Nunca houve tanto trabalho para a diplomacia e, ao mesmo tempo, tantos diplomatas desempregados por essa revoada de papagaios que falam sobre o que não sabem ou sobre o que não deveriam falar. Por exemplo, qual a utilidade em o presidente brasileiro Lula dizer que o “Trump age como imperador do mundo”?
Um dos aspectos mais pitorescos da agressividade do presidente estadunidense Donald Trump é sua desconsideração por quaisquer regras de direito internacional, o que contraria a própria histórica contribuição americana decisiva para o prestígio da Justiça Internacional, na prática de seus conflitos com a então Grã-Bretanha, desde os tratados de Jay (1794-95). Não quero dizer que os Estados Unidos, ao longo da história da Justiça Internacional moderna (iniciada na Convenção de Paz de 1889), segundo o que informa David D. Caron em seu artigo fabuloso, “War and International Adjudication: Reflections on the 1899 Peace Conference”[1], já não tenham desrespeitado julgamentos internacionais, inclusive afrontosamente, como aconteceu no caso Military and Paramilitary Activities in and against Nicaragua (Nicaragua v. United States of America), julgado pela Corte Internacional de Justiça, em 1986, caso # 70).
Porém, o que se testemunha hoje é uma triste desconsideração hemorrágica da Justiça e do direito internacional pelos Estados Unidos, que agem no além-fronteiras como se não houvesse regras internacionais adstringentes da agressividade soberana, notadamente, no plano das relações econômicas internacionais como instrumento de pressão.
Mas, quem tem razão?
Putin, ex-agente secreto da temível KGB, “foi provocado” por Zelenskyy, ex-comediante do Servant of the People. Mas, de outra visada, a invasão territorial da Federação Russa também é uma medida precipitada e contrária ao direito internacional.
Atenta-se para o fato de que em face das ocupações russas na Crimeia, desde 2014, Donetsk, Luhansk, Kherson e Zaporizhzhya, a proposta da Ucrânia aderir ao NATO foi um ato legalmente incoerente, porque a proteção da integridade territorial da Ucrânia já estava decidida no âmbito da Assembleia Geral da ONU (Resoluções 68/262, de 27 de Março de 2014, e 75/192, de 28 de Dezembro de 2020).
Nesse contexto, a adesão ucraniana ao NATO equivaleria a colocar os Estados Unidos de frente para uma obrigação de guerra contra a Federação Russa, quando o apropriado, legal e diplomaticamente, seria a questão da integridade territorial da Ucrânia continuar sendo gerida dentro da própria ONU, e não ser “transferida” para uma agência de segurança que foi criada para enfrentar a Rússia.
Em um giro de palavras, o movimento da Ucrânia na direção da OTAN foi um passo hostil a meio da hostilidade, contrariando o artigo 33 da Carta de São Francisco, porque a posição da OTAN, face à Rússia, é de protagonismo, não de mediação para a paz. Então, o avanço da invasão russa foi uma extensão de guerra que podia ser evitada.
Sendo os Estados Unidos, o Reino Unido e a França membros do Conselho de Segurança da ONU e, ao mesmo tempo, potências influentes na OTAN, tinham seus líderes obrigações de paz específicas sobre seus ombros impostas pelo Capítulo VIII da Carta da ONU, nomeadamente, quanto ao uso que fazem da OTAN. Todavia, o fato por trás das cortinas da proposta de adesão da Ucrânia ao NATO é que todos sabem que o original sistema de decisão do Conselho de Segurança da ONU o torna um órgão de segurança e paz internacional nulo.
Ninguém deseja a continuidade da tensão Leste-Oeste. Todavia, é ambíguo agora ver que os Estados Unidos se colocam ao lado da Rússia para justificar a invasão da Ucrânia, ao mesmo tempo em que ameaçam territorialmente a Europa. Porém, a Europa tentou intervir por seus líderes políticos na disputa eleitoral Biden/Harris-Trump.
A NATO parece uma tartaruga que nada de costas. Não há mais sentido nas coisas como estão.
A política internacional virou um jogo de ping-pong, porque os Chefes de Governo não tomam decisões, mas dão raquetadas.
O que se quer dizer é que na seara da política internacional atual, aplica-se o pensamento “onde falta pão todos gritam sem razão”.
E o “pão” a faltar é a diplomacia.
A desgraça atual do direito internacional e, por consequência, do seu instrumento, a Justiça Internacional, não se explica por não haver poder de coerção nas decisões judiciais internacionais, o que é desde sempre, mas da secundarização das chancelarias.
Nunca houve tanto trabalho para a diplomacia e, ao mesmo tempo, tantos diplomatas desempregados por essa revoada de papagaios que falam sobre o que não sabem ou sobre o que não deveriam falar. Por exemplo, qual a utilidade em o presidente brasileiro Lula dizer que o “Trump age como imperador do mundo”?
Sendo o Direito Internacional uma instituição axiológica, muita vaidade e pouca seriedade nas relações internacionais estão liquefazendo cento e vinte anos de Justiça Internacional.
[1] O qual pode ser lido em American Journal of International Law. 2000;94(1):4-30. doi:10.2307/2555228.