Atraso por Colisão com Pássaros e Indenização

Risco do Ar e Indenização por Danos Materiais e Morais

A colisão de pássaros, ou bird strike, é um fenômeno recorrente e muito perigoso na aviação civil. Por exemplo, no dia 29 de Dezembro de 2024, uma aeronave Boeing 737-800, vindo de Bangkok, na aproximação para pouso no aeroporto internacional de Muan, na Coreia do Sul, colidiu com pássaros e, logo depois, pousou descontroladamente na pista, matando 179 de seus 181 passageiros.

Na manhã de ontem, 20 de Fevereiro, o voo LA3367, decolou do Galeão/RJ com destino a Guarulhos/SP, mas teve de retornar meia hora depois, devido a uma colisão frontal com pássaros.

Colisão de aeronave com pássaros pode ser considerada um risco do ar? Não.

A teoria do risco do ar foi, originalmente, criada para que indenizações decorrentes de acidentes aéreos fossem mitigadas, porque se considerava voar um grande risco e quem embarcava nessa aventura não tinha muito do que reclamar mais tarde, caso o pior acontecesse.

Com o desenvolvimento tecnológico da segurança aérea, a teoria do risco do ar não desapareceu, mas se metamorfoseou, transformando-se em um mecanismo de limitação de responsabilidade civil em certas situações de danos pessoais e materiais ocorridos durante o transporte aéreo, mas não mais porque a aeronáutica é perigosa, mas para preservar o empreendedorismo aeronáutico da perspectiva de falência a que, diante de um único acidente, poderia o transportador aéreo ser arrastado.

Por isso, a teoria do risco do ar atenua a responsabilidade do transportador aéreo, por exemplo, internacionalmente, através do sistema legal Varsóvia/Montreal, e não exclui sua responsabilidade civil.

A inaplicabilidade da teoria do risco do ar à colisão de aeronave com pássaros não representa que os atrasos à viagem dos passageiros sejam, necessariamente, reparados. Aqui, é importante destacar a distinção dos danos materiais e morais, que podem estar na linha de desdobramento causal direta ou indireta dos efeitos dos atrasos provocados pela colisão da aeronave com pássaros.

Os danos materiais diretos são aqueles relacionados às despesas naturais decorrentes da espera pelo embarque, os quais são de responsabilidade objetiva do transportador aéreo, por força do Cód. Bras. de Aeronáutica e especificados na Resolução nº 400/2016 da ANAC, art. 26. Então, a assistência material da Resolução nº 400/2016 obriga o transportador independentemente de qualquer discussão.

Se não for prestada essa assistência material ou a prestação for deficiente (alimentação insuficiente, hospedagem desconfortável, não fornecimento de internet etc.), há uma infração autônoma do atraso em si mesmo, a qual já justifica danos morais.

Os danos materiais indiretos são aqueles que não resultam naturalmente do atraso, por exemplo, um compromisso perdido (voo de conexão, evento familiar, encontros, reuniões, hospedagens, passeios etc.). A ocorrência desses danos deve ser demonstrada pelo passageiro, por exemplo, que o atraso o fez perder um show a que assistiria no destino.

Os danos morais diretos são aqueles que ocorrem pela falta de cumprimento da assistência material a que o transportador aéreo estava, objetivamente, obrigado a prestar pela Resolução nº 400/2016 e seu artigo 26. Nesse caso, o passageiro alega que não recebeu a assistência material e pede os danos morais daquela falta resultantes. Observe: O passageiro não é obrigado a fazer a chamada “prova ilógica”, i.e., prova negativa, de que não recebeu a assistência material. O transportador aéreo deverá, então, provar que disponibilizou a assistência material e que, portanto, o passageiro recusou ou não se dispôs a recebê-la, ainda que oferecida de forma justa.

Se o passageiro proveu a ele mesmo assistência material que era obrigação do transportador aéreo, tem direito ao ressarcimento.

Geralmente sim, mas algumas vezes não são os danos morais pela falta de assistência considerados pelos tribunais como danos morais “in re ipsa”, ou seja, danos morais que decorrem do atraso sem assistência material automaticamente, de modo que, por isso, é importante apontar elementos que delineiam um sofrimento psíquico ou desconforto concretamente, por exemplo, a idade do passageiro (se é idoso ou se é criança), problemas de mobilidade ou de saúde (física ou psíquica preexistentes que lhe causaram maiores transtornos), intercorrências na espera (desconfortos digestivos, cefaleias) etc.

Os danos morais indiretos prendem-se aos danos materiais indiretos, de modo que aqueles não existem sem esses, por exemplo, a perda de um concerto musical que não retornará ao Brasil. Nesse caso, os danos morais serão “in re ipsa”, bastando o passageiro provar o evento material perdido. Porém, por prudência, convém sempre esclarecer os transtornos, a perda de tempo útil ou no que consistem as frustrações, para evitar que o arbitramento judicial seja limitado ao ressarcimento material do evento apenas (o pagamento pela perda do ingresso de um jogo de football, da entrada de um espetáculo etc.)

Nada obstante a legislação seja favorável ao passageiro, que é um consumidor, convém ser proativo e produzir provas que facilitarão ainda mais a responsabilização do transportador aéreo, por mais que isso entristeça o CEO da Latam, Jerome Cadier. Por exemplo, fazer imagens com o celular, o que sempre são provas irretorquíveis, fotografando o painel de informações de voo, gravando áudios dos atendentes etc.

Antes de encaminhar o caso para um Advogado, eu sei que é inútil, mas faça uma reclamação ao próprio transportador aéreo (Reclamação de passageiro contra empresas aéreas — Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Assim, o passageiro demonstra que teve boa vontade e fica comprovado ao Sr. Jerome Cadier que a judicialização é consequência de sua ineficiência no trato com as naturais reclamações de consumo. A reclamação pode ser feita aqui para acessar o Consumidor.gov.br. 

De acordo com a Resolução nº 196/2011 da ANAC, o transportador aéreo tem o prazo de cinco dias para atender uma reclamação do passageiro aéreo, dando-lhe uma resposta. Não cumprem esse prazo, o que constitui infração administrativa que, por si só, representa fato que pode servir à alegação de danos morais, pois, afinal, a pessoa confiou no sistema, perdeu seu tempo fazendo a reclamação e fez papel de boba, porque não lhe responderam.

De uma maneira geral, a jurisprudência do TSJP oscila um pouco nas reparações morais em função do tempo de atraso do passageiro, sendo que os julgados conjugam o tempo de espera com elementos concretos que fazem com que cada hora que passa do atraso do voo seja um fato mais ou menos grave. Por isso, ao se reclamar ou postular judicialmente indenização por danos morais pelo atraso, convém referir-se ao tempo de atraso e, concomitantemente, demonstrar fatos ou circunstâncias que realcem os transtornos, angústias ou problemas pelas horas de espera.

Espero que o CEO “reclamão” da LATAM, Jerome Cadier, não leia esse post….

 

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