica internacional que, como falamos, está servindo a perseguições jurídicas de ONG´s internacionais comprometidas com o partidarismo da política internacional.

Por intermédio daquela rede, o Estatuto de Roma, configurado pela influência política europeia dominante na Assembleia dos Estados Membros, é um valioso instrumento de ação política de forma internacionalmente desleal contra Estados que não têm voz naquela Assembleia, justamente, porque não são parte dela e que são, historicamente, contra a constituição do TIP, como é o caso da Rússia, israel, Estados Unidos, China e outros.

Vale dizer que, através do seu sistema de cooperação e de consentimento, o Tribunal Internacional Penal é o único órgão da Justiça Internacional que se arvora no poder de, ao agir sobre indivíduos, inclusive, Chefes de Estado e de Governo em pleno exercício de mandato constitucional, interferir na soberania de Estados que sequer são partes da sua organização.

O definitivo fator complicador, que é um evento relativamente novo, é a proliferação de instituições “observadoras” de “direitos humanos”, “direitos de minorias” etc. que, dentro do sistema legal doméstico dos Estados, agem proativamente, provocando situações complicadas para o Governo, como foi a equivocada decisão da Justiça Federal de Brasília, em sede de plantão, ao determinar uma investigação urgente (por fatos relacionados à guerra na Faixa de Gaza) de um soldado israelense, apenas de passagem turística pela Bahia.  

O Contra-ataque da Lei Doméstica Americana com Efeitos Internacionais Globais

Está para entrar em vigor nos Estados Unidos o Projeto de Lei H.R. 8282, de 5/6/2024, o qual reconduz ao Código dos Estados Unidos as disposições da Ordem Executiva (Decreto) 13928 de 11 de Junho de 2020, introduzidas pelo Presidente Trump em retaliação à investigação então existente no Tribunal Internacional Penal sobre a “situação do Afeganistão”, a qual envolveria agentes públicos civis e militares dos Estados Unidos.

A Ordem Executiva 13928/2020 foi revogada pela  Ordem Executiva 14022 de 1 de Abril de 2021Executive Order on the Termination of Emergey With Respect to the International Criminal Court  (Ordem Executiva de Revogação da Emergência em respeito ao Tribunal Penal Internacional), pela qual o Presidente Biden considera que, nada obstante a continuidade da oposição americana à juridisção do TIP a Estados não aderentes ao Estatuto de Roma, as medidas contidas na revogada Ordem Executiva 13928/2020 não seriam apropriadas.

O ato de boa vontade política de Biden não deixou de ser reconhecida pelo então recém-empossado Procurador britânico Karim Khan, o qual, em 27 de Setembro de 2021, anunciou que estava “desprioritizada” pelo TIP a investigação do “caso Afeganistão”. Assim, na fisiologia política de que “é dando que se recebe”, ficou restabelecida a diplomacia entre os Estados Unidos e o TIP.

Agora, anunciada a eleição de Trump em 5 de Novembro de 2024, já no dia 21 também “se posicionou o TIP”, expedindo ordem de prisão preventiva contra o Primeiro-Ministro (Netanyahu) de Israel, que é um dos mais próximos aliados dos Estados Unidos e não é parte do TIP.

O Potencial Alcance do Projeto de Lei H.R. 8282 de 5 de Junho de 2024

O escopo do projeto de lei é semelhante ao da extinta Ordem Executiva de 11 de Junho de 2020, e foi elaborada com o objetivo de proteger não só as autoridades e agentes públicos civis e militares dos Estados Unidos, como também, nomeadamente, os de Israel e, ainda, os dos Estados que se enquadram na condição de aliados dos Estados Unidos e que não sejam partes do Estatuto de Roma. 

É enganosa a percepção de que os efeitos daquela lei, como o da própria extinta ordem executiva de Trump, afeta apenas pessoas do TIP ligados à investigação de agentes e autoridades de Estados protegidos pelos Estados Unidos. Ambos diplomas normativos são claros no sentido de que são aplicáveis a quaisquer pessoas envolvidas ativamente nas investigações proibidas pelos Estados Unidos.

Por conseguinte, a ordem judicial de investigar o soldado israelense Yuval Vagdani e sua posterior  execução torna o Juiz Federal, o Ministério Público, o Delegado Federal e seus agentes como “persona non grata”, de modo que não podem entrar nos Estados Unidos ou, se já tiverem o visto, esse ele é cancelado.

Ainda, as medidas norte-americanas atingem também os “membros imediatos da família” da “persona non grata”, ou seja, esposo (a), pais, irmãos e filhos adultos.

Aplicam-se àquelas medidas de “contra-ataque” à ilegítima investigação do TIP e, portanto, às pessoas envolvidas (e familiares imediatos) tão-logo haja comunicação da conduta delas aos órgãos executivos competentes dos Estados Unidos.

As medidas econômicas são extensas e, evidentemente, não se limitam aos negócios diretos com os Estados Unidos e suas empresas, mas abrangem todas as empresas que usam o dólar, as quais devem cumprir as leis americanas, sob pena de serem consideradas desobedientes às suas leis. Consequentemente, embarcar em uma aeronave americana, ainda que o seu destino não seja os Estados Unidos, é abrangido pela sanção americana; até mesmo fazer compras na Amazon, que é uma empresa americana multinacional de tecnologia, ou usar Netflix, que também é uma companhia norte-americana com sede na Califórnia, tornam-se negócios proibidos às pessoas enquadradas na lei americana de retaliação ao TIP.

Vale dizer, quaisquer transações que envolvam uma empresa autorizada a usar o dólar se torna obrigada a cumprir a ordem de bloqueio dos Estados Unidos, cabendo-lhe recusar entrar em qualquer negociação, mesmo que de simples relação de consumo, com as pessoas registradas pelo Governo dos Estados Unidos como “non grata”. [1]


[1] US Sanctions on the International Criminal Court: https://www.hrw.org/news/2020/12/14/us-sanctions-international-criminal-court, consultado em11 de Janeiro de 2025. US Sets Sanctions Against International Criminal Court: https://www.hrw.org/news/2020/06/11/us-sets-sanctions-against-international-criminal-court, consultado em 11 de Janeiro de 2025.


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