A Justiça Federal Brasileira “surfando” na onda da Justiça Universal

Jurisdição Universal “Penal” e Pro-Ativismo Judicial Doméstico


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As guerras e seus terrores existem ao lado da humanidade desde a sua origem na Terra. Talvez, mais do que propriamente a tecnologia da guerra, o que mais mudou em termos atuais é a informação da guerra, de modo que seus horrores podem ser vistos em tempo real e a cores na tela de qualquer smartphone.

informação de guerra – com suas impactantes imagens de mortes de crianças por hipotermia e inanição na Faixa de Gaza, os gritos desesperados de mães carregando os corpos de recém-nascidos embrulhados em trapos – representa o limiar e, ao mesmo tempo, o aparente último portal de uma dimensão inteiramente nova dos impactos da guerra, que se projetam para bem longe do sítio dos combates e seus combatentes e bombardeiam no plano da saúde mental das pessoas. Smartphones, conectados à rede mundial de computadores, são os drones a carregar tais perversas bombas psíquicas.

O desejo de que guerras sejam impedidas ou interrompidas por juízes não é novo, mas data de fins do século XIX e culminou na Primeira Conferência de Paz de Haia de 1899.

Não é novo também que essa percepção é falsa. Guerras não são evitadas, nem terminadas por ordens judiciais no plano internacional, assim como juízes criminais e policiais também não têm o poder de acabar com a violência doméstica dentro dos Estados. 

Há de se convir, porém, que é persistente a ilusão de paz mundial mediante intervenção judicial, algo que, particularmente, tenho dificuldade em entender. Pois sempre que se justifica, por exemplo, a “jurisdição universal penal”, voltam-se os olhos para 1945, para os Tribunais Militares Penais de Nuremberg e do Extremo Oriente. Mas, esses tribunais terminaram a Segunda Guerra Mundial? Esses tribunais liquidaram os vencidos sobreviventes líderes do Eixo em um cenário de aparente legalidade internacional imposta pelos Aliados. Teria se chegado ao mesmo resultado se aqueles criminosos de guerra tivessem sido, simplesmente, executados como era e antanho.

Desde o primeiro tribunal internacional global, a Corte Arbitral Permanente de 1899, as guerras aconteceram à medida que os Estados se entregaram a elas, e passaram à solução da Justiça Internacional segundo aquela mesma vontade, de modo que é certo que é secundária a vontade judicial, ou a posição da Justiça Internacional, na construção da paz mundial.

A propósito, predicativo “penal” é pleonástico quando aposto à concepção de Jurisdição Universal, já que essa é de natureza penal por conceito próprio.  Cria-se, ainda, a falsa noção de que haveria uma Jurisdição Universal “civil”.

Os passos que o Tribunal Internacional Penal tem dado na direção das guerras Rússia-Ucrânia e Israel-Hamas tem tido qual efeito naquelas guerras? Houve um míssil russo que deixou de ser disparado contra o território ucraniano? Um saco de arroz foi capaz de entrar na Faixa de Gaza? A ordem de prisão expedida contra Al-Bashir em 2009 diminuiu um dia que fosse de sua presidência do Sudão?

Dir-se-ia que o Tribunal Penal tem sido ativo e que é válida a sua contribuição para paz. Não é verdade. As decisões do Tribunal Internacional Penal são juridicamente políticas e estão a criar embaraços diplomáticos e, há muito, a deteriorar no Direito Internacional o prestígio da Justiça Internacional. E, colateralmente, ao se posicionar, indevidamente, no centro jurídico de solução daquelas guerras, o TIP ainda deixa fora das ribaltas o verdadeiro núcleo do poder mundial capaz de terminar as guerras, já que é o responsável direto, por ação ou omissão, de tais guerras:  O Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Difícil apenas saber se tal postura do TIP é uma distorção resultante da vaidade pessoal das pessoas físicas de juízes criminais internacionais e procurador envolvidos, ou se são atos institucionais “de caso pensado”, justamente, para tirar o Conselho de Segurança da ONU e a sua irresponsabilidade de cena.

Na esteira dessas impropriedades jurídicas internacionais cometidas pelo Tribunal Internacional Penal, lastimavelmente, o Brasil entra no palco para determinar uma investigação, em território nacional, por crime internacional de genocídio contra um soldado israelense de férias na Bahia. Aqui, valem as mesmas perguntas já feitas: Com que se contribuiu com tal decisão jurídica doméstica? Quantos sacos de farinha ela fará entrar na Faixa de Gaza? Em quanto segundos a Justiça Federal brasileira terá reduzido o sofrimento naquele canto do mundo, cuja problemática remonta, historicamente, o fim da Primeira Guerra Mundial, a extinção do Império Otomano? Ao que tudo parece indicar, ou uma terceira guerra mundial, ou uma guerra regional ainda muito pior do que a que hoje se desenvolve entre Israel e Hamas, será necessária para “redesenhar” parte do mapa no Oriente Médio.

Não existe fundamento de direito internacional para que a Justiça brasileira avance sobre um soldado israelense em férias no Brasil, à mercê de investigação de fatos de guerra acontecidos na Faixa de Gaza. Mesmo que haja provas concretas de que Yuval Vagdani cometeu crimes genocídio, sua presença no território nacional não é condição unicamente suficiente para a extraterritorialidade do artigo 7º, inc. II,  alíena “a”, do Código Penal Brasileiro.

Ora, para se dizer o mínimo, quando criada a competência internacional por extraterritorialidade do artigo 7º, do Código Penal, por intermédio da Reforma da Lei Penal nº 7.209, de 1984, nenhum tribunal  internacional penal do tempo da ONU existia no mundo.  O primeiro tribunal penal ad hoc do Conselho de Segurança da ONU só viria a ser criado em 25 de Maio de 1993. Foi apenas em 23 de Julho de 2009 que entrou para a agenda da Assembleia Geral da ONU o estudo do escopo e aplicação do princípio da jurisdição universal. Ora, como se explicar que, na interpretação de tal artigo 7º, do Código Penal Brasileiro, dê-se um viés sobre algo que sequer era pensado pelo legislador penal brasileiro, ainda sob o escólio da “Constituição de 1967” do regime militar brasileiro? É só ler-se a exposição de motivos nº 211, de 9 de Maio de 1983 para se ver que nada havia no contexto da reforma de internacionalidade ou universalidade penal brasileira. É de empalidecer São Benedito!

Não pode a jurisdição universal ser invocada, sob o direito penal brasileiro, pela Justiça doméstica sem lei que a autorize. Foi assim na França e assim na Espanha também, por exemplo. É essa a posição do Brasil na ONU.

Contudo, há julgados brasileiros do Tribunal Federal Regional que se refere à Espanha como paradigma de aplicação de jurisdição universal. Todavia, havia naquele país lei que permitia o exercício da jurisdição universal. (Tribunal Federal Regional da 3ª Região, julgamento de 25/5/2022 – 5001469-57.2020.4.03.6181).

Enfim, péssima onda em que surfou a Justiça brasileira, que criou embaraços diplomáticos para o Brasil sem absolutamente nenhum resultado, minimamente que seja, útil para o mundo.

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