Se refletirmos bem, entenderemos porque a Organização das Nações Unidas, em 2019, lançou uma diretriz não-obrigatória sobre a conduta de Juízes em redes sociais. Os objetivos da Carta de São Francisco de 1945 vão além de manter a paz e a segurança mundial, mas também promover o desenvolvimento social e econômico de seus países membros, inclusive, resguardar os direitos humanos. Entre esses, encontra-se a organização judiciária doméstica dos Estados dentro de um padrão que atenda à necessidade de eficiência e imparcialidade da jurisdição.
O uso de redes sociais por Juízes tem sido um problema porque, naquelas plataformas, eles emitem opiniões que, não raro, revelam suas ideologias e, algumas vezes, seus preconceitos também.
Evidentemente, como ser humano, o Juiz está sujeito a ideias pré-concebidas e até ao sectarismo.
Todavia, essas fraquezas humanas precisam ser contrariadas pela inspiração de justiça como um ideal que, por sua imparcialidade, coloca a autoridade moral do juiz acima de todos. Qualquer um, ao se deparar com um Juiz em seu processo, deve saber que ele é um humano como outro qualquer, mas que, diferentemente de todos, ele é o único que tem a obrigação de não ter ideologia, não ter preconceitos, não ter partidos. Por presunção de todos, o Juiz é alguém que sabemos que, humanamente, é igual a nós em nossas fraquezas, mas que em razão de seus deveres morais, estará se esforçando para ser melhor do que nós, por dever ter uma consciência indene de ideias que tisnem sua imparcialidade. Essa é uma missão moral do Juiz. Todos os livros jurídicos e religiosos do mundo, escritos em papéis, papiros, pedras ou madeiras sempre reverenciaram o Juiz; mesmo nos Estados mais laicos, invariavelmente, sua figura é associada ao perfil de pessoa inconsútil e de áurea metafísica. À dureza da ética judicial, no plano moral, compara-se apenas o estoicismo do soldado que todos presumimos estar pronto a dar a vida pela pátria.
Mas, quando um Juiz se manifesta nas redes sociais expondo opiniões que tragam a dúvida de que ele, realmente, exercita com empenho seu dever de ser uma pessoa acima das opiniões, porque ele não tem nenhuma, é importante que uma reflexão seja feita sobre sua adequação à posição que escolheu na sociedade.
Um dos países cuja legislação e organização judiciária mais prezam a liberdade política, a democracia e o respeito às instituições, é o Reino Unido. Lá, realmente, o formalismo judiciário impressiona; ninguém se atreve a discutir uma decisão judicial em termos desrespeitosos. Quando o Juiz entra, todos se levantam e, quando fala, todos se calam. Nada obstante, o Juiz britânico sênior Tan Ikram, 58, sofreu uma advertência disciplinar porque “deu um like” em um post em que “Israel é nominado Estado terrorista”. Acontece que, pouco antes do “like”, ele suspendeu por 12 meses as acusações contra as duas mulheres acusadas pela Polícia Londrina de incursão na Lei de Terrorismo, Seção 13 (1), porque manifestaram elas, publicamente, apoio ao Hamas, organização considerada terrorista naquele país.
Ora, o que teria sido um julgamento respeitável pela consciência de um Magistrado, causou dúvidas de sua parcialidade e, por isso, o Juiz britânico Tan Ikram e sua antes respeitável decisão perderam a credibilidade do Rei.
Mesmo demonstrando remorso pelo “like”, alegado que a “curtição” se deu não-intencionalmente por um click descuidado em seu i-phone, Mr Chalk e a Baroness Carr “não se deram satisfeitos pela sugestão de advertência“, e aplicaram a Tan Ikram uma censura (punição mais séria que a advertência), porque “ao violar as diretrizes de uso de mídias sociais, a ação do Juiz causou significante dano reputacional ao Judiciário”.1
- Fonte: The Telegraph, 12 de Junho de 2024, às 1:57 (GMT) ↩︎