Essa Páscoa, 30 Anos de “O Julgamento de Pôncio Pilatos”

Logo no segundo ano de Magistratura, em 1992, comecei a escrever o meu primeiro livro, O Julgamento de Pôncio Pilatos, quando já era titular do então Foro Distrital de Aguaí. Entre pesquisas, redação e revisão, em 1995, estava pronta a 1ª edição independente, doada à caridade da Comarca de Avaré, onde então era Juiz da 1ª Vara (cumulativa, inclusive, com Júri). Mas o fato deflagrador do livro tinha acontecido na Comarca do Guarujá, durante o plantão de Carnaval.

Naquele Carnaval, um homem foi preso em flagrante. Ele tinha ferido algumas pessoas, após ter “jogado” o carro contra um grupo de foliões que o teriam cercado; o conflito teria sido causado por lançamento de bexigas com urina no seu veículo. Foi um clamor público pela prisão dele. Porém, lendo o flagrante, minha consciência havia chegado a outra conclusão… Eu conhecia a cadeia do Guarujá, e os fatos apresentavam certos contornos de excesso de legítima defesa. O Promotor de Justiça, um crítico de minha atuação “liberal demais” na Comarca (que dizia cujos problemas um Juiz “de fora” desconhecia), manifestara-se, contundentemente, pela “homologação do flagrante” e “sem deferimento da liberdade provisória vinculada sem fiança”, visto que o caso, em tese, seria de “tentativa múltipla de homicídios qualificados”.

Por aquele tempo, não existia audiência de custódia. Todavia, eu me desloquei até o Plantão policial, onde requisitei “apenas ver o preso”, o qual encontrei sentado no chão da cela. Eu o olhei rapidamente, mas foi o suficiente para concluir o que a leitura dos autos me indicava. Ele estava assustado demais e não tinha o perfil de um assassino.

No caminho de volta ao Fórum da Enseada, apenas uns dois ou três quilômetros do distrito policial, pensava:

“E agora?” O caso já reverberava na imprensa, onde a opinião pública carnavalesca já condenara o preso.

O prestigioso Promotor de Justiça também. Eu receava uma “representação” na corregedoria; vinda de um Promotor, seria bombástico naquela fase inicial de Juiz Substituto. Pensei em falar com o “colega Juiz mais velho”, mas recordei que, naquela semana, ele havia se recusado a assinar, como Juiz Corregedor dos Presídios, um alvará de soltura que eu expedira concedendo liberdade provisória vinculada sem fiança a um trombadinha, na Praia de Pitangueiras.

“E agora?” – eu me perguntava.

Algo me ponderava que bastava escrever duas ou três linhas e manter a prisão, pois, afinal, era tudo o que todos esperavam mesmo, e o preso não era inocente; se tivesse em casa, não teria se envolvido naquela enrascada!

Lembrei do preço de ser Juiz tão cedo, aos 25 anos, de tantas e tantas horas de estudo que, mesmo que por paixão pelo Direito, tinham consumido tantas noites, tantos dias…

Algo me ponderava que aquilo tudo estaria em risco.

Naqueles primeiros meses, eu me confrontava com a solidão e com o trama de consciência de uma carreira que, para mim, era um sonho, um ideal patriótico e um sacerdócio.

Eu concedi a liberdade provisória vinculada sem fiança àquele preso e, já no princípio da noite, deixei o Fórum da Comarca do Guarujá para a travessia de balsa para Santos, cidade de meu coração.

O episódio me marcou e a partir dele escrevi “O Julgamento de Pôncio Pilatos”.

O livro teve uma pequena tiragem (2ª edição) pela Editora Landmark em 2007.

De todos os comentários e análises que já li na internet sobre o livro, uma análise apócrifa me chamou a atenção. Quem quer que tenha escrito, compreendeu “O Julgamento de Pôncio Pilatos” verdadeiramente, no site O Próximo Livro Net

Feliz Páscoa a todos!

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Comments

  1. A vida de um juiz é a convivência com as decisões tomadas e as consequências destas, tarefa difícil, invejada por muitos, mas carrega o peso do destino da vida de muitos que o destino apresentou , conhecendo-o sei o quanto cada uma das suas decisões pesou e pesa na sua vida, principalmente pela sua integridade e conduta de vida.

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