Regulamento de Formação Contínua
Quem já se sentiu lesado pelo desconhecimento técnico de um advogado? Quem já se sentiu vítima de um erro médico ou de um engenheiro incapaz? Existem profissões que são regulamentadas, no Brasil, por autarquias federais, como é o caso da Ordem dos Advogados do Brasil, o Conselho Regional de Medicina, o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia, entre outros.
Mas, especificamente à nossa área jurídica, uma vez aprovado na prova de seleção, o advogado é livre para exercer a profissão, não se exigindo dele cursos, nem se exercendo sobre sua atuação nenhum tipo de consideração.
Em Portugal, o Conselho Geral da Ordem dos Advogados, que corresponde à OAB do Brasil, reunido em sessão plenária de 31 de outubro de 2024, deliberou aprovar a proposta de Regulamento de Formação Profissional Contínua, o qual se aplicará a todos os advogados (estagiários ou mesmo os com mais anos de atividade) e obriga os profissionais a fazerem 40 horas anuais de formação profissional, de forma não gratuita. Assim, foi divulgado o Aviso n.º 26681-A/2024, publicado no Diário da República Portuguesa, dando publicidade àquele regulamento (portal da Ordem dos Advogados, em https://portal.oa.pt.).
O regulamento, que está sob consulta pública, tem esse preâmbulo:
“A formação profissional contínua constitui uma obrigação deontológica e um dever dos(as) Advogados(as) perante a Ordem dos Advogados, na esteira dos deveres gerais de probidade e constante aperfeiçoamento da sua consciência ética e profissional.
Sendo um dos objetivos da Ordem dos Advogados a melhoria contínua das condições para o exercício profissional, bem como credibilizar e dignificar a Advocacia e defender o interesse público da profissão e dos seus profissionais, elaborou-se o presente Regulamento que tem como fim a promoção pela excelência e capacitação profissional dos Advogados e das Advogadas Portugueses(as), pois só assim se poderão prestar melhores serviços aos patrocinados, reforçando a reputação e dignificação da Profissão, uma vez que o processo de formação dos Advogados e das Advogadas não se extingue com o acesso à profissão. Na verdade, atendendo à constante evolução legislativa é essencial a existência de um plano de formação anual para o exercício da profissão.
Não é possível garantir uma Advocacia de qualidade sem a formação contínua dos seus membros e sem que estes compreendam que é um dever a assumir por todos(as) os(as) profissionais, sendo da responsabilidade da Ordem dos Advogados a organização dos serviços de formação destinados a garantir uma constante atualização dos seus conhecimentos técnico-jurídicos, dos princípios deontológicos e dos pressupostos do exercício da atividade, incidindo predominantemente sobre temas suscitados pelo desenvolvimento das ciências jurídicas e dos avanços tecnológicos e pela evolução da sociedade civil, nos termos do artigo 197.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA).”
No Brasil
No Brasil, o bacharel em direito, uma vez aprovado no exame da OAB, que não é por concorrência (não existe um número de vagas limitadas por candidato, mas uma nota a ser atingida), não há nenhum controle profissional em termos de formação contínua.
O ano passado, a Ordem Portuguesa rompeu acordo bilateral profissional com a OAB, sendo que um dos motivos, nada obstante não o principal, foi justamente a falta de aperfeiçoamento contínuo dos advogados brasileiros.
E o Brasil impressiona pelos números quando o tema é profissão jurídica: CNN News Brasil.
“No Brasil, segundo a OAB, 1,3 milhão de brasileiros exercem regulamente a advocacia como profissão.”
Especialistas apontam as razões: tradição histórica de cursos jurídicos no Brasil, a concursos públicos com retornos financeiros interessantes, maior valorização jurídica do advogado a partir da Constituição de 1988, baixo custo e alta oferta dos cursos de direito…
Em um levantamento da OAB em 2022, apenas 11% dos 1.896 cursos analisados foram considerados como de boa qualidade.
Os números se refletem no Judiciário brasileiro e na sua produção de mais de 30 milhões de processos julgados por ano.
“Vá Procurar seus Direitos!”
Essa expressão representa um aspecto a se considerar nos números da advocacia no Brasil. O país tem alta “judicialização”, o que é um fator que incentiva a procura pelos cursos jurídicos e, consequentemente, pela profissão de advogado.
O Estado brasileiro (assim entendidas as três esferas de Governo) contribui em muito com aquela intensa necessidade de advogados.
“(…) Faltou Vergonha na Cara do Município”
Quando Juiz do Tribunal do Júri de Santos (2016-2018), auxiliava no sentenciamento de processos da 2ª Vara Cível do Guarujá, coincidentemente, a primeira Vara em que assumi a condução, em 1992. Naquele tempo, julgava um processo em que, por sinal, um jovem advogado processava o município pelos graves danos físicos, morais e patrimoniais sofridos quando, em uma das principais avenidas do aprazível município, seu motociclo caiu em um buraco.
Houve perícia para se saber porque havia um buraco no asfalto.
O laudo pericial, em termos polidos e técnicos, explicava que o material usado para a camada asfáltica não era de boa qualidade.
O procurador municipal, inconformado com o laudo, peticionou e o impugnou requerendo que o “douto perito” fosse mais claro em suas razões para que “leigos pudessem entender o quê faltou na massa asfáltica”.
Em atendimento, o engenheiro, realmente, foi bem claro, de modo que todos que lessem seu laudo não tivessem mesmo a menor dúvida:
“MM. Juiz. Em face das impugnações requerendo maior clareza desse expert sobre o quê faltou, afinal, na massa asfáltica para que, em tão pouco tempo, no leito carroçável se abrisse um buraco, tenho a esclarecer que “faltou vergonha na cara da Prefeitura”.