2005-2007: Tempos de Bruxas Soltas na Aviação Civil do Brasil
Ressalvado o seu presente irretocável, o berço da ANAC (criada em 2005) navegou em uma correnteza catastrófica de tragédias aéreas em 2006 e 2007, corrupção, crises políticas, Comissões Parlamentares de Inquérito, “apagão aéreo”… Pode-se dizer que a infância da ANAC foi o reflexo de sua gestação legislativa intra-uterina no Congresso.
É a única agência cuja biografia traz registros singulares: Uma diretoria forçada a se demitir e um diretor preso pela polícia federal.
Esses eventos se deram na transição da fase de desregulamentação para a de regulação da infraestrutura aeronáutica civil, quando o Departamento de Aviação Civil do Comando da Aeronáutica, então extinto, transferia sua estrutura para a Agência Nacional de Aviação Civil, então recém-instituída.
Não existe uma explicação técnica que possa reunir sob uma análise única todas as “pontas soltas” dos eventos profundos e catastróficos de 2005 a 2007. Mas é certo que, ombro a ombro com a corrupção e o descuido político, existiu um componente de azar. É o fator Santos-Dumont.
Tanto problema, tanta confusão, tanta negociação, tanta discussão para que a ANAC fosse criada desde o Governo de Fernando Henrique Cardoso (1999) e, por fim, sua lei acabou sendo, simplesmente, “aprovada às pressas” na gestão de Lula (2005) por pressão internacional.
Na esteira dessa incoerência, pulularam sucessivas tragédias nos caminhos da agência, já nos primeiros passos da autarquia especial, traumatizando sua “infância institucional”.
Primeiro, o acidente da GOL (09/2006); depois, os transtornos na infraestrutura aeroportuária e no serviço do DECEA, levando ao desmoronamento moral do setor aeronáutico como um todo, o que levou à instalação de duas CPIs no Congresso Nacional.
Tempos das bruxas soltas nos céus brasileiros. Mas o brasileiro é um povo que não se abate e, ainda que tétrico o cenário no pano de fundo, nem tudo foi trágico e há lembranças engraçadas, por exemplo, quando a política e sexóloga Marta Suplicy, referindo-se às longas filas de espera dos brasileiros em aeroportos, simpaticamente e com as melhores intenções, aconselhou-nos a “relaxar e gozar”.
Depois, veio o auge do terror e da loucura, quando o Airbus da TAM varou a pista 35 de Congonhas durante um pouso e saltou sobre a avenida Washington Luís, em pleno horário de pico (07/2007).
Sem dúvida, “tivemos sorte”. O potencial do acidente era muito maior com a explosão de um posto de gasolina e tantos veículos engarrafados nos logradouros em volta.Triste memória, mas que também traz à lembrança o engraçado e saudoso Ministro Waldir Pires, que tentava explicar os problemas da aviação brasileira comparando-a a um “pepino”.
Nesse mesmo contexto histórico, inesquecível ainda a cena de assessores presidenciais “comemorando”, com gestos obscenos, a possível causa do acidente da TAM estar relacionada mais a um problema dos reversores da aeronave do que à falta de estrutura da pista.
De rir muito também da afirmativa do então Senador Relator da CPI do “apagão aéreo”, Demóstenes Torres (PFL), ao “reclamar”, em 2007, que o “Brigadeiro” havia “amarelado”, não confirmando a prática de corrupção na agência ANAC por um de seus diretores.
Um dos aspectos mais intrigantes da observação histórica, ao menos da aviação civil brasileira, é que ela não se constitui de eventos que se desdobram num plano retilíneo, e sim circular, no qual se verifica que as pessoas mudam, mas os fatos político-econômicos não.
Quando se olha para a CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara de 2007 (REQ nº 47/2007 – CPIAEREO, 08/05/2007 – para investigar as causas, consequências e responsáveis pela crise do sistema de tráfego aéreo brasileiro) e, voltando-se 47 anos no tempo, encontramos a RES nº 38/1960, 25/08/1960, CPI- Comissão Parlamentar de Inquérito (para investigar a aviação civil, principalmente os aspectos relacionados com a segurança dos voos), surpreendemo-nos ao constatar que os fatos são os mesmos. Causa perplexidade, porque, afinal, as pessoas que administravam a aviação em 1960 sequer estavam vivas em 2007. Ora, se as pessoas deixaram de existir, o que permaneceu o mesmo ao longo desse meio século, não mudando?
A mentalidade política.
É ela que continuou a mesma e, por consequência, os fatos e as Comissões que os investigam também.
Essa singela análise histórica prova que a política diretora de uma infraestrutura não muda ao se mudarem seus protagonistas, e sim as suas diretrizes.