Polônia Não Colaborará com o Tribunal Penal Internacional na Prisão de Netanyahu

Quais as Consequências Jurídicas Internacionais?

Ontem, o Governo Polonês anunciou que para as celebrações do 80º Aniversário da Libertação do Campo de Extermínio de Auschwitz-Birkenau, marcadas para 27 de Janeiro, o Primeiro-Ministro de Israel Netanyahu será bem-vindo e que não será preso. A Polônia, como o Brasil, é um Estado Membro do Estatuto de Roma, tendo depositado o instrumento de ratificação em 12 de Novembro de 2001.

Em 21 de Novembro de 2024, a Primeira Câmara de Pré-Julgamento do Tribunal Penal Internacional expediu ordem de prisão preventiva contra Netanyahu, da qual já foram comunicados todos os 125 Estados Membros daquela organização internacional.

Indubitavelmente, o governo polaco tem obrigação internacional, de acordo com as claras disposições da Parte 9, do Estatuto de Roma, de cooperar com o TIP e, consequentemente, caso Netanyahu entre no território jurisdicional da Polônia, deveria ser preso e entregue ao Tribunal em Haia, Países Baixos (Holanda).

Acontece que a obrigação de cooperação estatutária é “em branco”, à medida que o Estatuto de Roma não impõe nenhuma consequência para a não-cooperação.

O que acontecerá é que, caso a visita de Netanyahu se confirme e não seja ele preso, o TIP percorrerá o mesmo itinerário (internacionalmente inútil) que seguiu há alguns anos, quando a sua solicitação de cooperação na prisão do então Presidente sudanês, Al-Bashir, foi, seguidamente, negada pelos Estados africanos (membros do Estatuto de Roma), Malawi, Chad, Africa do Sul. Assim, primeiramente, a Secretaria do Tribunal preparará um relatório para a Primeira Câmara de Pré-Julgamento que, então, mediante uma  note verbale (comunicação diplomática informal), convidará a Polônia a “apresentar suas observações” sobre o relatório de não-cooperação.

Depois, a Câmara fará um julgamento específico de não-cooperação (que é um incidente no processo de investigação de Netanyahu), o qual encaminhará para a Presidência do Conselho da Assembleia dos Estados Membros, que é o órgão executivo representante da Assembleia dos Estados Membros, órgão diretivo e legislativo da organização internacional que abriga o Tribunal Internacional Penal. Conforme o Estatuto, a Presidência do Conselho deve submeter à consideração da Assembleia o reporte de não-cooperação para “a consideração” daquela entidade.

A Presidência do Conselho apoiará a decisão judicial do TIP e fará gestões para que a prisão de Netanyahu seja objeto de pronta cooperação.

Por força da Resolução nº 5/2011 daquela Assembleia (com as alterações de 2017), poderá a Presidência do Conselho solicitar, em carta aberta à Polônia, lembrando-a de sua obrigação de cooperar e fazer uma solicitação de suas considerações a respeito da não-cooperação.

Nunca houve qualquer julgamento da Assembleia impondo qualquer sanção aos Estados que recusaram cooperação.

O Conselho de Segurança da ONU, autoridade internacional máxima do mundo, também já deixou claro (desde 2012) que não tomará nenhuma ação com relação às não-cooperações com o TIP que, aliás, não é um órgão da ONU.

É importante, porém, que a Polônia, ao receber eventual note verbale da Secretaria do TIP, “lembrando” o governo polonês de sua obrigação de cooperação com o TIP, que o governo polaco responda àquela comunicação afirmando que reconhece sua obrigação, mas que se considera, internacionalmente, isenta de cumpri-la por força de obrigação internacional anterior assumida perante a ONU, através da Carta de São Francisco, e que entende que a imunidade de Netanyahu está protegida pela exceção do artigo 98, do Estatuto de Roma. Evidentemente, o TIP rejeitará essas considerações, mas terá a Polônia deixado sua posição jurídica claramente registrada.

Fato futuro relevante a ser considerado é que, quando ocorrerem as celebrações de 27 de Janeiro, o Presidente Donald Trump já terá tomado posse. Então, convém lembrar que, no seu primeiro mandato, Trump expediu, em 11 de Junho de 2020, a Ordem Executiva 13928, pela qual determinava o Bloqueio de Propriedades das “Pessoas Associadas com o Tribunal Penal Internacional”, a qual implicou também na proibição de entrada nos Estados Unidos e, na prática, o impedimento de realizar qualquer negócio que envolva dólares em qualquer parte do mundo!

Aquela ordem executiva foi revogada por Biden em 1 de Abril de 2021, por considerá-la uma medida desnecessária para a assertiva dos Estados Unidos contra o avanço da jurisdição do Tribunal Internacional Penal sobre pessoas nacionais de países que não são membros do Estatuto de Roma. A propósito, aquela graciosa revogação de Biden, aliviando o TIP de pesadíssima sanção internacional, foi objeto de devida “gratidão” do Tribunal Penal Interancional que, pelo então recém-empossado Procurador britânico Karim Khan, em 27 de Setembro de 2021, “desprioritizou” a investigação no Afeganistão que incomodava os Estados Unidos.

Agora, por esses dias, porém, está acelerando no Congresso dos Estados Unidos o Projeto de Lei (Bill) nº 8282, que trata da Lei de Contra-ataque às Ações Ilegítimas do TIP, com a promessa de que esse projeto de lei estará “na mesa” para assinatura de Trump logo nos primeiros dias do seu segundo mandato na Casa Branca, cujos efeitos abrange os “aliados” dos Estados Unidos e, no caso, Israel é um aliado de primeira hora dos Estados.

Finalmente, uma questão de ordem jurídica doméstica da Polônia é que a decisão final sobre se será ou não cumprida a cooperação de prisão de Netanyahu virá da Suprema Corte Polonesa, cujo entendimento sobre o assunto convém ser, previamente, analisado.

Haverá, com certeza, iniciativas jurídicas tomadas, dentro do sistema jurídico doméstico polaco, por instituições antissemitas. Por exemplo, a fundação Hind Rajab, que pediu a investigação, no Brasil, sobre o soldado israelense em férias na Bahia, Yuval Vagdani, já solicitou investigações contra mais de mil soldados israelenses ao Tribunal Internacional Penal.

Quando da visita de Al-Bashir à África do Sul, em Junho de 2015, o Governo garantiu a livre chegada, participação do presidente sudanês na Cimeira da União Africana e saída do país. Todavia, outro foi o entendimento da Justiça Sul-Africana (Southern African Legal Information Institute):

Em 13 de junho de 2015, na noite da chegada do Presidente Al-Bashir à África do Sul, o Centro de Litígios da África Austral apresentou um pedido urgente à Divisão de Gauteng, Pretória, para a detenção e rendição do Presidente Al-Bashir. O tribunal ordenou que o governo sul-africano impedisse Al-Bashir de deixar o país até que o pedido fosse julgado. O juiz Hans Fabricius ordenou que o Departamento de Assuntos Internos garantisse que todos os pontos de entrada e saída fossem informados de que o presidente Al-Bashir não tinha permissão para sair até a conclusão do pedido. No entanto, em 15 de junho, o presidente Al-Bashir deixou a África do Sul e foi para o Sudão enquanto o assunto ainda estava sendo apreciado no tribunal.

 

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