Mandado de Prisão Internacional

Corte Internacional Penal v Vladimir Vladimirovich Putin

A Justiça Criminal Internacional entra na Guerra


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Em 17 de Março de 2023, quando a Corte Criminal Internacional (CCI), sediada em Haia, nos Países Baixos, expediu uma ordem de prisão (Estatuto de Roma) contra o presidente da Russia, Putin, praticamente todos os países “do Ocidente” ou “ao Ocidente aliados” comemoraram a corajosa decisão: Estados do Continente Europeu, membros do Commonwealth (Canadá, Nova Zelândia e Austrália), Estados Unidos.

Aqui, abrem-se parênteses para uma reflexão: Ao contrário do que tentam inculcar alguns líderes políticos mundiais, a dicotomia contemporânea de disputa imperialista internacional não tem essa precisa divisão de Oeste e Leste. Importantes países, que não estão exatamente no Leste (India) ou que estão muito longe do Leste (Brasil e África do Sul), não têm uma política internacional consistente com o bloco político anti-China e anti-Rússia liderado pelos Estados Unidos e Comunidade Europeia no G7. Acertadamente, também não comemoraram a desastrosa decisão da Corte Internacional Penal (CIP).

The Brics group (Brasil, Russia, India e Áfica do Sul), formado pelas grandes economias emergentes, tem sido cada vez mais considerado rival do G7, grupo constituído pelos mais industrializados do Oeste, Canadá, França, Alemanha, Itália, Japão, Reino Unido, Estados Unidos e União Europeia.

Sendo claro do ponto de vista da Carta da ONU a ilegalidade da agressão russa, qualquer legalidade da ordem de prisão da CPI imerge nas sombras da dúvida da imparcialidade com que se reveste a decisão da Segunda Câmara de Pré-Julgamento.

Citado mandado de prisão aprofunda a crise política com a Rússia, dificulta ainda mais a estruturação diplomática para restauração da paz Rússia-Ucrânia, alimenta a narrativa de que o “Ocidente persegue os russos e odeia seus valores” e, por fim, reforça as insinuações de que a criação da CPI foi um “grande erro de Justiça Internacional”. Para quem tem dúvidas, a Corte parece se esforçar para trazer a certeza.

Tudo isso por causa do timing da decisão. Não era hora de uma ordem judicial internacional sem precedentes como aquela ser proferida, nem poderia algo tão original ter se dado tão rapidamente.

A aparente ilegitimidade da prisão colocará um permanente selo de dubiedade no real papel judicial da CPI e, em um futuro talvez não tão longe, provoque o seu esvaziamento institucional.

É relevante se notar que dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, China, Estados Unidos e Rússia não fazem parte Estatuto de Roma.

Ora, o que existe de mais incompatível com a ideia de Justiça, ainda que no seu sentido mais vulgar, é a concepção de política, mesmo que no mais geral e menos pejorativo viés desse vocábulo, principalmente quando se sabe que o financiamento da CPI é, pesadamente, europeu e, por várias razões, a Europa está envolvida na guerra Ucrânia-Rússia.

O Chefe da Promotoria Internacional daquela CIP, Karim A.A. Khan, nada obstante a origem do nome, é um advogado britânico. A ele coube a iniciativa persecutória da ordem de prisão cautelar internacional. O Reino Unido é um país “do lado ocidental” do mundo e, mesmo antes da invasão da Ucrânia, vinha tendo tensas relações com a Rússia.

Desperta muita suspeita no procedimento de Karim a celeridade sem precedentes com que os Juízes da Corte deram tramitação à sua aplicação criminal: 25 dias!

O discurso do Presidente polonês daquela Corte, Piotr Hofmański, referindo-se ao suposto sequestro das crianças ucranianas como se fosse o ápice das desumanidades na Terra, seria de toda pertinência num planeta onde a Síria, não tão longe da Polônia, tem sido palco de milhares de mortes brutais de crianças. Sendo o Presidente sírio, Bashar al-Assad, investigado por um órgão especial das Nações Unidas, UN Commission of Inquiry on Syria, há quase 3 anos, não se compreende, pelo discurso de Hofmański, poder Bashar al-Assad circular livremente pelo mundo sem ser incomodado pelo Promotor britânico da Corte Internacional Penal.

Nesse contexto, a África do Sul planeja alterar sua legislação doméstica, rever sua relação de direito internacional com CIP ou, o que parece mais simples, encontrar uma saída jurídica para não ser obrigada a cumprir a ordem de prisão contra Putin, de modo que ele possa ir àquele país para participar de uma reunião do BRICS em agosto.

“Brasil, Federação Russa, India, China e África do Sul (BRICS) agora forma um dos mais importantes blocos econômicos do mundo, representando mais de 1/4 do Produto Interno Bruto global, e 42% da população mundial. per cent of the world’s population. Significativamente, o BRICS tem visto sua influência econômica aumentar nas últimas décadas como dirigentes do crescimento comercial e de investimento do globo.” UNCTAD

A propósito, ao que parece, o governo africano tende a interpretar o art. 98 do Estatuto de Roma, que rege a CPI e a sua relação com seus membros, como um loophole de oportunidade!

Explicando a posição política que a África do Sul assume com relação à CPI, Obed Bapela, Vice-Ministro Sul-Africano, diz que Nelson Mandella se “desapontaria” ao ver que a CPI age com “dois pesos e duas medidas”:

“Nós jamais pensamos que a CPI que temos hoje seria o que é. Eles nunca denunciaram Tony Blair, eles nunca denunciaram Bush pelo assassinato que cometeram contra o povo iraquiano”. BBC News

De um ângulo estritamente voltado à resolução de conflitos internacionais, credita-se razão a Obed Bapela.

Rússia, assim como os Estados Unidos, não é parte do Estatuto de Roma, de modo que o alcance dos efeitos daquele acordo internacional não deveria ultrapassar os limites do consentimento para afetar países não-membros.

Não se pode dar à jurisdição internacional da CPI, que atua sobre pessoas, e não sobre governos, a mesma dimensão da jurisdição universal das cortes domésticas em matéria de graves crimes contra a humanidade, pelo evidente motivo de que essas se lastreiam no exercício da soberania dos Estados, enquanto aquela se escora, justamente, no contrário, na renúncia da soberania dos Estados. O princípio do consentimento do Estado é que direciona a renúncia parcial de sua soberania a favor do tratado que institui ou abriga um órgão de justiça internacional, o qual é consagrado por toda as Cortes Internacionais, permanentes e ad hoc, globais ou regionais, sem nenhuma exceção, reiteradamente, como um dos mais vulgares legal maxims da jurisdicionalidade internacional.

Quando a então Promotora da CPI, Fatou Bensouda, da Gâmbia, insinuou uma investigação sobre os Estados Unidos (por crimes de guerra no Afeganistão) e contra seu aliado Israel (por crimes contra os Palestinos), a reação do então Presidente Donald Trump chegou à ameaça de invadir Haia, cidade holandesa que é sede da CPI.

Haver a CPI entrado na cena da guerra não pode ser visto como um equívoco midiático de Karim, e sim um evento de aparente “politização judicial”.

Nada obstante haja um vetor político na forma de composição judicial das entidades de Justiça Internacional, fariam bem essas cortes e tribunais se se mantivessem afastadas do palco dos conflitos internacionais e sua política, evitando discursos políticos como o de seu atual presidente, Piotr Hofmański, e limitando-se, quanto muito, às palestras jurídicas sem tangenciar eventos concretos da atualidade.

Nesse passo, o principal órgão jurisdicional da ONU, a Corte internacional de Justiça, que muito de seu prestígio tem tirado de juízes internacionais de vulto como o preclaro jurista brasileiro Antônio Augusto Cançado Trindade, é um exemplo de que a investidura política não interfere necessariamente na lisura judicial.

Convém relembrar que as cortes internacionais, ao contrário dos tribunais domésticos, não tiram da soberania a força de sua autoridade, nem do Estado o prestígio de seu status; a integridade da justiça internacional depende da estrita jurisdicionalidade de seus órgãos, e a respeitabilidade de seus julgados está à completa mercê da qualidade éticas de seus julgadores.

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