“Volta logo papai”
Post relacionado: O Acidentes Aéreos e Suas Coincidências: O Rio Potomac
Todo acidente aéreo tem uma causa que se traduz em um fator humano, mecânico, meio… Mas nenhum acidente aéreo tem um porquê.
Ainda uma criança, o cmte. Gustavo Carneiro Medeiros é capturado pela câmera, a meio de outros em sua infância, absorto e olhando ao longe. Sua mão direita chama atenção. Coincidentemente, é como se do passado fizesse um gesto para algo que, inconscientemente, indica que acontecerá no futuro.
Não é sem constrangimento que admito: Desde os dezesseis anos, o avião chama minha atenção não porque ele voa, mas porque ele cai. Todas as vezes em que falei ou escrevi sobre acidente aéreo, sempre lembro do meu “primeiro caso”, o Air Florida 90 (13 de Janeiro de 1982). Assim, em 2004, quando me formei em investigação de acidente aéreo no CENIPA, realizei um sonho quase tão emocionante quanto o meu primeiro voo solo, em 2002, a bordo do inesquecível amigo, PT-NYY.
Todo acidente aéreo tem uma causa que se traduz em um fator humano, mecânico, meio… Mas nenhum acidente aéreo tem um porquê. A causa é física; o porquê é metafísico. A causa é a tese tangível, concreta, causal, científica e compõe a doutrina da prevenção e investigação do acidente aéreo para proteger o homem e a máquina; o porquê é a antítese intangível, abstrata, empírica e compõe a literatura ambígua de qualquer doutrina espiritual, indo além das expectativas da própria vida e morte. O investigador aéreo ocupa-se da causa do acidente aéreo, não do porquê dele – a grande perturbação de suas vítimas indiretas! De fato, nos destroços do avião, na papelada do seu histórico de voo, no perfil de quem o comanda, o investigador achará a causa do acidente, enquanto o porquê do acidente é encontrado em suas coincidências.
Pelas imagens do acidente em São Paulo, 7/2/2024, podemos dizer que o cmte. Gustavo Carneiro Medeiros (44) foi bravo; esforçou-se! E ainda que nos seus derradeiros momentos, o registro cinemático perenizou para os filhos o legado do quanto era habilidoso. Mas, é aquela questão do “porquê”… Sua mãe, Jane Carneiro, foi justa e equilibrada ao falar do cmte. Gustavo. Deixou-nos a impressão de que ele tinha muito dela mesma.
Os vídeos mostram que o cmte. Gustavo pousou forçado passado por um congestionado cruzado no sinal verde. Se o sinaleiro estivesse vermelho, a explosão aconteceria sobre os carros no cruzamento!
E é por causa daquele “porquê” que o cmte. Gustavo Carneiro Medeiros, hoje, perfilha a literatura aeronáutica de mais um pai que saiu de casa, e seus filhos e esposa só poderão vê-lo voltar de uma outra maneira, totalmente nova, com a qual o tempo se encarregará de tornar um hábito corriqueiro. E ele não está sozinho…
Entre esses pais que se ausentam brevemente durante um voo, lembramos do piloto Fernando Bondezan Albuquerque (34). Ele desapareceu nas asas do monoturboélice anfíbio PP-XLR, em 29/5/2013, por volta de 15h30, logo após a decolagem, em Sorocaba/SP, de onde eu decolei dia e noite incontáveis vezes!
Nos destroços da aeronave, junto à carteira de piloto do colega, um bilhete de sua filha, chama a atenção dos investigadores do CENIPA:
“Volta logo papai”
O bilhete dela ao pai lembra um outro, de que nos dá conta Malba Tahan, criação do gênio de Júlio Cesar de Mello e Souza, na obra Sob o Olhar de Deus.
Há naquele livro do Sr. Malba Tahan uma preciosa passagem sobre a crença de que existe “destino”… Em certo momento da estória retratada no livro, estabelece-se um diálogo entre dois personagens, o falastrão Célio e o filósofo doutor Alex. Eles assuntavam, precisamente, sobre a morte e os avisos que ela pode mandar para prevenir os homens sobre sua chegada. Então, assim se pronunciou “o sábio doutor Alex, com a fronte avincada”:
_ Esse aviso, meu bom amigo, esse aviso da Morte existe sim, mas é imprevisível. Já Sêneca, o filósofo, ensinava: “É incerto o lugar onde a morte te espera; espera-a, pois, em todos os lugares”. E La Bruyère, o moralista francês, numa frase curta e incisiva, sentenciou: “A Morte só chega uma vez e faz-se sentir em todos os momentos da vida; é mais cruel temê-la do que sofrê-la”. A sombra do mistério envolve a Morte. Há, porém, certas ocorrências ou coincidências (como pretendem alguns) que são impressionantes. Vou recordar um fato. No momento em que meu filho morreu (lembro-me perfeitamente), eu estudava no escritório e, ao consultar a velha Enciclopédia francesa (precisamente na letra M), encontrei, entre as páginas, um pedaço de papel amarelado pelo tempo. Era um recado que meu filho, aos onze anos, me enviara do internato, na Suíça, em que se educava. O recado começava assim: “Querido papai” e terminava: “Até as férias, adeus!” Pois bem, o recado de meu filho ficara longos anos esquecido entre as páginas do volume e eu fui reencontrá-lo na hora exata de sua morte. E queres saber qual era o vocábulo explicado naquela página da Enciclopédia? “Morte”. Eu recebi, portanto, um aviso da Morte. Dirá o Materialista: “Ora, tudo isso não passa de mera coincidência. Coincidências sucessivas e nada mais”. Para o químico, a formação de certo corpo, pela combinação de dois outros, é um fenômeno perfeitamente normal, sujeito a leis matemáticas bem conhecidas; para o ignorante é uma coincidência.
Dentre talvez dezenas de fotos que poderiam ser publicadas do cmte. Gustavo Carneiro, essa é que foi publicada no G1:

Ainda uma criança, o cmte. Gustavo Carneiro Medeiros é capturado pela câmera, a meio de outros em sua infância, absorto e olhando ao longe. Sua mão direita chama atenção. Coincidentemente, é como se do passado fizesse um gesto para algo que, inconscientemente, indica que acontecerá no futuro.