Nacionalidade Portuguesa por Casamento: Expectativas de Direito e Efetiva Ligação


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1. Introdução

Pelo casamento, não se adquire automaticamente o direito à nacionalidade portuguesa, mas sim uma expectativa de direito, a menos que seu casamento tenha sido celebrado antes da entrada em vigor da Lei nº 37, de 3/10/1981, atual Lei da Nacionalidade de Portugal (LNP), ao tempo da Lei nº 2098, de 29/7/1959, a qual conferia direito à nacionalidade portuguesa automaticamente (Base X): “A mulher estrangeira que casa com português adquire a nacionalidade portuguesa, excepto se até à celebração do casamento declarar que a não quer adquirir e provar que não perde a nacionalidade anterior.”

A expectativa de direito da pessoa casada com o nacional português – ao contrário de quem é filho ou neto de português (que são titulares do direito à nacionalidade portuguesa) – resulta da necessidade de que um requisito, a efetiva ligação com a comunidade portuguesa, seja inplememtado, o que depende do julgamento do Estado Português. E é assim porque o casamento não gera o jus sanguinis, o qual confere o direito à nacionalidade em caráter original (retroativamente) e automaticamente (pois a nacionalidade não depende de uma condição sob “julgamento” do Estado).

Quem deseja com sinceridade ser português precisa saber que o caminho da nacionalidade atributiva ou original (de filhos e netos de português) e pelo casamento são apenas duas das possibilidades de titularidade da nacionalidade lusitana. O cidadão brasileiro tem o caminho da naturalização, que é uma alternativa, ainda que mais trabalhosa e menos lucrativa para “prestadores de serviços de cidadania portuguesa na internet”.

Esse é mais um post sobre uma série que a Sociedade de Advocacia Elfilho tem feito no sentido de esclarecer, desinteressadamente, os brasileiros na sua relação com o Direito da Nacionalidade de Portugal (LNP), cuja base é a Lei nº 37, de 3/10/1981, com as várias alterações legislativas que sobrevieram ao longo dos seus 42 anos de existência.

2. A Disparada de Pedidos de Nacionalidade Portuguesa

Nos últimos quinze anos, disparou o número de cidadãos brasileiros que, seja através de Consulados no Brasil, seja pelos caminhos disponibilizados diretamente pelo IRN (Instituto dos Registos e Notariado) português, têm obtido a nacionalidade portuguesa por atribuição fundada no jus sanguinis, notadamente, filhos de português e netos de português que a partir de 2020, com a penúltima alteração da Lei da Nacionalidade – muito mais facilmente que antes – também têm reconhecida sua ligação com Portugal.

A propósito bisneto de português não tem direito à nacionalidade (o link leva ao post onde damos uma detalhada orientação jurídica sobre o direito à nacionalidade por atribuição, ou originária, com base no jus sanguinis – fundado no artigo 1º, al. 1, letra d, da Lei nº 37/81).

3. Vantagens da Nacionalidade Portuguesa

Não é desconhecido em Portugal que aqueles brasileiros, ora já casados, ora vindo a casar depois de terem atribuído a si a nacionalidade portuguesa, desejam que a (o) esposa (a) passe a gozar dos mesmos benefícios e prestígio de uma nacionalidade que, ao lume da legislação da Comunidade Europeia, é uma cidadania europeia. Aliás, em 6/12/2023, comemoramos o 30º Aniversário da Cidadania Europeia, insculpido no artigo 8º, do Tratado de Maastricht, em 7/2/1993 (TEU ou Tratado da União Europeia). Aliás, lembre-se que o passaporte Português é uma prestigioso documento rankeado na 5ª colocação mundial, ao passo que o brasileiro está no 12ª lugar, permitindo o lusitano acesso a 175 países, enquanto o brasileiro a 134 países. Sem contar que há acordos internacionais que privilegiam a imigração que favorecem portugueses, mas não brasileiros, por exemplo, com os Estados Unidos.

4. Expectativa de Direito e a Condição da Efetiva Ligação com a Comunidade Nacional

Como visto, o cônjuge de português tem expectativa de direito à nacionalidade, a qual se transforma em direito apenas se o cônjuge demonstrar uma condição jurídica que depende da prova do seguinte fato (complicado de provar): Que o cônjuge do português tem “efetiva ligação com a comunidade nacional”.

Então, o casado com português pode pedir a nacionalidade após completar três anos de casamento, sendo necessário registrar em Portugal o casamento contraído no Brasil. Se o casamento é anterior à aquisição da nacionalidade, não importa, porque o jus sanguinis faz com que o brasileiro que teve atribuída a nacionalidade portuguesa seja considerado português retroativadamente, desde o seu nascimento; portanto, antes do casamento!

A respeito da aquisição da nacionalidade portuguesa pelo casamento, bem esclarecedor o julgado do Supremo Tribunal Administrativo de Portugal:

«1 – O estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do matrimónio.

ii) 2 – A declaração de nulidade ou anulação do casamento não prejudica a nacionalidade adquirida pelo cônjuge que o contraiu de boa fé.

iii) 3 – O estrangeiro que, à data da declaração, viva em união de facto há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa, após ação de reconhecimento dessa situação a interpor no tribunal cível»). Ou seja, depende não só de uma realidade – a constância de um casamento (ou união de facto) por mais de três anos – e de manifestação de uma vontade – o querer ser cidadão português.

d) O que quer dizer que o fator decisivo nessa aquisição de nacionalidade não é a constância do casamento por mais de três anos – esse é um mero pressuposto – mas a declaração de vontade manifestada pelo interessado visto essa aquisição não ocorrer se o cônjuge estrangeiro, apesar de preencher aquele requisito, não estiver interessado em ser cidadão nacional e, por essa razão, não formular o necessário pedido.

e) Todavia, a aquisição da nacionalidade por essa via não se produz automaticamente com a simples reunião daqueles pressupostos já que essa pretensão pode ser contrariada pelo M.P. através da propositura de uma ação especial fundamentada num dos seguintes factos: (1) a ausência de qualquer ligação efetiva à comunidade nacional por parte do interessado, (2) este ter sido condenado por sentença transitada pela prática de crime punível com pena de prisão igual ou superior a 3 anos e (3) ter prestado funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou prestado de serviço militar a Estado estrangeiro (artigo 9.º da citada Lei) (Nos termos do artigo 9.º da Lei 37/81, na versão que lhe foi dada pela Lei 2/2006:

f) «Constituem fundamento de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa:

i) a) A inexistência de ligação efetiva à comunidade nacional; ii) b) A condenação, com trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a 3 anos, segundo a lei portuguesa; iii) c) O exercício de funções públicas sem carácter predominantemente técnico ou a prestação de serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro»).

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 3/2016, de 18 de julho
5. A Ausência de Qualquer Ligação efetiva à Comunidade Nacional por Parte do Interessado e as Provas

Como se verificou, o Ministério Público pode (e o faz amiúde) impugnar o requerimento de nacionalidade portuguesa provando ausência de qualquer ligação efetiva à comunidade nacional por parte do interessado.

Não se anime. Ao contrário do que parece, a lei não impõe ao Magistrado português o ônus da prova diabólica, isto é, obrigação de fazer prova do que não existe, no sentido de o Ministério Público ter de fazer prova da inexistência de qualquer ligação efetiva à comunidade nacional por parte do interessado, pois não se pode provar o que é ausente ou inexistente!

Quanto a este assunto sobre a prova negativa, e a titulo exemplificativo, o Tribunal Central Administrativo, no seu acórdão de 10/03/2016, referente ao processo n.º 12843/15, diz o seguinte sobre o ônus da prova:

“II – O ónus da prova, que não se confunde com um dever de provar, é um instituto de direito material regulado nos artigos 342º ss do Código Civil atual, que pode ser definido como a regra de julgamento da causa segundo a qual, num contexto processual onde sobressaem os princípios do inquisitório (artigo 411º do Código de Processo Civil) e da aquisição processual (artigo 413º do Código de Processo Civil), a parte (autor ou réu) que invoque a seu favor uma situação jurídica tem contra si o risco de não serem adquiridos no processo os factos positivos ou negativos que, segundo a lei material, são idóneos a fazer nascer a situação jurídica favorável invocada, ficando, assim, essa parte processual sujeita à improcedência da sua pretensão no caso de insuficiência da aquisição processual dos factos fundamentadores da situação jurídica invocada;” […]“XIV – Seria injusto, “diabólico” e inconstitucional, por violação da máxima constitucional da Proporcionalidade, que a lei (por exemplo, o Código Civil, a Lei da Nacionalidade ou o Regulamento da Nacionalidade Portuguesa) ou que a jurisprudência onerassem os autores de processos jurisdicionais com o peso de uma prova impossível de factos ou com o ónus da prova de “factos negativos indeterminados ou indefinidos”, como é o caso de uma eventual factualidade negativa subjacente à inexistência de uma ligação qualificada (efetiva) à comunidade nacional portuguesa;XV – Interpretar dessa forma a al. a) do artigo 9º da Lei da Nacionalidade e os artigos 342º e 343º/1 do Código Civil de 1966 constituiria um mecanismo de predeterminação sistemática de insucesso de uma parte processual em favor da outra, a que nenhum legislador ou tribunal pode hoje dar cobertura, o que, ademais, seria (i) assistemático do ponto de vista infraconstitucional (cfr. artigo 9º, nº 1, do Código Civil), bem como (ii) desrespeitador dos Princípios Constitucionais da Proporcionalidade e da Tutela Jurisdicional Efetiva;XVI – O legislador do ónus da prova (através dos injuntivos artigos 342º ss do Código Civil) e os tribunais (através de uma correta interpretação daquelas regras substantivas) estão constitucionalmente vinculados, sob a luz do princípio constitucional da Tutela Jurisdicional Efetiva, a, cada um nas respetivas funções soberanas, evitarem (i) as situações do ónus da prova diabólica ou impossível (nomeadamente quanto a “factos negativos legalmente indeterminados ou indefinidos”, como aqui ocorre), (ii) as situações de desigualdade no acesso de todas as partes à possibilidade real de demonstração dos factos e ou ainda (iii) as situações de violação da Máxima Constitucional da Proporcionalidade na distribuição do peso da prova dos factos fundamentadores dos posições jurídicas pretensivas litigadas no processo; é por isso que a ação prevista nos artigos 10º e 9º, al. a), da Lei da Nacionalidade, efetivamente enquadrada pelo Código de Processo Civil (cf. artigos 10º, nº 3, 411º e 413º), está, sempre, sujeita ao previsto no artigo 343º, nº 1, do Código Civil de 1966 (…)”

6. Fatos Constitutivos da Efetivação Ligação com a Comunidade Lusitana

Pelo que se observa da jurisprudência administrativa, ao ser protocolado o pedido de nacionalidade pelo cônjuge, que já tenha registrado o matrimônio realizado no Brasil e já esteja casado há mais de 3 (três) anos, devem ser providenciadas cópias de viagens constantes a Portugal; no mínimo, uma vez por ano. No Brasil, convém que o candidato seja vinculado a um centro cultural português e, realmente, participe dos eventos! Para tanto, não precisa ser afiliado (a). Ter filhos com o português não é relevante. É melhor ter o NIF português. A aquisição de propriedade em Portugual colabora. O fato mais pertinente é residir lá porque ter apenas casa de veraneio lá é insuficiente. Seja sincero. Gostar realmente de Portugal é um requisito “espiritual” que vai ajudar.

7. Conclusão

A expectativa de direito à nacionalidade do cônjuge do português requer a demonstração de que o candidato tem efetiva ligação com Portugual, o que será impossível demonstrar se o seu próprio cônjuge não a tiver. O pedido administrativo com base apenas na certidão de casamento averbada em Portugal de um vínculo matrimonial com mais de 3 anos será fadado ao insucesso, com perda de dinheiro, tempo e, pior, frustração.

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