Acidente Aéreo e Indenização

O dilema da Jurisdição nos Acidentes Aéreos e sua Extraterritorialidade

Quando um acidente aeronáutico acontece, a questão do ajuizamento de uma ação de indenização pode ser crucial para a justa e menos demorada solução do litígio.

O primeiro ponto: Devo receber o seguro oferecido?

Sim, o recebimento da indenização securitária não exclui o direito de demandar uma indenização judicial apropriada à realidade das perdas materiais e danos morais.

Devo Aguardar a Apuração da Responsabilidade Criminal?

Jamais.

Embora as instâncias penal e civil sejam autônomas, na prática, elas tendem a ser “misturadas”. Porém, a responsabilidade penal e a civil devem ser afastadas e qualquer tentativa de aproximação entre elas rejeitada, porque é contrária ao interesse dos passageiros e seus familiares.

Na realidade, os parâmetros de responsabilidade civil são mais plásticos, mais facilmente demonstrados. Daí, mais apropriados para uma liça onde se busquem as devidas reparações.

Para a caracterização da responsabilidade aquiliana é dispensável a culpa penal. Logo, não haver sentido na “confusão” de instâncias, busca de investigação penal, laudos de peritos policiais etc. 

Porém, o natural desejo das famílias em verem punidos criminalmente aqueles que julgam ser os “responsáveis” cria problema para elas mesmas depois.

Por exemplo, no caso do acidente do AF 447, as famílias dos passageiros focaram nos representantes da Airbus e da Air France, fazendo com que tempo e atenção se voltassem para a versão penal dos fatos.

Posteriormente, tanto esforço e desgaste foram inúteis. Isso acabou sendo uma causa de enorme frustração.

De fato, quase quatorze anos após a queda do voo AF 447, em 1º de junho de 2009, o tribunal criminal de Paris exonerou as duas empresas, julgando que, se “falhas” foram cometidas, “nenhum nexo causal certo” com o acidente havia “sido demonstrado”.

É sempre correto deixar a apuração penal de lado.

 

Devo Aguardar o Laudo Preliminar ou o Laudo Final Técnico do CENIPA?

Depende.

Essa é uma decisão de caso a caso.

Advogado especialista em Acidente Aéreo saberá avaliar as probabilidades das causas técnicas do acidente.

Por exemplo, quando o AF 447 da Air France caiu, já se tinha uma ideia do que tinha acontecido.

Outros incidentes semelhantes haviam sido reportados naquela latitude a meio de tempestades e a falibilidade do tubo de pitot suspeita.

A investigação técnica do CENIPA, BEA ou qualquer outro órgão de investigação é confiável e deve seguir livremente o seu curso. Não se deve interferir com ela, por exemplo, requerendo “provas”, explicações, “demandar documentos”. É inútil e, hoje, contraria a Lei do SIPAER.

Extraterritorialidade

Acidentes aéreos, mesmo de pequenas aeronaves monomotoras, suscitam extraterritorialidade, porque, por vezes, recai a suspeita de responsabilidade de algum fabricante de peça ou item estrangeiro, por exemplo, nos Estados Unidos. Daí, o “canto da sereia” de se buscar alguma boutique de direito norte-americana, data vênia, “especializada em desgraça aérea”.

Esse é um caso em que convém aguardar o relatório final do órgão investigador.

A pronta demanda por ação nos Estados Unidos não é bem-vinda e pode custar tempo e muito dinheiro.

As questões judiciais do acidente da Air France

Ora, dado o longo lapso de tempo decorrido, 16 anos, é apropriada uma análise de como se comportaram as iniciativas para solução jurídica do caso.

Justiça Criminal Francesa

É, realmente, desperdício de recursos emocionais e materiais se procurar responsabilização penal em acidentes aeronáuticos. 

Absolvição dos representantes da Air Bus e da Air France foi correta, como também justa foi a absolvição dos acusados pelo acidente da TAM, em 17 de Julho de 2007. É muito difícil a prova de nexo de causalidade e de culpabilidade, em razão da própria estrutura organizacional complexa de transportadores aéreos.

Não se está aqui a defender a irresponsabilização criminal, mas a adoção de uma postura útil.

A Justiça Penal se movimenta por intermédio dos seus próprios órgãos de persecução penal, sendo que nunca vi o curso dela ser mudado porque houve “pressão”. Essa força precisa ser empregada para obtenção da responsabilidade civil o mais rápido e eficientemente possível.

Criminalmente, a Justiça Francesa absolveu os representantes legais da Air France e da Airbus.

No entanto, ao contrário do que se interpretou, a absolvição criminal não teve qualquer repercussão no processo civil.

Vale dizer, prova de responsabilidade criminal não é requerido para exclusão das limitações da Convenção de Montreal, pois o texto de direito internacional privado exige apenas a prova de culpa, nesse caso, civil mesmo.

Seguradora Líder da Air France

A Seguradora líder da Air France, AXA, pagou a indenização securitária de 8.800 Euros por cada pessoa morta.

Esse pagamento é feito antecipadamente, independentemente de qualquer discussão, e não obsta demanda judicial por valores mais justos.

Logo, pode e deve ser aceito.

Justiça Civil Francesa

A Justiça Civil Francesa mostrou-se péssima.

Os tribunais foram lentos e determinaram o pagamento de indenização aos parentes das vítimas, mas de acordo com a Convenção de Montreal, isto é, sem entrar no julgamento de reconhecimento de culpa do transportador aéreo (Air France).

A Justiça Civil Brasileira

No episódio da Air France, as decisões judiciais brasileiras foram notícias em todo o mundo e elogiadas, causando inveja aos Advogados franceses que passaram a considerar entrar com a ação de seus clientes no Brasil.

E isto porque a Justiça brasileira concede, de modo mais prático, indenização por danos morais, a qual considera fora do escopo de limitação da Convenção de Montreal.

A  Justiça Civil Norte-Americana

Na Justiça Civil Norte-Americana, oito pessoas (parentes de vítimas do acidente) ajuizaram ação para receber “indenização inespecificada” em face da Airbus e da Air France.

Depois, mais de 20 familiares também propuseram ação em Miami, na Florida.

Houve mais outras dezenas de ações ajuizadas, por exemplo, na Califórnia, Illinois etc.

Porém, até esse articulista sabe, todos se derem mal.

Todas aquelas ações foram julgadas extintas sem exame de mérito por ausência de jurisdição da Justiça estadunidense:

“Esses casos dizem respeito a quem é responsável pelo acidente do Voo da Air France 447.

As presentes manifestações diante da Corte levantam a questão de onde esses casos devem ser julgados.

Essa é a segunda vez que a questão do fórum apropriado para processos decorrentes do acidente da Air France Flight 447 é apresentado à Corte. Mais uma vez, a Corte conclui que os Estados Unidos não são o fórum apropriado.” – CHARLES R. BREYER, District Judge.

Essa extinção de processo ajuizado nos Estados Unidos, perante a Northern District of California, abrangeu dezenas e dezenas de parentes de vítimas brasileiras.

É que todos tinham contratado uma conhecida “boutique” (firma legal) nos Estados Unidos, sendo que tantos outros brasileiros também contrataram distintos escritórios norte-americanos com o mesmo propósito de obterem indenização, que seria mais rápida e mais justa nos Estados Unidos do que seria possível nos outros dois possíveis foros, Brasil e França.

Assim, por diversas cortes federais americanas haviam se espalhado processos de indenização resultantes do acidente da Air France.

Porém, a Suprema Corte dos Estados Unidos ordenou um Painel Judicial de Litígios em Multidistritos (JPML), o qual é composto de sete Juízes Federais, que são indicados pelo próprio Ministro Presidente (Chefe) do Supremo Americano.

A função primária daquele Painel foi determinar qual seria a Corte Federal competente para conhecer e julgar todas as causas de brasileiros ajuizadas nos Estados Unidos.

Ou seja, uma “consolidação territorial de competência”.

Aquele Painel decidiu que o Juízo Federal competente era o do Norte da Califórnia que, como vimos, sepultou a pretensão dos brasileiros que, assim, voltaram-se para a Justiça brasileira, muito mais humana e rápida que a francesa, onde vieram demandar, enfim, as indenizações cabíveis.

(Fonte: 706 F.Supp.2d 1372 – Multidistrict Litigation. IN RE: AIR CRASH OVER THE MID-ATLANTIC ON JUNE 1, 2009. No. MDL 2144. United States Judicial Panel on April 14, 2010. Before KATHRYN H. VRATIL, Acting Chairman, JOHN G. HEYBURN II, Chairman *, ROBERT L. MILLER, JR.*, DAVID R. HANSEN, W. ROYAL FURGESON, JR., FRANK C. DAMRELL, JR., DAVID G. TRAGER *, Judges of the Panel).

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