A Inteligência Artificial escrevendo sobre Justiça Internacional


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O emprego da inteligência artificial para pesquisas é uma realidade e, aparentemente, permanecerá como um instrumento de estudo nas redes ocupando cada vez mais o espaço que deveria ser preenchido pela inteligência cerebral. Sempre convém esclarecer que a funcionalidade da inteligência artificial pode ser comparada a uma calculadora. Em termos de cálculos, ela é imbatível, insuperável pela inteligência baseada nos neurônios. Quanto à IA, todavia, se é possível avaliar o sucesso de sua eficiência, é importante também não deslembrar que ela tem uma face oculta ainda pouco explorada. Provavelmente, o ponto mais saliente daquela ainda obscura paisagem a ser explorada da inteligência artificial é que ela não é inteligente.

Em uma pesquisa simples, questionamos à Inteligência Artificial “Qual a diferença entre Justiça Nacional e Justiça Internacional”.

Obtivemos as seguintes respostas:

Todos os itens estão incorretos.

De saída, a resposta da IA se atrapalha quanto aos conceitos de “interno” e “territorial”. Não existe, no Direito Internacional, o conceito “interno”. Existem os conceitos de territorialidade e extraterritorialidade. Quanto à Justiça Nacional, não cuida ela das questões internas do país, mas de questões que podem ser territoriais (o que acontece de ordinário) ou extraterritoriais também, embora mais incomum. Um exemplo simples: Um extravio de bagagem de um cidadão brasileiro no aeroporto de Amsterdã em um voo da Air France é um fato que aconteceu em outro país, praticado por empresa estrangeira e que, todavia, pode ser julgado pela Justiça brasileira com espeque no artigo 21, inc. I, e § único, Código de Processo Civil brasileiro.

Quanto à autoridade judiciária do Brasil ter poder jurisdicional sobre todos os cidadãos e entidades dentro das fronteiras do país, a resposta é relativa; o poder jurisdicional sobre a pessoa resulta, de regra, da territorialidade, isto é, de a pessoa estar no território brasileiro, não da cidadania, tanto é que um cidadão estrangeiro pode ser processado civil ou criminalmente no Brasil, embora não seja brasileiro e esteja apenas de passagem pelo país. A resposta é vaga e faz tábula raza dos princípios da extraterritorialidade do artigo 7º, do Código Penal Brasileiro.

No que diz respeito à “exclusividade” da Justiça Nacional, não faz sentido a afirmação de que a Justiça brasileira não permite a “interferência” da Justiça de outro país. Provavelmente, a IA esteja querendo se referir às situações em que pode haver um conflito de interesses entre um cidadão brasileiro e um tribunal estrangeiro como foi, por exemplo, o caso de um conhecido jogador de football condenado por violência sexual na Itália. Embora o Brasil tenha negado a extradição do seu nacional, aceitou executar a pena corporal do tribunal italiano no território brasileiro.

Ao explicar o conceito de Justiça Internacional, a Inteligência Artificial faz confusão maior e chega a ser grotesca. Embora o conceito estrito de Justiça Internacional seja o de um órgão abrigado por uma instituição internacional de natureza intergovernamental que julga disputas entre os Estados membros daquela organização, isto é, disputas Estado-Estado, o fato é que tais disputas vão muito além daquelas relacionadas aos direitos humanos como a resposta faz crer. É absolutamente maior o número de causas Estado-Estado de natureza “civil” em que o conflito versa sobre apreensão de embarcação, questões de limites territoriais, zonas marítimas, dívidas etc. Ademais, a Justiça Internacional estrita (intergovernamental) também processa indíviduos, não Estados. É o caso da Corte Internacional Penal.

Está longe de ser correto que a Justiça Internacional se ocupa de “questões que envolvem mais de um país”. Um exemplo clássico é o do Rainbow Warrior, em que o Greenpeace, que não é um país, mas uma organização, processou (e ganhou uma indenização em dinheiro) do Governo francês por intermédio de um tribunal arbitral na Suíça.

Quanto à autoridade das Cortes Internacionais sobre Estados, o princípio do consentimento é relativo, haja vista que, recentemente, a República Popular da China se viu processada e condenada em um processo movida pelas Filipinas com relação ao Mar da China, e tudo isso aconteceu sem o consentimento do Governo chinês. Verifica-se, outrossim, que a Inteligência Artificial não considerou o princípio da compulsoriedade.

Realmente, as decisões da Justiça Internacional não dependem da “cooperação” do Estado condenado, o qual pode ser forçado a cumprir a decisão do órgão judicial internacional, bastando que o Conselho de Segurança expeça uma resolução autorizando o uso da força.

Os equívocos cometidos pela Inteligência Artificial resultam de que, como dito, esse mecanismo não é inteligente, justamente porque ele é meramente informático, no sentido de que reproduz informações automaticamente, sem raciocinar sobre elas, já que lhe falta uma visão ampla da pergunta e, sobretudo, uma crítica a partir dos dados que coleta. Por isso, é comparada a uma calculadora, já que é apta a processar rápida e eficientemente números, enquanto a Inteligência Artificial é apta a fazer o mesmo com as informações, que ela trata numericamente também.

Sucede que informações não podem ser reunidas em pacotes “parecidos” e organizados logicamente de forma binária.

O risco da Inteligência Artificial associada à internet é que ela tende a ser uma perigosa reprodura de factóites.

A palavra é o instrumento do operador do direito e o uso dela não pode ser manipulado por mecanismos autônomos de informação para criação de ideias.

A pesquisa deve ser “manual”, feita pelo humano através dos mecanismos de pesquisas. As fontes devem ser sempre checadas através do cruzamento das informações, só assim se pode depurar a “verdade genética” da informação, joeirando-a.

Uma agência certificadora de sites informativos é uma condição necessária para conter a tendência da rede mundial de computadores se transformar em uma perigosa anárquica terra de ninguém.

A presença do Estado é necessária na internet, onde a liberdade de expressão deve ser muito bem observada.

Citada agência certificadora deve atribuir um selo a sites informativos cujos responsáveis pelo seu conteúdo sejam, comprovadamente, pessoas aptas a escrever responsavelmente pelo assunto, inclusive, responsabilizando-se juridicamente pelas informações que publicam na rede. Nada obstante tal selo não deva ser obrigatório, a ausência dele em sites informativos seria um importante indicativo de que a informação ali colhida pode ser falsa. Esse é um caminho técnico para se coibir, por exemplo, que músicos escrevam sobre medicina, médicos informem sobre construção civil e assim por diante, sem absolutamente nenhum controle sobre nada. Apenas quem é malicioso teria interesse em que a rede mundial de computadores seja deixada como um mundo paralelo sem governo, apenas porque não tem a rede tangência física.

Sendo quase concreto que a maior questão envolvida com a rede mundial de computadores tem sido a “mentira”, ninguém desconhece a quem, tradicionalmente, tem sido a falsidade atribuída como a sua mais eficiente arte, e todos sabemos quão drásticas as consequências do mau uso da palavra, no passado, pela língua, hoje, pelos dedos.

Enfim, uma reflexão que parece pertinente.

Muitas vezes, as palavras são usadas sem atenção à sua etimologia.

A etimologia nos alerta sobre a origem das palavras e a verdade sobre elas oculta pelo tempo, pelo costume ou pela sobreposição cultural.

Internet, do Inglês, é um neologismo decorrente da justaposição de “inter” e “net”. Que aquele “inter” é usado na novel palavra inglesa com o seu velho sentido latino de “entre” é mera pressuposição.

A palavra “inter”, no Inglês, significa o ato de “sepultar” ou “enterrar” um corpo ou cadáver.

“Net”, por seu turno, é uma palavra de origem germânica significando teia, rede, armadilha.

Todos sabemos bem o que significa teia, rede, armadilha. É um dispositivo de captura usado por predadores, humanos ou não, cuja eficiência resulta, justamente, de ser escamoteado para surpreender as presas incautas.

As aranhas e suas redes são um bom exemplo disso. Elas armam suas teias ou redes junto às lâmpadas de postes quando querem caçar mariposas viajantes, as quais, à noite, confundem as luzes artificiais com as estrelas. Assim, voam desavisadas para o brilho da luz que ofusca a tênue teia que lhes serve de destino final.

Se toda rede ou teia tem seu predador, resta-nos saber quanto à rede mundial de computadores qual é o predador ali oculto e o que exatamente ele está caçando.

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