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Sumário:
I. Contextualização do Problema
- 1. Introdução: A Europeização e Consequentes Ilegalidades do Tribunal Internacional Penal
- 1.1 O Massivo Financiamento Europeu do Tribunal Internacional Penal
- 1.2 Reconsideração da Investigação no Afeganistão após a Derrota de Trump em 2020
- 1.3 Relâmpago Ordem de Prisão Preventiva contra Putin com Investigação Financiada por Europeus
- 1.4 Prisão Preventiva de Netanyahu e as Eleições Americanas de 2024
- 1.5 O “Dia da Justiça Internacional”: 17 de Julho
- 1.6 Aparente Seletividade das Investigações
- 1.7 Um Tribunal Colecionador de Polêmicas: Magistrado Acusado de Abuso Sexual por Advogada
- 1.8 Princípio da Soberania da Carta da ONU
- 1.9 Imunidade de Chefe de Estado ou de Governo
- 1.10 A Experiência Coercitiva de Tribunais Penais do Passado sobre Pessoas
- 1.10.1 Os Tribunais Internacionais Penais Militares do Pós Segunda Guerra Mundial
- 1.10.2 Os Tribunais Criminais ad hoc
- 1.10.3 Os Tribunais Criminais Híbridos
- 1.10.4 Conclusão
II. Mecanismo de Monitoramento de Controle de Cooperação: 1ª Fase (Judicial)
- 2. Introdução
- 3. Ratio Essendi da Cooperação
- 4. Requisição de Cumprimento Obrigatório de Ordem Judicial. Solicitação de Cooperação Obrigatória de Ordem Judicial. Soberania e Não-Soberania. Semelhanças e Diferenças entre o TIP e a Justiça Penal Doméstica dos Estados
- 5. Obrigação de Cooperação no Estatuto de Roma: Cooperação v. Assistência
- 5.1 Cooperação: Obrigação Imperfeita
- 6. Escopo e Alcance da Solicitação de Cooperação
- 7. Julgamento de Justificativa de Não-Cooperação: Primeiro Ato de Monitoramento de Controle de Cooperação do TIP
- 7.1 O Caso da Não-Cooperação Julgada e Não-Reportada da África do Sul
- 7.2 Natureza Jurídica do “Finding” de Não-Cooperação
- 7.3 Julgamento de Não-Cooperação: Incidenter Tantum
- 7.4 Regras de Competência entre o Tribunal Penal e a Assembleia dos Estados Membros (interpretação dos artigos 119, §§ 1º e 2º, e 87, § 7º, do Estatuto de Roma
- 8. Justificativa de Não-Cooperação e Consultas
- 9. Tem o Conselho de Segurança da ONU atribuição de Controle de Não-Cooperação?
- 10. Constituição dos Estados e Imunidades de seus Agentes
- 11. Interpretação dos Artigos 27 e 98, do Estatuto de Roma
- 11.1 Margem de Apreciação
- 12. Recurso do Estado contra a Decisão de Não-Cooperação do TIP
III. Mecanismo de Monitoramente de Controle de Cooperação: 2ª Fase (Político)
I. CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROBLEMA
1. Introdução: A Europeização e Consequentes Ilegalidades do Tribunal Internacional Penal
Esse post está em linha com uma série de publicações críticas das ordens de prisão preventiva internacional emitidas pelo Tribunal Penal Internacional contra o Presidente Putin (Março de 2023) e, mais recentemente, em Novembro de 2024, contra o Primeiro-Ministro Israelense, Netanyahu.
Insistimos que os fins não justificam os meios em matéria jurisdicional (nacional ou internacional), e que a organização de tribunais internacionais, notadamente os globais, como é o caso do Tribunal Internacional Penal, precisam de uma cuidadosa fórmula de financiamento, de modo que não fiquem vulneráveis à contaminação da confiabilidade de sua atividade jurisdicional, como é alertado pela doutrina.
Temos apontado a ilegalidade daquelas ordens, destacado o fato do comprometimento político do Tribunal Internacional Penal, o receito da politização ideológica (“europeizição”) dos juízes da Corte Internacional Penal e o risco de sério comprometimento de cem anos de confiabilidade mundial nas cortes internacionais permanentes.
1.1 O Massivo Financiamento Europeu do Tribunal Internacional Penal
Como apontamos em post publicado, as contribuições que sustentam a Corte Internacional Penal são pagas predominantemente por países Europeus.
Existe uma relevante desproporção no arranjo financeiro daquela instituição judicial. São 124 Estados Membros e 53,784% do orçamento atual, por exemplo, em 2022, é provido pelos Europeus: Corte Internacional Penal: Financiamento e Julgamentos Ideológicos (O Arranjo Financeiro da Corte Internacional Penal).
Soma-se o fato de que a Corte Internacional Penal tem sede em uma cidade que não é mais neutra, Haia, mas se situa em um país (Reino das Terras Baixas) altamente engajado nas políticas relativas às guerras, inclusive, uma delas, que envolve a Europa.
Como Alerta o Professor Philippe Sands:
“Existem ao menos duas formas pelas quais os Governos podem tentar influenciar as cortes internacionais: Controlando seu orçamento, e decidindo quem serão seus juízes”
1.2 Reconsideração da Investigação no Afeganistão após a Derrota de Trump em 2020
Causou estarrecimento o Promotor Karim Khan Internacional reconsiderar a investigação dos eventuais crimes acontecidos no Afeganistão, na esteira da perda das eleições por Trump em 2020, depois dos grandes esforços para a autorização ser obtida pela Promotora antecessessora Fatou Bensouda.
Trata-se, na realidade, de uma “investigação duvidosa que terminou de modo suspeito”, como apontamos no post: Corte Internacional Penal: Financiamento e Julgamentos Ideológicos. (Guerra Estados Unidos-Afeganistão)
1.3 Relâmpago Ordem de Prisão Preventiva contra Putin com Investigação Financiada por Europeus
A prisão preventiva contra um Chefe de Estado no exercício de seu mandato, sem resolução do Conselho de Segurança da ONU é decisão jurídica sem precedentes. E aconteceu após uma rapidíssima investigação de sequestros de crianças, a meio da guerra no leste europeu, Rússia-Ucrânia. Ainda, causou estupefação o fato dos países Europeus do Tribunal Internacional Penal fazerem um financiamento específico de quase catorze milhões de euros, direcionados à investigação do sequestro de crianças ucranianas na guerra Rússia-Ucrânia.
Tal financiamento é totalmente imoral, compromete a seriedade da Corte Penal e faz da investigação do Gabinete do Promotor uma “ação entre amigos”.
1.4 Prisão Preventiva de Netanyahu e Eleições Americanas de 2024
Há meses, o pedido de prisão preventiva do Primeiro-Ministro Netanyahu feito pelo Promotor Karim Khan aguardava uma apreciação judicial. A decretação da prisão preventiva do mandatário Israelense, “coincidentemente”, deu-se em Novembro de 2024, seguida à eleição de Trump nos Estados Unidos.
Ora, como já observamos, já dizia César que de nada vale a honestidade que não parece honesta.
1.5 O “Dia da Justiça Internacional”: 17 de Julho
“A experiência prova que todo juiz que julga para a “opinião pública” é um juiz político”
Há muito, verifica-se que o Tribunal Internacional Penal se comporta como um tribunal europeu midiático, o que contraria a necessária discrição que deve cercar qualquer atividade jurisdicional.
O TPI Já nasceu sob o signo de ego inflado, incompatível com o seu próprio contexto histórico, infelizmente, com a adulação da Organização das Nações Unidas.
Qualquer data poderia ser internacionalizada como o Dia da Justiça. Por exemplo, quando constituído o primeiro tribunal, ainda que arbitral, para solução pacífica das disputas entre Estados, a Corte Permanente de Arbitragem. A data da instituição da primeira corte internacional estrito senso, a Corte Permanente de Justiça Internacional ou, então, a da sua sucessora, a Corte Internacional de Justiça, seriam tecnicamente mais apropriadas para serem batizadas como o dia da Justiça Internacional.
Não existe motivo técnico, senão o midiático, para que 17 Julho, quando da fundação do tratado do Tribunal Internacional Penal, em 1998, fosse considerado o Dia da Justiça.
1.6 Aparente Seletividade das Investigações
Mais uma vez, lembramos o Adágio de César quanto à grande importância que as aparências representam para a honestidade. Quando verificamos a violência que campeia no mundo, causa estranheza o “quadro” (literalmente) das investigações da Corte Internacional Penal:
Há não muito tempo, referindo-se sobre a visão elitista da Corte Internacional Penal e, portanto, de sua politização, avaliou Presidente Ruandense Paul Kagame:
De qualquer maneira, existe o outro lado que sustenta que não existe uma atitude “neocolonialista” do TIP, a qual pode ser lida na doutrina (Cannon, Brendon J., et al. “The International Criminal Court and Africa: Contextualizing the Anti-ICC Narrative.” African Journal of International Criminal Justice, vol. 2, no. 1/2, 2016, pp. 6–28. JSTOR, https://www.jstor.org/stable/48581885. Accessed 7 Dec. 2024.)
O argumento de que muitas investigações contra africanos foram requeridas à Corte pelos próprios africanos impressiona, mas não convence. É preciso lembrar que o colonialismo não se manifesta diretamente apenas, assim como o próprio racismo. Existe o colonialismo estrutural. A ação colonialista europeia em Ruanda, por exemplo, foi responsável pelo genocídio ocorrido naquele país (Belgium’s role in Rwandan genocide, by Colette Braeckman (Le Monde diplomatique – English edition, June 2021)).
Em outro giro de palavras, com relação aos vários casos de investigação contra indivíduos africanos solicitadas pelos próprios africanos, não deixa o TIP de funcionar como um instrumento europeu de uso do africano – claro – contra o próprio africano.
Não se trata aqui de se “requentar” assuntos já passados, mas de se relembrar acontecimentos julgados pela própria Corte em que os punidos – merecidamente, a propósito – foram apenas aqueles que estavam no sítio do genocídio, Ruanda, sem nenhum tipo de responsabilização dos arquitetos da política que gerou o genocídio dos Tutsi pelas milícis Hutu (7 de Abril a 19 de Julho de 1994).
1.7 Um Tribunal Colecionador de Polêmicas: Magistrado Acusado de Abuso Sexual por Advogada
O Tribunal Internacional Penal é também um notável colecionador de polêmicas internacionais, um outro traço distintivo especial dele e que o afasta de qualquer outro tribunal permanente que o antecedeu.
Parte das polêmicas resulta de um princípio de direito internacional que seus Juízes têm violado: O da soberania (e consequente não-intervenção) reconhecido pelo artigo 2º § 7º, da Carta de São Francisco. Na prática, as Câmaras de Julgamento do Tribunal Internacional Penal se atribuem um poder político internacional que a própria ONU, pelo seu todo podereso Conselho de Segurança, não tem. O poder de encarcerar Chefes de Governo ou de Estado no exercício de seus mandatos constitucionais soberanos.
Ademais – em que pese o respeito ao princípio da inocência presumida – mas aqui já se aplicando ao Sr. Karim Khan a mesma régua que ele usa para medir Putin e Netanyahu-, é a primeira vez na história do mundo que alguém, ocupando uma posição jurídica de Magistrado internacional, com os decorrentes anteparos de garantias diplomáticas (artigo 15, ICC-ASP/1/3), é acusado de desvio de conduta sexual.
Nada obstante a grave acusação feita por uma Advogada, o britânico Karim Khan permanece no cargo.
E a presidência da Assembleia dos Estados Membros, colocando em dúvida a independência e imparcialidade de seu próprio órgão investigador interno, determinou que a acusação deve ser apurada por uma comissão externa!
É de corar frade de mármore a situação da Corte Internacional Penal, tudo isso com desastrosos efeitos para a Justiça Internacional.
1.8 Princípio da Soberania da Carta da ONU
Temos sustentado que a determinação de prisão preventiva contra Chefes de Estado ou de Governo no exercício dos respectivos mandatos constitucionais soberanos, afora contrariar a imunidade subjetiva consagrada nos mais antigos costumes de Direito Internacional Público, também vulnera em cheio o princípio da não-intervenção inscupildo no artigo 2º § 7º, da Carta da Organização das Nações Unidas:
“Nada contido na presente Carta deverá autorizar as Nações Unidas a intervir em matérias que estão essencialmente na jurisdição doméstica de qualquer Estado ou EXIGIRÁ DOS MEMBROS SUBMETER TAIS MATÉRIAS AO JULGAMENTO SOB A PRESENTE CARTA; mas esse princípio não prejudicará a aplicação das medidas coercitivas sob o Capítulo Vll”.
1.9 Imunidade de Chefe de Estado ou de Governo
Embora se admita a legalidade do próprio Estado renunciar à imunidade de seu Chefe de Estado ou de Governo, por exemplo, como acontece no art. 27, §§ 1º e 2º, do Estatuto de Roma, por outro lado, parece ser totalmente inquestionável que um Estado que não é aderente daquele Estatuto não pode ter a imunidade subjetiva de seu Chefe de Estado ou de Governo desrespeitada pelos Estados membros da Corte Internacional Penal, como é o caso da Rússia e de Israel.
Estabelece o art. 27, §§ 1º e 2º, do Estatuto de Roma:
Artigo 27º
Irrelevância da capacidade oficial
1. O presente Estatuto aplica-se igualmente a todas as pessoas, sem distinção baseada em capacidade. Em especial, na qualidade oficial de Chefe de Estado ou de Governo, membro de Um governo ou parlamento, um representante eleito ou um funcionário do governo em caso algum isentará uma pessoa da responsabilidade penal nos termos do presente Estatuto, nem o deve, constitui, por si só, um fundamento de redução da pena.
2. Imunidades ou regras processuais especiais que podem estar associadas à qualidade oficial de uma pessoa, por força do direito nacional ou internacional, não impede o Tribunal de exercer a sua jurisdição sobre essa pessoa.
A Corte Internacional de Justiça se posiciona no sentido de que a imunidade subjetiva tem caráter processual, não substantivo, não servindo de escudo permanente à responsabilização (Arrest Warrant of 11 April 2000 – Democratic Republic of the Congo v. Belgium):
“A imunidade de jurisdição de que gozam os Ministros dos Negócios Estrangeiros em exercício não significa que gozem de impunidade em relação a quaisquer crimes que possam ter cometido, independentemente da sua gravidade. A imunidade de jurisdição penal e a responsabilidade penal individual são conceitos bastante distintos. Enquanto a imunidade jurisdicional é de natureza processual, a responsabilidade penal é uma questão de direito substantivo. A imunidade jurisdicional pode muito bem impedir a instauração de processos judiciais durante um determinado período ou por determinadas infracções; não pode exonerar a pessoa a quem se aplica de toda responsabilidade criminal”.
O poder de investigação da Corte Internacional Penal e o seu julgamento sobre os indivíduos têm fundamento nos seus estatutos e vinculam aos seus aderentes. Assim, a investigação de qualquer nacional, nos limites dos estatutos, com a cooperação de seus membros, será legítima desde que não entre com confronto com o exercício da imunidade subjetiva de Chefes de Estado e de Governo.
Evidente que os fatos na faixa de Gaza e na Ucrânia são passíveis de investigação pelo TIP, nos limites de seus estatutos que vinculam seus Estados signatários; se for expedida ordem de prisão contra os perpetradores, caberá os Estados membros cumprirem sua obrigação de cooperação contra os cidadãos apontados pelo TIP como suspeitos a serem presos, desde que não estejam no exercício do mandato de uma Soberania.
Naquele emblemático julgamento da CIJ, ficou assentado que as cortes domésticas da Bélgia, sob qualquer pretexto de jurisdição nacional ou mesmo de natureza internacional, não dispunham de poder sobre o Ministro Congolês de Assuntos Externos, Sr. Abdoulaye Yerodia Ndombasi, cuja imunidade subjetiva à jurisdição criminal se dava em respeito ao exercício de suas funções institucionais, em benefíco da Soberania que ele representava. (Corte Internacional de Justiça considera Ilegal Prisão de Agentes com Imunidade Internacional).
Enfim, a Corte Internacional de Justiça também registrou que aquela imunidade internacional é decorrente de costumes:
(…) Com respeiito ao mérito, a Corte observou que, no caso, era apenas questão de imunidade de jurisdição criminal e de inviolabilidade de um mandatário Ministro de Assuntos Externos que a Corte tinha a considerar, com base, ademais, no direito internacional costumeiro”
O Estatuto de Roma é expresso em afastar da consideração jurídica na obrigação de cooperação com as decisões de sua Corte Penal a imunidade subjetiva dos mandatários das nações soberanas (art. 27, §§ 1º e 2º, do Estatuto de Roma), embora reconheça para si mesma a necessidade de imunidades. A primeira sessão do TIP, quando sequer constituída a CIP, cuidou dos acordos dos Estados membros sobre os privilégios e imunidades na Resolução ICC-ASP/1/3. Vale dizer, os agentes da Corte, no exercício de suas funções, gozam de privilégios e imunidades políticas, e mais ninguém no mundo. (Documento abaixo)
Cuida-se de uma distorção jurídica do Estatuto de Roma.
“Os vários normativos contidos no Estatuto de Roma vulneram em cheio, flagrantemente, aquele princípio dos Estados, atribuindo aos juízes da Corte Internacional Penal um poder que nem mesmo os Juízes da Suprema Corte Constitucional, dentro da estrutura soberana doméstica dos Estados, têm: A de encarcerar, preventivamente, um Chefe de Estado ou de Governo, da noite para o dia, sem qualquer tipo de licença política do Legislativo.”
Inusitado o art. 27, §§ 1º e 2º, do Estatuto de Roma. Se o Direito doméstico do Brasil e de Portugal não admitem, por exemplo, a prisão preventiva de Presidente da República, seria constitucional esses Estados autorizarem que um instituição internacional determine a prisão preventiva deles?
1.10 O Capítulo VII da Carta da ONU (Excepcional Coerção Internacional sobre Estados)
O drástico poder de agir do Conselho de Segurança sobre a autodeterminação dos Estados é sempre exercida dentro de limites bem estritos, de acordo com o mandato a ser executado no país, o qual considera o bem, a paz e a segurança da própria nação que sofre a intervenção.
É o caso, por exemplo, da recente Resolução 2717/23 (19 de Dezembro), quando o Conselho exorta o princípio elementar do consentimento do Estado e a imparcialidade, inclusive, nesse caso relativo ao Governo da República Democrática do Congo, tendo o Conselho afirmado que:
“(…) o Governo da DRC tem a responsabilidade primária na proteção de civis no seu território e sujeito à sua jurisdição, incluindo os crimes internacionais (…).
Inexistindo uma resolução do Conselho da ONU, estabelecendo, cuidadosamente, interferência em uma Soberania, objetivamente definindo seu conteúdo e, sobretudo, seus limites, qualquer outra medida que interfere na liberdade de um Chefe de Estado ou de Governo é ilegal. Nenhuma organização internacional criada por Estados Membros da ONU poderão, pelo princípio da Ora, aqui convém ponderar, de um lado, os mandados de prisão expedidos pelo Tribunal Penal Internacional contra Benjamin Netanyahu (Chefe de Governo de Israel) e Vladimir Putin (Chefe de Estado da Rússia). Não é indevida interferência; de outro lado, a exigida cooperação internacional de Estados membros do Tribunal Internacional Penal com aquela ordem.
“A prisão preventiva, com o sumário alijamento do poder de um mandatário de uma nação (Chefe de Governo ou de Estado) por uma instituição internacional (usando do poder cooperativo de um membro Soberano seu) é, tão claro quanto a luz do sol, uma indevida interferência no governo de outra Soberania, corresponde a um ataque armado e, por fim, justifica, nos termos do art. 51, da Carta da ONU, o exercício da auto-defesa”.
1.11 A Experiência Coercitiva de Tribunais Penais do Passado sobre Pessoas
Antes do TIP, o mundo conheceu três tipos de jurisdição penal internacional sobre indíviduos, todos eles fora do poder institucional do Estado.
1.11.1 Os Tribunais Internacionais Penais Militares do Pós Segunda Guerra Mundial
O primeiro tipo, são os tribunais militares internacionais do pós-guerra 2ª Guerra Mundial, que exerceram poderes judiciais sobre autoridades da Alemanha e do Japão que capitularam em guerra. Um caso bem especial que representa, inclusive, uma “chance de defesa” aos réus, derrotados que, em outras épocas, teriam sido mortos sem muitas formalidades.
Trata-se dos Tribunal de Nuremberg e do Extremo Oriente.
Como registra a história, aqueles tribunais foram constituídos pelas potências aliadas vencedores da guerra e com o objetivo de julgar os crimes de guerra cometidos praticados pelas potências do Eixo. O que importa comentar é que aquelas instâncias judiciais não foram constituídas por tratados diretos ou por resolução da ONU, mas foram instituídos pelo poder da força dos vencedores sobre indivíduos que não estavam mais no comando das nações ou no exercício de mandato constitucional delas, até porque foram elas derrotadas em uma guerra, de modo que não poderiam estar acobertados por imunidade jurisdicional.
1.11.2 Os Tribunais Criminais ad hoc
O segundo tipo, são os tribunais “ad hoc” que foram constituídos por força de resoluções do Conselho de Segurança, à luz do Capítulo VII da Carta, na década de 90. É o caso do Tribunal Internacional Penal para a antiga Iugoslávia e Ruanda.
Importante saber que os instrumentos constitutivos dos tribunais criminais “ad hoc” foram resoluções do Conselho de Segurança da ONU e que sua jurisdição sobre indivíduos acusados de práticas criminosas desumanas não estavam no exercício do poder, quer na Iugoslávia, quer em Ruanda. Então, também o julgamento recaiu sobre homens sem qualquer imunidade jurisdicional internacional.
1.11.3 Os Tribunais Criminais Híbridos
O terceiro tipo veio logo depois, na virada do novo milênio. Os Tribunais Penais Internacionais Híbridos, ou internacionalizados, por exemplo, para o Líbano, que resultaram de acordo com a ONU. Assim, repetiam o padrão até então existente de uma jurisdição criminal sobre indivíduos em situação em que não tinham exercício de poder de representação de soberania.
1.11.4. Conclusão
Esses três modelos, como se vê, passam distantes da coerção absoluta em que se investe o TIP e que, a partir da decisão de três Juízes, pretende uma “cooperação” pela qual, por exemplo, a África do Sul seja obrigada a prender o Presidente russo Putim, quando se encontra ele em exercício do mandato de um Estado soberano, caso ele venha em visita ao país para uma reunião do BRICS. E isto porque as jurisdições criminais de tribunais internacionais experimentados desde 1945 até 2000 não incidiram sobre pessoas no exercício de mandato de Soberania, ou seja, não estavam acobertadas pela imunidade jurisdicional penal.
Essa imunidade, como apontamos, é considerada de origem no direito internacional consuetudinário, mas também pode ser considerada como fundamento do artigo 2º, § 7º da Carta da ONU, o qual estatuti o princípio da não-intervenção, excepcionado pelo contido no seu Capítulo VII. Consequentemente, qualquer um dos 124 Estados, ao aderirem ao Estatuto de Roma de 1998, renunciaram entre si a garantia do artigo 2º, § 7º da Carta da ONU, de modo que se obrigam a cooperar com a Corte Penal Internacional a prenderem uns os Chefes de Estado ou de Governo dos outros; contudo, Estados que não aderiram devem ter respeitada a sua Soberania, a teor da Carta de São Francisco.
Fora, portanto, do círculo dos 124 Estados aderentes ao Estatuto de Roma, a “cooperação” obrigatória de seu Parte 9 equivale, ao ser exercida sobre um Estado não-aderente, caso da Rússia ou de Israel, a uma declaração direta de guerra, como se ventilou, por exemplo, quando a África do Sul estaava para receber o presidente Putin para uma reunião do BRICS, em 2023.
Verifica-se, outrossim, que o Tribunal Internacional Penal, com suas solicitações e pressões de cooperação para a prisão de Chefes de Estado produz o perigoso efeito de aumentar o escopo das guerras, invés de pacificá-las.
II. Mecanismo de Monitoramento de Controle de Cooperação: 1ª Fase (Judicial)
2. Introdução
Compreende-se por mecanismo de monitoramento de controle de cooperação a atividade institucional da Corte Internacional Criminal de implementação ou compliance dos Estados Membros com as ordens judiciais do Tribunal Internacional Penal, a qual se desenvolve levando em consideração dois objetivos:
- (a) Monitoramento de implementação da cooperação (art. 88/Disponibilidade de Procedimentos na Legislaçao Nacional) que ocorre a nível da legislação doméstica dos Estados membros, abstratamente, isto é, sem estar atrelada a uma cooperação solicitada em específico, de modo que haja aparelhamento e disponibilidade legal para que eventuais solicitações de cooperação do TIP possam ser atendidas quando, efetivamente, expedidas pela corte.
- (b) Monitoramente de atendimento de cooperação que ocorre concretamente em face de solicitações de cooperação expedidas pelo TIP, de modo que os Estados membros dêem cumprimento às ordens judiciais, ou seja, não faltem com sua obrigação de cooperação, que pode ser de prisão e entrega de custódia de uma pessoa (art. 89) ou outras formas de cooperação descritas no artigo 93.
A Resolução nº 5 (da ICC-ASP/10), revista pela ICC-ASP/17, estabece aquela distinção finalística do controle de não-cooperação. Ela é o documento básico do monitoramento político afeto à Assembleia dos Estados Membros. (em pdf abaixo)
O mecanismo de monitoramento é também bi-fásico:
- (i) Judicial, que é a primeira fase e cuja realização é pressuposto da segunda, a política, e tem fundamento no artigo 87, §§ 5º e 7º, do Estatuto. É facultativa, ficando na dependência do órgão judicial cuja ordem foi objeto de solicitação de cooperação.
- (ii) Politica, que é seguda fase e que é deflagrada pela representação de não-cooperação feita pelo TIP-Tribunal Internacional Penal, com base no artigo 112, § 2º, Estatuto.
Nesse post, tratamos do (b) Monitoramente de atendimento de cooperação, suas duas fases, judicial e política.
3. Ratio Essendi da Cooperação
O Estatuto de Roma estabelece a necessária interlocução entre o TIP e o Estado membro diante de uma intercorrência no processo de solicitação de cooperação, facultando-lhe proceder às notificações, consultas e informações necessárias com o órgão judicial solicitante da cooperação através da Secretaria (Registrar).
Das intercorrências incidentes na solicitação de cooperação, sem dúvida, a mais relevante e drástica é a concernente à não-cooperação da parte do Estado.
A execução de qualquer decisão dos órgãos jurisdicionais do Tribunal Internacional Penal dependerá totalmente da cooperação dos Estados membros e até de Estados terceiros, embora para esses não exista a obrigação de cooperação como acontece para aqueles. E isso porque o TIP não é dotado de qualquer estrutura própria que lhe permita fazer executar suas ordens.
4. Requisição de Cumprimento Obrigatório de Ordem Judicial. Solicitação de Cooperação Obrigatória de Ordem Judicial. Soberania e Não-Soberania. Semelhanças e Diferenças entre o TIP e a Justiça Penal Doméstica
Existe uma semlhença relativa entre a Justiça doméstica e o TIP. A Justiça doméstica também não é dotada de aparelhamento que dê força coercitiva às suas decisões. Enquanto a Justiça doméstica fica na dependência do Poder Executivo do Estado, o Tribunal Internacional Penal fica na dependência dos Estados membros do Estatuto de Roma. Até aqui, Justiça doméstica e Tribunal Internacional Penal se encontram em situação idêntica.
A diferença esta no vínculo jurídico. A Justiça doméstica, embora fique na dependência do Poder Executivo, constitucionalmente, ela tem força de determinação sobre o Executivo; a Justiça doméstica requisita cumprimento obrigatório (ao Poder Executivo) de suas decisões, ao passo que o Tribunal Penal Internacional solicita cooperação obrigatória. Uma requisição de cumprimento obrigatório está em um nível absolutamente diferente da solcitação de cooperação obrigatória, porque a Justiça doméstica integra a Soberania e a execução de suas ordens é, nos Estados de direito, a expressão mais nítida da democracia.
Por outro lado, o Tribunal Internacional Penal não integra as soberanias dos Estados membros do Estatuto de Roma, mas beneficia-se da renúncia parcial da soberania deles, na medida estrita do consentimento com as cláusulas estatutárias, pela qual os Estados assumem a obrigação de cooperação.
Enquanto a integração tripartite da Soberania (Legislativo, Executivo e Judiciário) é constitucional doméstica e tem força centrípeta, a instituição de poder internacional por instrumento constitutivo de organizações intergovernamentais, como a Corte Internacional Criminal, forma-se através das “parcelas” de “renúncias” de Soberania dos Estatos signatários do Estatuto de Roma. O principal efeito sobre os Estados aderentes é que eles se comprometem à renúncia parcial de sua autoridade, aceitando acatar as decisões do TIP e lhes dar executoriedade através de sua cooperação.
Por isso, a obrigação de cooperação é a seiva do TIP, sem a qual suas decisões equivalem a nada.
5. Obrigação de Cooperação no Estatuto de Roma: Cooperação versus Assistência
O Estatuto de Roma estabelece diferença entre cooperação e assistência, sendo reservado o conceito de cooperação para as solicitações de prisão e entrega de suspeitos para a custódia do TIP, o que se depreende do enunciado da Parte 9, que trata da “cooperação internacional” e da “assistência judicial”, ou, por exemplo, ainda da dicção do artigo 98. Porém, outras vezes, cooperação é usada no sentido amplo, abrangendo a própria assistência, por exemplo, nos artigos 12, § 3º, 86 e 93 (“outras formas de cooperação”).
O objeto de discussão nesse post é a cooperação no sentido estrito, i.e., destinada à prisão.
A Parte 9 do Estatuto de Roma é a menina dos olhos do Tribunal Internacional penal, pois ali estão acondicionadas as normas que exigem a irrestrita cooperação dos Estados Membros com as decisões judiciais de investigação, coerção física e patrimonial: Intimações, prisão, congelamento de ativos financeiros, entrega e extradição de indivíduos (Abaixo, faço uma transcrição traduzida de toda a Parte 9 do Estatuto).
5.1 Cooperação: Obrigação Imperfeita
Nada obstante sua imensa relevância, a obrigação de cooperar é uma obrigação imperfeita, à medida que estatui uma conduta mandatória (de cooperação), mas não estipula sanção para a não-cooperação, muito menos medidas para forçar o Estado em falta a cumprir a cooperação exigida.
A recusa de cooperação por um Estado aderente é, no entanto, uma violação de obrigação internacional, de modo que não lhe é dado fazê-lo, a não ser que, para tanto, invoque uma outra obrigação de direito internacional excludente à da cooperação exigida no Estatuto de Roma.
Trata-se, a propósito, de mera observação do artigo 26 da Lei dos Tratados de Viena de 1969, o qual estabelece o “pacta sunt servanda”.
Enfim, relevante anotar que o Estatuto de Roma, ao contrário de outros tratados, convenções e protocolos de convenção internacional, não permite que o Estado aderente exerça o direito de reserva (artigo 120), ou seja, que exclua de sua obrigação certos mandamentos estatutários. A impossibilidade de reserva torna, então, inflexível o Estatuto e, assim, muito provavelmente, deixar-se a sua obrigação primaz de cooperação o Tribunal Internacional Penal tenha sido uma forma de compensação para que houvesse adesão dos Estados.
6. Escopo e Alcance da Solicitação de Cooperação
É sempre pertinente lembrar que a solicitação de cooperação e sua respectiva obrigação não se limita às solicitações de prisão e entrega de pessoas para a custódia do TIP, que só pode proceder ao julgamento de suspeitos presencialmente. Não existe julgamento penal do TIP à revelia.
Qualquer cooperação, pode ser solicitada pela corte, desde que pertinente à investigação em causa, considerando, por exemplo, o artigo 64, que descreve as funções e os poderes da Câmara de Julgamento. Seu § 6º, alíne “b”, estatuti que a Câmara pode “requerer a presença e o testmunho de testemunhas e a produção de documentos e outras provas, obtendo, se necessário, a assistência dos Estaados de acordo com as provisões do Estatuto”.
O artigo 93 se refere a “outras formas de cooperação”, as quais são nomeadas em seus parágrafos. Trata-se de cooperações instrutórias de natureza menor do que as cooperações tratadas em artigos autônomos, tais como a prisão provisória do artigo 92, a cooperação de prisão e entrega de preso do artigo 89.
7. Julgamento de Justificativa de Não-Cooperação: Primeiro Ato de Monitoramento de Controle de Cooperação do Tribunal Internacional Penal
Diante do não atendimento de uma solicitação de cooperação com uma decisão do TIP, caberá ao órgão judicial, normalmente uma Câmara, decidir se fará um julgamento sobre a questão. O julgamento do órgão é facultativo, pois ele pode se abster de fazê-lo. Nesse caso, considerar-se-á que não houve uma não-cooperação e, consequentemente, não tem início o processo de monitoramento.
De qualquer maneira, o julgamento é sobre a justificativa de não-cooperação, e não sobre a escusa de não cooperação.
Relevante anotar também que o Estado que eventualmente não coopera não se torna parte no processo, não se transformando, portanto, em sujeito passivo de julgamento do TIP. O TIP não julga o Estado, nem a sua conduta. A jurisdição do TIP é penal sobre indivíduos.
Assim, nessa fase inicial judicial do mecanismo de monitoramento de controle de cooperação do TIP, que se dá no plano dos juízes da corte, é pertinente se fixar a diferença entre:
O julgamento (finding) previsto no § 7º, do artigo 87, do Estatuto de Roma, que se aplica a qualquer tipo de cooperação solicitada, atribui ao órgão judicial do TIP julgar se o Estado cometeu ato de não-cooperação. Por isso, as informações, consultas e notificações feitas pelos Estados na sua interlocução com o TIP, em resposta à solicitação de qualquer cooperação, subsidiam os juízes, eventualmente, no julgamento de justificativa de não-cooperação. Consequentemente, em face de tal solicitação e havendo alguma intercorrência, que pode ser a própria posição do Estado membro em não atendê-la, deve ser desde logo, via Secretaria e pelos canais diplomáticos do Estado, estabelecidas comunicações com o órgão judicial solicitador da cooperação. Simplesmente “ignorar” como fez, por exemplo, o caso nesse post empregado como paradigma, referente à República Malawi, não é a melhor solução.
O julgamento de escusa de não-cooperação tem lugar perante a Assembleia dos Estados Membros, quando esse órgão governador da Corte Criminal Internacional considerará o reporte do julgamento de não-cooperação do TIP.
7.1 O Caso da Não-Cooperação Julgada mas Não Reportada da África do Sul
A propósito da aplicação do artigo 87, § 7º, do Estatuto de Roma, verifica-se com meridiana clareza que a facultatividade é no sentido de que a Corte faça ou não um julgamento de não-cooperação, e não de reportar ou não à Assembleia dos Estados Membros e ao Conselho de Segurança da ONU. (pdf abaixo)
Mais uma vez, o TIP agiu com dois pesos e duas medidas, fazendo acepção de “pessoa” e aplicando a regra de que fins justificam meios. Rápida e rispidamente, não perdoou os pequenos Malawi e Chad, mas recuou diante da África do Sul, sem argumentos jurídicos que, ao menos, melhor encobrissem, mais uma vez, seus julgamentos altamente políticos, em grave desprestígio da Justiça Internacional que aquele tribunal, indevidamnte, busca encarnar e representar.
7.2 Natureza do Julgamento de Justificativa de Não-Cooperação
O julgamento de não-cooperação (finding), de qualquer maneira, com a rejeição da justificativa do Estado, é jurisdicional; por isso, não pode ser alterada, é definitiva. E conforme já consignado, o julgamento de não-cooperação é ato facultativo, privativo do Tribunal Internacional Penal, e ocorre como um incidente no procedimento criminal, não sendo um julgamento sobre o Estado.
Por ter o finding natureza jurisdicional, a decisão de não-cooperação do TIP não pode ser modificado pela Assembleia Geral dos Estados.
Por outro lado, a nível de julgamento de escusa, perante a Assembleia de Estados Membros, considerar-se o aspecto político da não-cooperação, no sentido mais amplo do que, eventualmente, a literalidade do Estatuto.
Assim, a eventual escusa de não-cooperação será oferecida posteriormente pelo Estado não ao TIP, e sim à Presidência do Conselho (Bureau) da Assembleia dos Estados membros. A escusa de não-cooperação deve ser apresentada pelo Estado membro em resposta à carta aberta que o Presidente da Assembleia dos Estados Membros lhe envia, em nome do Conselho, já na fase de monitoramento político da não-cooperação, a qual tem início quando o Presidente da Assembleia dos Estados Membros recebe do Presidente do TIP a representação feita a partir da decisão de não-cooperação julgada pelos juízes, incidentalmente, no procedimento penal sob sua jurisdição.
A escusas de não-cooperação do Estado, em resposta àquela carta aberta, precisa ser apresentada em um intervalo específico de tempo, não superior a duas semanas (Resolução nº 5).
Assim, enquanto as justificativas especiais e gerais de não-cooperação são previstas no próprio Estatuto, a escusa de não-cooperação é deduzida a partir da Resolução nº 5.
7.3 Julgamento de Não-Cooperação: Objeto Incidenter Tantum
A competência jurisdicional primária dos órgãos judiciais do TIP tem por objeto (principaliter tantum) os sérios crimes de preocupação internacional praticados por indivíduos; no curso do conhecimento daquela questão principal, o órgão judicial pode se deparar com o fato da não-cooperação, a qual é um evento incidenter tantum.
O julgamento jurídico que o TIP faz do fato da não-cooperação é pressuposto para que, na instância política, tenha início outro nível de monitoramento, o que se dá entre a Assembleia dos Estados Membros, representada pelo Conselho, e o Estado apontado pelo TIP como faltoso na obrigação de cooperar.
7.4 Regras de Competência entre o Tribunal Internacional Penal e a Assembleia dos Estados Membros (interpretação dos artigos 119, §§ 1º e 2º, e 87, § 7º, do Estatuto de Roma)
A interpretação do artigo 119 e seus parágrafos traz importantes consequências no escopo do poder da Assembleia dos Estados na “consideração” (art. 112, “f”) do julgamento de não-cooperação, a qual lhe é reportada pelo TIP, e também nos próprios limites da jurisdição do TIP na interpretação das regras estatutuárias.
Artigo 119.º
Resolução de Disputas
1. Qualquer disputa relativa às funções jurisdicionais do Tribunal é resolvido por decisão do Tribunal.
2. Qualquer outra disputa entre dois ou mais Estados Partes relativo à interpretação ou aplicação do presente Estatuto que não seja resolvido através de negociações no prazo de três meses a contar da data do seu início será submetido à Assembleia dos Estados Partes. A própria Assembleia poderá procurar resolver o diferendo ou formular recomendações sobre outros meios de resolução do diferendo, incluindo o recurso ao Tribunal Internacional de Justiça, em conformidade com o Estatuto desse Tribunal.
“Judicial Functions”
O primeiro ponto é estabelecer qual o significado de “judicial functions”? O artigo 119, §§ 1º e 2º, do Estatuto de Roma, desempenha importante função ao definir qual é a competência do TIP e da Assembleia dos Estados Membros.
Em seu primeiro parágrafo, o artigo 119, dispõe sobre qualquer disputa concernente às funções judiciais do TIP (Court), a qual deve ser resolvida pelo próprio TIP. Esse parágrafo traz uma regra comum a todos os atos constitutivos de organizações com poderes jurisdicionais internacionais e que, na doutrina, denomina-se de princípio kompetenz-kompetenz. Por exemplo, o artigo 36, § 6ª, do Estatuto da Corte Internacional de Justiça ou o artrigo 41, § 1º, da Convenção Internacional para a Resolução de Disputas de Investimentos entre Estados e Investidores (ICSID). Tais dispostivo visam a assegurar que a controvérsia sobre a competência ou jurisdição da corte é da competência dela mesma.
Assim, a controvérsia sobre a competência do TIP é do próprio TIP. Portanto, se o TIP tem competência ratione materiae para processar e julgar um Chefe de Estado ou de Governo no exercício de seu mandato é tema de competência e, consequentemente, é da competência privativa do TIP.
Mas, a questão da cooperação do Estado se insere em “funções judiciais” da Corte?
Não, porque se um Estado coopera ou não nenhuma conexão tem com as funções judiciais criminais do TIP, o qual pode interpretar o Estatuto de Roma apenas circunstancialmente ou incidentalmente à sua jurisdição primária, que é penal sobre pessoas.
Nesse contexto, o analisado artigo 119, § 1º, do Estatuto, não dá competência para o TIP julgar um aspecto “civil”, estranho à sua jurisdição criminal, e que envolve a conduta de um Estado membro, que é a sua cooperação ou não. Aquele dispositivo apenas “fecha” o julgamento da competência do TIP a ele mesmo.
Por isso, o Estatuto expressa no artigo 87, § 7º, uma competência ratione materiae excepcional para a Corte, abrindo-lhe a faculdade de no curso de sua jurisdição criminal apreciar a não-coopeeração em caráter jurisdicional. Desse modo, aquele dispositivo é uma regra constitutiva de competência.
Deve-se enfatizar que o TIP julga crimes imputados a indivíduos; quaisquer outras interpretações estatutárias fora dos limites criminais estritos é executada incidentalmente por aquele órgão.
Aqui, uma sutileza deve ser apontada entre duas situações diferentes.
A primeira é se o (a) TIP pode (ou não) julgar um Chefe de Estado (ou de Governo) no exercício do mandato de um Estado não-aderente, inclusive, ordenar sua prisão preventiva; a segunda (b) é se um Estado Membro deve cooperar ou não com o TIP no seu julgamento de um Chefe de Estado ou de Governo no exercício do mandato de um Estado não-aderente.
Aquela primeira (a) situação é objeto de incidência do artigo 119, § 1º, do Estatuto, ao passo que aquela segunda (b) é objeto de incidência do artigo 87, § 7º.
Na primeira situação, tem-se uma hipótese de exercício competência ratione personae. Na segunda situção, tem-se uma norma que atribui ao TIP conhecer e julgar uma matéria que não é criminal, que não é afeta ao indivíduo julgado, mas de um Estado membro que não coopera consigo.
Quando o Estado não-coopera, o TIP pode julgar (ou não) se a não-cooperação é legal ou ilegal em virtude do do artigo 87, § 7º, que é uma regra de competência ratione materiae, sendo o disposto no artigo 119, § 1º, uma regra de competência funcional (ratione funcionae) e de jurisdição no sentido estrito.
Por isso, quando se tem em vista a competência de julgamento sobre não-cooperação, não tem incidência o artigo 119, § 1º, do Estatuto, e sim o o artigo 87, § 7º; mas quando se tem em mente qualquer outro aspecto da competência (ratione materiae, loci, tempus, personaae), incide o artigo 119, § 1º.
Por outro lado, sabe-se que a Corte Internacional Penal tem personalidade jurídica e que é representada pelo Conselho.
Expressamente, o Estatuto atribuiu à Assembleia considerar o reporte de não-cooperação (no artigo 112, f), seguindo-se o procedimento da Resolução nº 5, o qual também traça o procedimento para que seja reforçada a cooperação com o TIP.
Diante da não-cooperação reportada pelo TIP, pode emergir uma disputa entre os Estados quanto aos efeitos dela, se é ou não escusável aquela falha na obrigação estatutária de cooperar.
Se surgir tal disputa entre os Estados quanto à não-cooperação, o Estatuto estabelece que se, em três meses, os Estados disputantes não forem capazes de chegar a uma conclusão negociada sobre a disputa, por exemplo, sobre a não-cooperação ser escusável ou não, a disputa deve ser encaminhada para a Assembleia que, por consequencia, pode procurar resolvê-la ou pode fazer recomendações ou adotar outros meios de resolução da disputa, inclusive, remetendo a solução à Corte internacional de Justiça. Nessa última situação, a Assembleia dos Estados membros submete a disputa para a Corte da ONU. Nesse caso, verifica-se que a última parte do § 2º, do artigo 119, do Estatuto, representa um dispositivo que se conecta ao artigo 37, do Estatuto da Corte Internacional de Justiça.
8. Justificativas de Não-Cooperação e Consultas
Diante de qualquer solicitação de cooperação, o Estado interage com o TIP, através de seus canais diplomáticos com a Secretaria dele.
Quando a cooperação é para entrega de documentos ou fornecimento de informações, o Estatuto traz regras de justificativas de não-cooperação em função da segurança nacional do Estado no artigo 72, cujo caput é Proteção da Informação de Segurança Nacional.
No artigo 97, o Estatuto prevê que em qualquer cooperação solicitada, quando o Estado identifica problemas que podem impedir ou interferir o cumprimento da cooperação, o Estado terá que consultar o TIP sem demora, de modo que a questão seja resolvida.
O artigo 97 estatui um rol exemplificativo justificativas genéricas de não-cooperação, estabelecendo as hipóteses em que uma causa de impedimento ou interferência pode ocorrer: (a) informações insuficientes, (b) problemas na localização ou indetificação da pessoa a ser presa ou (c) “o fato de que a execução da solicitação na sua forma atual poderia impor ao Estado solicitado a violação de uma obrigação em convenção pré-existente em respeito a outro Estado”.
O item “c”, do artigo 97, em nossa visão, é que fundamenta a justificativa de não cooperar com a solicitação prisão de Chefe de Estado ou de Governo, caso do Presidente Putin e do Primeiro-Ministro Netanyahu, no exercício do mandato, por força da obrigação anterior assumida no artigo 2º, da Carta das Nações Unidas, especialmente o § 4º, pelos Estados signatários.
Verifica-se, outrossim, que não é a questão da imunidade jurisdicional que está em questão no primeiro plano da fundamentação, e sim a não-interferência.
Por vezes, notificações e representações são usadas no Estatuto com o mesmo sentido de prestação de informações relevantes ao conhecimento e, eventualmente, julgamento pela corte das intercorrências relativas às suas solicitações de cooperação.
9. Tem o Conselho de Segurança da ONU atribuição de Controle de Não-Cooperação?
Não, mesmo nas situações em que eventual ato de não-cooperação acontece no curso de investigação por aquele órgão endereçada ao Tribunal Penal Internacional.
De acordo com o Estatuto de Roma, ao julgar que houve recusa de cooperação da parte de um Estado, o TIP deve reportar seu julgamento à Assembleia dos Estados Membros ou ao Conselho de Segurança da ONU, alternativamente.
Aquela referência ao Conselho é feita apenas na situação em que a não-cooperação aconteceu em um procedimento requerido por aquele órgão, à luz do artigo 16. Por isso, a decisão da 1ª Câmara de Pré-Julgamento de reportar ao Conselho e à Assembleia dos Estados Membros foi contrário à literalidade do artigo 87, § 7º, mas de acordo com o seu espírito, porque o Conselho da ONU não tem atribuição de monitorar e controlar se o Estados membros do Estatuto, do qual o Conselho não é parte, cooperam ou não com o TIP.
Embora essa seja uma interpretação evidente da lei, o Presidente do Conselho da Assembleia dos Estados Membros esteve dialogando com o Presidente do Conselho de Segurança da ONU, em Dezembro de 2011, logo depois de recebida a decisão da 1ª Câmara de Pré-Julgamento sobre a não-cooperação da República Malawi quanto à prisão do Presidente sudanês, Al Bashir, e a resposta não poderia ser outra: O Conselho não adotaria nenhuma posição fora de “sua dinâmica”, de acordo com o Reporte do Conselho sobre Não-Cooperação. (documento abaixo)
Existe ainda uma controvérsia se o fato de o Conselho de Segurança da ONU, ao exercer a faculdade de solicitar investigação, acarreta a perda da imunidade pessoal de um Chefe de Estado ou de Governo, tal qual sustenta o TIP em suas decisões, com as quais os Estados africanos, no caso do Presidente Al-Bashir, nã concordam. (referência para leitura sobre o tema: de Wet E. Referrals to the International Criminal Court Under Chapter VII of the United Nations Charter and the Immunity of Foreign State Officials. AJIL Unbound. 2018;112:33-37. doi:10.1017/aju.2018.13)
10. Constituição dos Estados e Imunidade de seus Agentes
Na âmbito da Justiça Internacional, é relativamente pacífico o entendimento de que o Estado tem responsabilidade internacional pelo descumprimento de obrigações internacionais que ele assume em convenções, tratados, protocolos, estatutos etc. (Abaixo: “Responsibility of States for internationally wrongful acts Compilation of decisions of international courts, tribunals and other bodies Report of the Secretary-General e Compilação da Corte Internacional de Justiça de Casos Internacionais de Responsabilidade dos Estados), ainda que ele esteja agindo de acordo com sua legislação doméstica e ou de acordo com as determinações da Justiça doméstica. Entende-se que, na perspectiva internacional, Estado é Estado, não havendo distinção interna tripartite do Estado de direito de Montesquieu (Legislativo, Executivo e Judiciário).
Sob esse premissa, sendo o Brasil aderente do Estatuto de Roma, na esfera internacional, seu Chefe de Estado (Presidente da República) não goza de imunidade à prisão em flagrante, sendo inaplicável a regra constitucional do artigo 86, § 3º, da Constituição da República.
Ora, à toda evidência, não se admite que, perante a Justiça do próprio Estado brasileiro, não posse o Chefe de Estado ser preso, mas, por outro lado, três Juízes de um Tribunal Internacional Penal possam fazê-lo. Porém, como o Estatuto de Roma não admite “reservas” e foi promulgado ao tempo do Governo de Fernando Henrique, em 2002, existe essa possibilidade e, internacionalmente, não existe exceção ou alternativa para ela, senão o Brasil se retirar do Estatuto da Corte Criminal Internacional.
11. A Interpretação do Artigo 27 e do Artigo 98 do Estatuto de Roma
O dia 4 de Março de 2009 pode ser considerado um divisor de águas na Justiça Internacional, pois foi quando a Primeira Câmara de Pré-Julgamento do Tribunal Internacional Penal determinou a prisão preventiva (PDF abaixo) de um Chefe de Estado em exercício, no caso, o Presidente do Sudão, Omar Al- Bashir, com base no artigo 58, do Estatuto de Roma. Aquela prisão preventiva desencadeou pronta reação da União Africana através de uma carta do Conselho de Paz e Segurança (5/3/2009) e da Liga das Nações Árabes (18/3/2009).
Há vários argumentos jurídicos pró e contra a prisão preventiva de um Chefe de Estado ou de Governo em exercício de um Estado não-membro do Estatuto de Roma. A favor de tal prisão, existem inclusive razões que se reportam aos eventuais efeitos jurídicos da Declaração de Moscou de 1943 (documento em pdf abaixo) pela qual os Poderes Aliados acordaram sobre os princípios gerais de lei a serem aplicados ao julgamento de Nuremberg, comparando-se aquela decisão do TIP às prisões e julgamentos dos Tribunais Militares Internacionais Penais do Pós-Segunda Guerra Mundial, o que é um absurdo porque não existe uma guerra em que o Sudão tenha estado envolvido e derrotado.
A União Africana aponta como ilegalidade daquela prisão o desrespeito ao artigo 98 do Estatuto de Roma, que cinge os efeitos do artigo 27 apenas aos Estados aderentes do Estatuto, de modo que a imunidade internacional do Presidente do Sudão (Estado não-aderente), al-Bashir, tinha de ser respeitada pelo Estados aderentes Malawi e Chad, quando da visita daquele Chefe de Estado àqueles países, respectivamente, em Outubro de 2011 e em 15 e 16 de Fevereiro de 2013. (decisão de não-cooperação em pdf abaixo)
A propósito, quando da visita do Presidente da Rússia à Mongólia, esse Estado aderente invocou o artigo 98 do Estatuto de Roma e sua influência na aplicação aos efeitos do artigo 27 (e, novamente, a alegação de justificativa de não-cooperação foi rechaçada pela penas aos Estados aderentes. (abaixo, a decisão de não-cooperação proferida pela 2ª Câmara de Pré-Julgamento, em 24/10/2024 e da decisão negando efeito suspensivo ao recurso apelativo)
Adicionalmente a esse texto, uma leitura sobre a interpretação do artigo 98 do Estatuto de Roma pode ser feita: The Continuing Functions of Article 98 of the Rome Statute, de Jens M. Iverson, Paola Gaeta, Does President Al Bashir Enjoy Immunity from Arrest?, Journal of International Criminal Justice, Volume 7, Issue 2, May 2009, Pages 315–332, https://doi.org/10.1093/jicj/mqp030.
São assim redigidos os artigo 27, do Estatuto, e o artigo 98 daquele mesmo diploma:
Artigo 27.o
Irrelevância da capacidade oficial
-
O presente Estatuto aplica-se igualmente a todas as pessoas, sem distinção baseada na qualidade oficial. Em especial, a qualidade de Chefe de Estado ou de Governo, de membro de um Governo ou de um Parlamento, de representante eleito ou de funcionário do Governo não isenta em caso algum uma pessoa da responsabilidade penal prevista no presente Estatuto, nem constitui, por si só, um motivo de redução da pena.
-
As imunidades ou regras processuais especiais que possam estar associadas à qualidade oficial de uma pessoa, quer nos termos do direito nacional quer do direito internacional, não obstam ao Tribunal de exercer a sua jurisdição em relação a essa pessoa.
Article 27
Irrelevance of official capacity
-
This Statute shall apply equally to all persons without any distinction based on official capacity. In particular, official capacity as a Head of State or Government, a member of a Government or parliament, an elected representative or a government official shall in no case exempt a person from criminal responsibility under this Statute, nor shall it, in and of itself, constitute a ground for reduction of sentence.
-
Immunities or special procedural rules which may attach to the official capacity of a person, whether under national or international law, shall not bar the Court from exercising its jurisdiction over such a person.
Artigo 98.º
Cooperação em matéria de renúncia da imunidade e consentimento na entrega
-
O Tribunal não pode dar seguimento a um pedido de entrega ou de assistência que exija que o Estado requerido atue de forma incompatível com as obrigações que lhe incumbem por força do direito internacional no que diz respeito ao Estado ou à imunidade diplomática de uma pessoa ou bens de um Estado terceiro, a menos que o Tribunal possa obter previamente a cooperação desse Estado terceiro para à renúncia da imunidade.
-
O Tribunal não pode dar seguimento a um pedido de entrega que exija que o Estado requerido atue de forma incompatível com as obrigações que lhe incumbem por força de acordos internacionais, nos termos dos quais é necessário o consentimento de um Estado remetente para entregar uma pessoa desse Estado ao Tribunal, a menos que o Tribunal possa obter previamente a cooperação do Estado remetente para dar o seu consentimento à entrega.
Article 98
Cooperation with respect to waiver of immunity and consent to surrender
-
The Court may not proceed with a request for surrender or assistance which would require the requested State to act inconsistently with its obligations under international law with respect to the State or diplomatic immunity of a person or property of a third State, unless the Court can first obtain the cooperation of that third State for the waiver of the immunity.
-
The Court may not proceed with a request for surrender which would require the requested State to act inconsistently with its obligations under international agreements pursuant to which the consent of a sending State is required to surrender a person of that State to the Court, unless the Court can first obtain the cooperation of the sending State for the giving of consent for the surrender.
Prof. Paola Gaeta considera ilegal a solicitação de cooperação de prisão preventiva de Chefe de Estado de Estado não-aderente no curso do mandato. Ele sustenta que o artigo 98 do Estatuto diz respeito ao que pode ou não fazer o TIP, não ao Estado aderente a quem o TIP dirige uma solicitação de cooperação. O § 1º, refere-se à imunidade decorrente do direito internacional em geral, portanto, fundada no direito consuetudinário, ao passo que o § 2º concerne à imunidade fundada, especificamente, em um acordo. Tal interpretação fez com que os Estados Unidos realizasse dezenas de acordos com diversos países, comprometendo-os a não entregar para a jurisdição da Corte Internacional Penal nenhum cidadão americano. Trata-se de Afghanistan, Albania, Algeria, Angola, Antigua & Barbuda, Armenia, Azerbaijan, Bangladesh, Belize, Benin, Bhutan, Bosnia-Herzegovina, Botswana, Brunei, Burkina Faso, Burundi, Cambodia, Cameroon, Cape Verde, Central African Republic, Chad, Colombia, Comoros, Congo, Congo Democratic Republic of the, Cote D’Ivoire, Djibouti, Dominica, Dominican Republic, East Timor, Egypt, Egypt – Extension Agreement, Equatorial Guinea, Eritrea, Fiji, Gabon, The Gambia, Georgia, Ghana, Grenada, Guinea, Guinea Bissau, Guyana, Haiti, Honduras, India, Israel, Kazakhstan, Kiribati, Laos, Lesotho, Liberia, Macedonia, Madagascar, Malawi, Maldives, Marshall Islands, Mauritania, Mauritius, Micronesia, Mongolia, Montenegro, Morocco, Mozambique, Nauru,Nepal,Nicaragua,Nigeria,Oman, Pakistan,Palau,Panama,Papua New Guinea,Philippines, Rwanda,Saint Kitts and Nevis,Sao Tome and Principe, Senegal, Seychelles,Sierra Leone, Singapore,Solomon Islands, Sri Lanka,Swaziland, Tajikistan, Thailand,Togo,Tonga, Tunisia,Turkmenistan,Tuvalu, Uganda, United Arab Emirates,Uzbekistan, Yemen e Zambia, pelos quais, então, em atendimento ao contido no § 2º, ficam criados acordos de imunidade.
11.1 Margem de Apreciação
A doutrina da margem de apreciação surgiu na jurisprudência da Corte Europeia de Direitos Humanos, cuja construção visa a atender, justamente, um espaço de interpretação dos direitos humanos pelos quais o Estado tem o poder de agir de acordo com certas peculariedades e que, portanto, não podem ser consideradas como infração às suas obrigações.
Tal doutrina tem sido difundida e aplicável em outras situações em que os Estados, por força de suas obrigações internacionais, têm a implícita relativa possibilidade de interpretação das suas obrigações, de modo a não tornar o direito internacional “engessado”, reduzindo a adesão dos Estados pelo receio das consequências dos compromissos internacionais assumidos.
A doutrina da margem de apreciação passa a ter especial importância nos acordos internacionais que, como o Estatuto de Roma, sujeitam as Soberanias irrecorrivelmente à vontade de organizações judiciais, que passam a ter sobre os Estados um poder maior que o próprio judiciário doméstico. Esse receio foi a maior assombração dos Estados a espantá-los na criação dos tribunais internacionais até o começo do século passado.
O caráter complementar ou subsidiário penal do TIP, o fundamento de sua ratio essendi nos direitos humanos no sentido amplo, justificam plenamente a aplicação da doutrina da margem de apreciação à escusa de não-cooperação na interpretação do Estatuto de Roma.
12. Recurso do Estado contra a Decisão de Não-Cooperação do TIP
No caso ICC-01/22, de 29 de November 2024, a 2ª Câmara de Pré-Julgamento do TIP negou um recurso apelativo interposto pela Mongólia em face da decisão de não-cooperação proferida em 24 de Outubro, referente à visita do Presidente Putin àquela nação. Ao negar permissão para recorrer, aquele órgão, ao analisar o Artigo 87 (7) à luz do Artigo 82(1)(d), ambos do Estatuto de Roma, concluiu que uma decisão de não-cooperação, por ausência de efeitos jurisdicionais práticos, mas de simples resultado de reportar um julgamento de violação do Estatuto pelo Estado, não comporta um recurso apelativo. Semelhante entendimento não foi adotado anteriormente com relação ao Reino Hachemita da Jordânia (“Jordânia”).
De fato, no julgamento de não-cooperação da Jordânia, também versando sobre uma visita do Presidente sudanês al-Bashir àquele paíse, proferida pela 2ª Câmara de Pré-Julgamento (datada de 11/12/2017), pdf abaixo, a Jordânia, em 18 de Dezembro de 2017, requereu permissão para apelar daquele julgamento, sendo que, em 21 de Fevereiro de 2018, aquele órgão de 1ª Instância autorizou o recurso.
Após uma longa tramitação, marcada por observações e intervenções jurídicas, em 06/05/2019, a Câmara de Apelo rejeitou o recurso da Jordânia e manteve o julgamento de não-cooperação recorrido. (pdf abaixo)
13. Escusa de Invalidade de Cooperação
Chamamos de escusa de cooperação a alegação em que o Estado, tendo razões jurídicas pertinentes, isenta-se de cooperar por razões legais ou políticas relevantes da Relação Estado-Estado e que escapam, completamente, do controle, conhecimento e, sobretudo, julgamento da jurisdição penal do Tribunal Internacional Penal, a qual deve ser julgada quando, na apreciação do reporte de não-cooperação do Artigo 87,§ 7º, do Estatuto, haja controvérsia entre os Estados membros. Essa escusa não é prevista no Estatuto, mas resulta da interpretação da Resolução nº 5.
O Estatuto estabelece que o Estado, diante de uma solicitação de cooperação, deve reportar ao Tribunal Internacional Penal qualquer questão incidente à solicitação de cooperação. Nada mais apropriado, porque as intercorrências na solicitação de cooperação refletem diretamente na eficácia dos serviços e das funções judiciais dos órgãos do TIP.
Que intercorrências poderão ser? Como o próprio diz, uma intercorrência é, geralmente, um fato imprevisível. Por isso, o artigo 97 traz uma enumeração numerus apertus, pois apenas exemplifica os eventos mais comuns.
Compete à Câmara julgar com exclusividade qualquer dúvida ou questão incidente à solicitação de suas solicitações de cooperação, as quais podem chegar aos juízes através de uma consulta do Estado (artigo 97, do Estatuto e artigo 195, § 1º, das Regras).
Uma das intercorrências pode ser, precisamente, a posição de não-cooperação de um Estado que recebe a solicitação, e isso deve ser feito desde logo.
No caso da recusa de cooperação exercida pelo Malawi, que não procedeu à prisão do Presidente do Sudão em vista àquele Estado (14 a 15 de Outubro de 2011), o Governo sabia do mandado de prisão expedido, pois já há muito havia a Secretaria do TIP o emitido para todos os Estados membros. Quando recebe a note verbale da Secretaria do Tribunal Internacional Penal, pouco tempo antes da chegada do Presidente, pela qual era dado saber que o Tribunal sabia da visita de Omar Al-Bashir, o Governo não respondeu àquela note verbale, vindo a se manifestar sobre a não-cooperação apenas mais tarde, quando para tanto instado nos autos criminais pela 1ª Câmara de Pré-Julgamento.
Foi um equívoco do Malawi não ter respondido àquela note verbale. Por isso, corretamente, posicionou-se a Câmara:
“A República do Malawi deveria ter trazido o assunto para o conhecimento da Câmara, junto com outra informação disponível, de modo que a a Câmara tomasse sua decisão”.
E isto porque convém que o Estado se manifeste em resposta às notes verbales, sempre apresentando as razões jurídicas que tiver sobre eventuais problemas ou obstáculos à sua não-cooperação, de modo a se justificar.
A escusa, se for necessária, surgira no controle de cooperação na instância política da Assembleia dos Estados, caso surga uma disputa entre os Estados, o que até hoje não aconteceu, de modo que as não-cooperações reportadas têm sido, simplesmente, objeto de intervenções diplomáticas da Presidência do Conselho da Assembleia, de modo que não se repitam ou sejam removidas as suas razões.
14 Competência de Apreciação de Escusa de Cumprimento de Cooperação
Quando a Secretaria do TIP informou à 1ª Câmara de Pré-Julgamento que, mesmo depois de ter sido por aquela Secretaria “recordada” de sua obrigação de cooperação, o Malawi não procedeu à solicitada cooperação na prisão de Omar Al-Bashir, aquele órgão proferiu um julgamento pelo qual considerou o Malawi em estão de não-cooperação e, inclusive, aduziu que aquele Estado “desrespeitou” a competência da Câmara em julgar o incidente de execução da cooperação, no sentido de que cabia ao Malawi se reportar à Câmara, expondo os motivos que declinou na note verbale posteriormente dirigida à Secretaria, em resposta à notificação da Câmara para que fizesse suas observações no incidente de não-cooperação.
Nesses termos, a 1ª Câmara de Pré-Julgamento se pronunciou:
11. A República do Malawi não respeitou a autoridade exclusiva deste Tribunal para decidir se as imunidades são aplicáveis em um caso específico. Isto é estabelecido no n.º 1 do artigo 119.º do Estatuto, que prevê que “[q]ualquer disputa relativa às funções jurisdicionais do Tribunal é resolvido por decisão do Tribunal”. Além disso, o n.º 1 da regra 195 estabelece: “Quando um Estado requerido notifica o Tribunal de que um pedido de entrega ou de assistência suscita um problema de execução nos termos do artigo 98.º, o Estado requerido deve fornecer todas as informações relevantes para ajudar o Tribunal na aplicação do artigo 98.º. Qualquer Estado terceiro ou Estado de origem em causa pode fornecer informações adicionais para assistir o Tribunal”.
Nada obstante, como já falamos, equivocado o julgamento da 1ª Câmara ao não distinguir que o § 2º, daquele mesmo artigo 119, distingue a existência de uma interpretação do estatuto que não é feita pelo TIP.
Vejamos a dicção do Artigo 98, ao tratar em geral da obrigação de cooperação, em seu § 7º:
Quando um Estado Parte não atender a um pedido de cooperação do Tribunal contrário às disposições deste Estatuto, impedindo assim o Tribunal de exercer suas funções e poderes sob este Estatuto, o Tribunal poderá tomar uma decisão nesse sentido e submeter a questão à Assembleia dos Estados Partes ou, quando o Conselho de Segurança encaminhar o assunto à Corte, ao Conselho de Segurança.
A leitura do dispositivo normativo atribui à Câmara julgar se houve ou não-cooperação. É diferente da competência para análise de que ausência de cooperação foi ou não legal, se há ou não uma violação do Estatuto, já que aqui sem tem em causa não a questão criminal de competência do TIP sobre indivíduos, mas a questão político-legal do Estatuto que envolverá o julgamento do Estado que a Câmara aponta como tendo não cooperado.
Parece que temos aqui uma diferença de instância razoavelmente clara. É limitado, então, o arco de jurisdição da Câmara que, portanto, limita-se a declarar se ela considera se o não-cumprimento de sua solicitação caracterizou ou não a não-cooperação e, se entender que sim, reporta o caso para a instância política da instituição, ou para o Conselho de Segurança,para a ONU, se o processo em curso tiver sido iniciado por solicitação daquele órgão.
2.5 Consulta em Resposta à Note Verbale da Secretaria do TIP
Na realidade, o Malawi deveria, diante da note verbale da Secretaria do TIP, “lembrando-o” de sua obrigação de cooperação (e consequente obrigação de prender o Presidente Omar Al-Bashir), reportar-se à Câmara por meio da consulta do artigo 97 do Estatuto, que é superior, enquanto instrumento normativo, ao regulamento da Corte e parece mais apropriado ao caso:
Artigo 97
Consultas
Quando um Estado Parte recebe uma solicitação sob esse Parte em relação a qual ele identifica problemas que podem impedir ou prevenir a execução da solicitação, o Estado deverá consultar a Corte sem demora a fim de resolver a matéria. Esses problemas podem incluir, nomeadamente:(…)
O fato de que a execução do pedido em sua forma atual exigiria que o Estado requerido violasse uma obrigação de tratado pré-existente assumida em relação a outro Estado.
E era justamente o caso. O respeito à liberdade do Presidente do Sudão, em visita ao Malawi, não era apenas, nem exatamente, uma questão de respeito à imunidade jurisdicional internacional dele, fundada no direito internacional consuetuniário, mas de não-intereferência do Malawi com o Sudão e, portanto, com a Soberania por ele representada, sob pena de infração ao sempre mecionado compromisso expresso no artigo 2º, § 7º, da Carta da ONU, que só pode ser excepcionado pela aplicação do Capítulo VII, cuja infração acarreta o direito de uma reação (no caso, do Sudão sobre o Malawi) com base no artigo 51, também da Carta de São Francisco. A imunidade jurisdicional internacional consuetuniária é, simplesmente, a exteriorização da substanciação da norma do artigo 2º, § 7º.
Nesse caso, plena incidência se verifica do artigo 30 da já citada Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969:
Artigo 30
Aplicação de Sucessivos Tratados em Relação ao mesmo Assunto
(…)3. Quando todas as parties de um tratado anterior são também partes de um tratado posterior, mas o tratado anterior não foi revogado sob o artigo 59, o tratado anterior se aplica apenas na medida que suas provisões são compatíveis com aquelas do tratado posterior.
Por isso, pela consulta, o Malawi deveria informar que a exigência de cooperação faria com que o Governo violasse sua obrigação do artigo 2º, § 7º, que é pré-existente à obrigação assumida no Estatuto de Roma.
Após aquela consulta, caberia, evidentemente, à Câmara julgar se estava ou não o Malawi sob obrigação de cooperar. Essa sim é uma competência funcional da Câmara. E diante desse julgamento, incumberia ao Malawi decidir se cooperaria ou se deixaria de cooperar. E ao decidir por não cooperar, então, àquele Estado ainda competiria aguardar a decisão da Câmara em reportar ou não a sua não-cooperação à Assembleia dos Estados Membros (AEM). Havendo o reporte, o passo seguinte seria aguardar a consideração da questão, conforme artigo 112, § 2º, alínea f, do Estatuto ou, então, desde já, apresentar a sua Escusa de Cumprimento de Cooperação.
Aqui, é pertinente assinalar que a Escusa de Cumprimento de Cooperação não é apresentada à Corte Penal, apenas à Presidente da Assembleia.
2.6 Julgamento de Não-Cooperação: A experiência de Omar Al-Bashir no Malawi (em 2011)
Diante da falta de cooperação de um Estado aderente com uma solicitação judicial, de acordo com o artigo 87, § 7º, do Estatuto, cabe ao Tribunal Penal decidir se considera que houve uma falta de cooperação.
O Tribunal pode (ou não) fazer esse julgamento, é facultativo; muito provavelmente, por uma questão de política, fica a critério do órgão judicial se fará o julgamento e, consequentemente, se reportará a não-cooperação para a Assembleia dos Estados Membros.
2.6.1 Filosofia Jurídica do Papel da Jurisdição na Segurança Mundial
Na prática, o TIP nunca deixa de julgar que houve não-cooperação.
A respeito de sua própria jurisdição, existe uma profunda diferença de filosofia do direito internacional entre o Tribunal Internacional Penal e a Corte Internacional de Justiça, a “Corte Mundial”, principal órgão judicial das Nações Unidas.
Enquanto a CIJ é comedida e autolimitadora de sua própria jurisdição, em razão do princípio do consentimento, o Tribunal Internacional Penal assume uma postura, aparentemente, incompatível com a serenidade que se espera de uma Corte Judicial, adotando um discurso de “heroísmo” com relação às graves violações de direitos humanos que se praticam em algumas partes do mundo.
Aqui, importa uma referência a um importante discurso do então Presidente da Corte Internacional de Justiça a respeito (em em resposta) às críticas do porquê a CIJ é tão “conservadora” em reconhecer as limitações de seus poderes (Joan E. Donoghue, Presidente da Corte Internacional de Justiça, Discurso na Assembleia Geral da ONU, 28 de outubro de 2021):
“Ao examinar questões de competência, o [Tribunal Internacional de Justiça] está ciente de que a sua autoridade depende, entre outras coisas, do respeito inabalável pelos limites da sua jurisdição, uma vez que o Estatuto do TIJ fez do consentimento uma pedra angular do quadro jurisdicional… Embora os Estados demandados não devam ser obrigados a litigar disputas internacionais sobre o mérito quando não houver base jurisdicional válida para fazê-lo, a Corte também deve aos Estados requerentes ouvir e julgar todos os casos plenamente quando houver jurisdição.”
Ora, nunca vimos um Presidente da CIJ fazendo discursos inflamados, concitando a colaboração de todos para a punição de perpetradores de graves crimes de interesse internacional contra crianças, idosos, mulheres… Embora aqui está uma posição subjetiva, a postura ávida de ação tisna a confiança na imparcialidade do julgador, e a modéstia é inerente à verdadeira grandiosidade:
“Em nome dos interesses que o TIP representa, é verdadeiramente encorajador ouvir muitos dos delegados reafirmarem, durante o debate geral, que a TIP ocupa um lugar fundamental nessa “ordem baseada em regras; e que todos os esforços devem ser feitos para protegê-la e apoiá-la como tal.” (29 de outubro de 2018 – Discurso do Presidente do TPI na Assembleia Geral das Nações Unidas – Presidente do Tribunal Penal Internacional, Juiz Eboe-Osuji)
Escreveu, certa vez, o grande jurista Hans Kelsen[ESSENTIAL CONDITIONS OF INTERNATIONAL JUSTICE Author(s): Hans Kelsen and John H. Herz Source: Proceedings of the American Society of International Law at Its Annual Meeting (1921-1969) , APRIL 24-26, 1941, Vol. 35 (APRIL 24-26, 1941), pp. 70-98]::
O problema da Justiça Internacional é apenas uma instância especial do problema geral da Justiça, um problema que tem ocupado a mente humana como nenhum outro.”
Dizer que a um órgão de Justiça Penal Internacional cabe papel fundamental na pacificação mundial é como falar que a segurança pública de uma sociedade depende de seus Juízes; toda e qualque violência resulta de macro fatores ligados à educação, assistência social e saúde. Não existe um lugar no mundo em que a violência não surfe onde campeia a pobreza extrema!
O papel da jurisdição penal, dos Estados no plano doméstico, e das orgnizações intergovernamentais no plano internacional, é secundário.
2.7 Note verbale para a Embaixada Malauiana. Resposta do Malawui e Julgamento de Não-Cooperação da 1ª Câmara de Pré-Julgamento
Abaixo, o documento PDF com o julgamento da 1ª Câmara de Pré-Julgamento do TIP, referente à não-cooperação da República Malawi, que não atendeu ao pedido de prisão do Presidente do Sudão, Omar Al-Bashir, quando esse Chefe de Estado esteve naquele país (1993-2019). O mandado de prisão fora expedido em 09 de Março de 2009.
Quando a Secretaria do TIP soube, pelas mídias, que Omar Al-Bashir estaria no Malawi em breve, a Secretaria encaminhou para a Embaixada da República Malawai, em Bruxelas, em 13 de Outubro de 2011, uma note verbale pela qual “recordava” que aquele país tinha obrigação de cooperar com o TIP quanto à ordem de captura/prisão e entrega de Omar Al-Bashir par a Corte, em Haia, Países Baixos, Europa Central.
Posteriormente, quando constatada a visita de Omar Al-Bashir e que não houve a esperada cooperação em sua prisão, a Secretaria encaminhou à 1ª Câmara de Pré-Julgamento do TIP um relatório; então, a Câmara convitou o Governo do Malawi para fazer suas observações sobre o relatório, as quais foram apresentadas pelo Malawi, nesses termos:
O Ministério [das Relações Exteriores] deseja confirmar que Sua Excelência o Presidente Omar Hassan Ahmad Al Bashir, Presidente da República do Sudão, participou de uma Cúpula do COMESA que foi realizada em Lilongiue, na República do Malawi, de 14 a 15 de outubro de 2011.
O Ministério deseja declarar que, tendo em vista o fato de que Sua Excelência Al Bashir é um Chefe de Estado em exercício, o Malawi concedeu-lhe todas as imunidades e privilégios garantidos a todos os Chefes de Estado e de Governo visitantes; esses privilégios e imunidades incluem a liberdade de prisão e acusação dentro dos territórios do Malawi.
O Ministério deseja informar à estimada Secretaria do TPI que o Malawi concedeu a Sua Excelência o Presidente Al Bashir esses privilégios e imunidades de acordo com os princípios estabelecidos de Direito Internacional Público e de acordo com a Lei de Imunidades e Privilégios do Malawi.
O Ministério deseja ainda declarar que o Sudão, do qual Sua Excelência o Presidente Al Bashir é Chefe de Estado, não é parte do Estatuto de Roma e, na opinião ponderada das autoridades do Malawi, o artigo 27.º do Estatuto, que, entre outras coisas, levanta a imunidade dos Chefes de Estado e de Governo, não é aplicável.
O Ministério também deseja informar a estimada Secretaria do Tribunal do TPI que o Malawi, como membro da União Africana, se alinha com a posição adotada pela União Africana no que diz respeito à acusação contra Chefes de Estado e de Governo em exercício de países que não são partes no Estatuto de Roma.
O Ministério deseja, portanto, informar à estimada Secretaria do TPI que, em vista do exposto, o Malawi não pôde prender Sua Excelência, o Presidente Omar Hassan Ahmad Al Bashir, quando ele visitou o país para participar da Cúpula do COMESA.
Não vejo qual o sentido em um Presidente ir a convite de outro Chefe de Estado ao seu país para participar de um valioso encontro como o da COMESA (Common Market for Eastern and Southern Africa), e esperar uma organização de Justiça Internacional Penal solicitar a cooperação para que o visitante seja preso… Seria muito mais útil e factível uma ordem para que o suspeito investigado pelo TIP não seja convidado pelos Estados aderentes a visitas em seus territórios…
“A vontade de ter muito poder do Tribunal Internacional Penal termina por levá-lo a não ter poder nenhum”.
É pertinente, porém, descrever quais os fundamentos que foram adotados pela 1ª Câmara de Pré-Julgamento, em 09 de Março de 2009, quando expediu a ordem de prisão preventiva contra o Chefe de Estado do Sudão, Al Bashir. É relevante indicar que a decisão da Corte é apenas no sentido de que, pelas razões por aquele órgão adotadas, a imunidade do Chefe de Estado, como um princípio de direito internacional consuetudinário, não barra a jurisdição da Corte sobre ele.
Sobre a questão da imunidade do Chefe de Estado, assim se pronunciou a Câmara:
41.Além disso, à luz dos materiais apresentados pela Promotoria em apoio ao Pedido da Acusação, e sem prejuízo de uma nova determinação da questão nos termos do artigo 19 do Estatuto, a Câmara considera que a posição atual de Omar Al Bashir como Chefe de um Estado que não é parte do Estatuto, não tem qualquer efeito sobre a competência do Tribunal de Justiça no presente processo.
42.A Câmara chega a esta conclusão com base nas quatro considerações seguintes. Em primeiro lugar, a Câmara observa que, de acordo com o Preâmbulo do Estatuto, um dos objetivos centrais do Estatuto é acabar com a impunidade dos perpetradores dos crimes mais graves que preocupam a comunidade internacional como um todo, que “não deve ficar impune”.
43.Em segundo lugar, a Câmara observa que, para alcançar este objetivo, o artigo 27. °, n.º 1 e 2, do Estatuto prevê os seguintes princípios fundamentais: i. ”Este Estatuto se aplica igualmente a todas as pessoas, sem qualquer distinção baseada na capacidade oficial; ii. (…) a qualidade oficial de Chefe de Estado ou de Governo, membro do Governo ou do Parlamento, representante eleito ou funcionário do Governo não isenta em caso algum uma pessoa de responsabilidade penal nos termos do presente Estatuto, nem constitui, por si só, um motivo para redução da pena;” e iii. “Imunidades ou regras processuais especiais que podem estar associadas à capacidade oficial de uma pessoa, seja sob o direito nacional ou internacional, não impedirão o Tribunal de exercer sua jurisdição sobre tal pessoa. “
44.Em terceiro lugar, a jurisprudência constante da Câmara sobre a lei aplicável perante o Tribunal de Justiça declarou que, de acordo com o artigo 21.° do Estatuto, as outras fontes de direito previstas no artigo 21.°, n° 1, alínea b) e n° 1, alínea c), do Estatuto só podem ser utilizadas quando estiverem preenchidas as duas condições seguintes: (i) há uma lacuna na lei escrita contida no Estatuto, nos Elementos dos Crimes e nas Regras; e ii) essa lacuna não pode ser colmatada pela aplicação dos critérios de interpretação previstos nos artigos 31.º e 32.º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados e no artigo 21.º, n.º 3, do Estatuto.
45.Em quarto lugar, como a Câmara salientou recentemente na sua “Decisão sobre o pedido nos termos do artigo 103.°” de 5 de fevereiro de 2009, ao submeter a situação do Darfur ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 13.°, alínea b), do Estatuto, o Conselho de Segurança das Nações Unidas também aceitou que a investigação sobre a referida situação, bem como qualquer ação penal daí decorrente, decorrerá de acordo com o quadro legal previsto no Estatuto, nos Elementos dos Crimes e nas Regras no seu conjunto.
A Corte não faz alusão ao entendimento de que a prisão de um Chefe de Estado por outro Chefe de Estado não implica apenas a questão debatida da imunidade, mas também, e principalmente, é flagrante afronta aos princípios contidos no Artigo 2º, da Carta das Nações Unidas, exemplificativamente, quando estatui em seu § 4º:
Todos os Membros abster-se-ão, nas suas relações internacionais, de ameaçar ou utilizar a força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado, ou de qualquer outra forma incompatível com os Objetivos das Nações Unidas.
2.8 Determinações no Julgamento de Não-Cooperação
POR ESTAS RAZÕES, A CÂMARA CONCLUI, de acordo com os artigos 86, 87(7) e 89 do Estatuto, que a República do Malawi:
(i) não cumpriu com suas obrigações de consultar a Câmara ao não trazer a questão da imunidade de Omar Al Bashir à Câmara para sua determinação e
(ii) não cooperou com a Corte ao não prender e entregar Omar Al Bashir à Corte, impedindo assim o Tribunal de extirpar suas funções e poderes sob o Estatuto; e REMETE, em conformidade com o artigo 109.º, n.º 4, do Regulamento do Tribunal, a presente decisão ao Presidente para transmissão ao Conselho de Segurança, por intermédio do Secretário-Geral das Nações Unidas, e à Assembleia dos Estados Partes no Estatuto.
Acima, destaca-se o dispositivo da 1ª Câmara de Pré-Julgamento do Tribunal Internacional Penal, do qual participou, inclusive, a jurista brasileira Sylvia Steiner.
O julgamento de não-cooperação é o primeiro passo de monitoramento e controle de cooperação do Tribunal Internacional Penal. A menos que o órgão judicial do TIP faça um julgamento de não-cooperação, não tem início qualquer monitoramente de controle de cooperação. Todavia, o poder judicial do TIP se limita a reconhecer (ou não, eventualmente) a existência da não-cooperação, não lhe cabendo, portanto, impor qualquer medida, sanção ou determinação, e isto porque o ato de cooperar com o TIP é do Estado membro do Estatuto de Roma e não tem o TIP jurisdição sobre os Estados.
Dois pontos merecem destaques. O primeiro é que a Câmara reportou o seu julgamento de não-cooperação ao Conselho de Segurança da ONU e, segundo, à Presidência do órgão diretivo da entidade, a Assembleia dos Estados Membros.
2.8.1 Representação ao Conselho de Segurança da ONU
O Estatuto de Roma prevê que o Tribunal Internacional Penal se reporte ao Conselho de Segurança da ONU, quando a investigação em curso foi solicitada por aquele órgão.
Assim, o motivo que fez a Câmara reportar o seu julgamento ao Conselho de Segurança da ONU foi o fato de que a investigação da conduta de Presidente Omar Hassan Ahmad Al Bashir foi provocada por resolução do Conselho de Segurança. Trata-se da Resolução nº 1593 (2005), adotada pelo Conselho de Segurança em sua 5158ª reunião, em 31 de Março de 2005. (documento abaixo em pdf)
2.8.1.1 Efeitos e Implicações de Investigação Representada ao Tribunal Penal por Representação do Conselho de Segurança da ONU
Um questão jurídica de relevância é se saber se a solicitação de investigação dirigida ao Tribunal Penal pelo Conselho de Segurança da ONU teria o efeito de submeter o Estado sob investigação a uma condição em que o seu Chefe de Estado não teria imunidade, ou que aquela solicitação implicaria ter a investigação um escopo estendido ou uma penetração coercitiva miaor. Para uma leitura sobre o tema: de Wet E. Referrals to the International Criminal Court Under Chapter VII of the United Nations Charter and the Immunity of Foreign State Officials. AJIL Unbound. 2018;112:33-37. doi:10.1017/aju.2018.13
No nosso particular entendimento, a solicitação de investigação penal feita pelo Conselho de Segurança da ONU não atribui a essa investigação um mandato para o TIP agir em nome da ONU, ou do seu Conselho de Segurança. Na própria resolução é descrita a sua finalidade e seus efeitos, não se podendo a partir dela extrair conclusões que refogem de sua literalidade.
Ao atribuir ao CS da ONU o poder de solicitar investigação ao TIP, não existe nenhuma indicação de que aquela investigação seria diferente em grau ou extensão do que qualquer outra. Igualmente, não existe na Carta da ONU qualquer alusão ao TIP, aos seus poderes ou à investigação que àquele tribunal pode ser dirigida pelo CS da ONU.
Na realidade, o que o Estatuto de Roma faz é uma deferência ao CS da ONU que, no caso Resolução nº 1593 (2005), daquela prerrogativa que lhe foi dada se utilizou para, nos termos do próprio Estatuto, não da Carta da ONU, solicitar a investigação penal em Darfur. De qualquer maneira, a citada resolução é genérica, não menciona Al Bashir, não alude a questão da imunidade, enfim, nada há nela que se possa atribuir qualquer efeito excepcional daqueles que o Capítulo VII da Carta da ONU atribui ao Conselho de Segurança, consistindo em verdadeiro delírio pensar-se em sentido contrário pela absoluta ausência de fundamento na própria resolução.
2.8.2 Representação do TIP ao Conselho de Segurança da ONU
Dessa maneira, ao reportar a não-cooperação ao Conselho de Segurança da ONU, a Câmara deu cumprimento ao que determina o Estatuto de Roma, não à Carta da ONU, de onde se conclui que aquela representação não pode ter o efeito de transformar o Conselho de Segurança da ONU em um órgão de controle de não-cooperação das decisões do TIP, porque essa atribuição não existe na Carta a ONU e, na realidade, nem mesmo no Estatuto de Roma.
O Conselho de Segurança da ONU não exerce o monitoramento de controle de cooperação com as ordens do Tribunal Internacional Penal, porque essa atribuição não existe na Carta da ONU, nem no próprio Estatuto de Roma e, se nesse existisse, seria ilegal; a representação ao Conselho de Segurança da ONU é feito para dar conhecimento do evento.
2.8.3 Representação do TIP à Assembleia Dos Estados Membros (AEM)
O Est
3. Mecanismo de monitoramento de Cooperação e Não-Cooperação do Tribunal Internacional Penal
A AEM (ou ASP)é órgão governador e legislador máximo do TIP cuja atuação política e administrativa preserva a independência das atividades-fim dos dois órgãos judiciais da entidade: A Corte Internacional Penal ou CIP (composta de seus 18 Juízes, organizados jurisdicionalmente por Divisões e Câmaras), e o Gabinete do Promotor (GDP), por si mesmo independente dos Juízes.
A organização intergovernamental do Tribunal Internacional Penal (TIP) tem assembleias ordinárias anuais, em Dezembro, dentro das quais se realizam as reuniões temáticas, nas quais uma agenda, previamente organizada, aborda os variados assuntos a serem debatidos e decididos pela Assembleia dos Estados Membros (AEM).
A primeira sessão da Assembleia dos Estados Membros foi em 2002 e, agora em Dezembro de 2024, está em andamento a 23ª Sessão.
Já a partir da sessão da Resolution ICC-ASP/2/Res.7, adotada pela 5ª reunião plenária, em 12 de Setembro de 2003, que o órgão diretor da Corte passou a emitir resoluções destinadas a concitar os Estados membros a agirem no sentido de “fortalecimento da Corte Internacional Penal e da Assembleia dos Estados Partes”, nomeadamente, à implementação da legislação doméstica necessária à execução das solicitações e cooperação do Tribunal Internacional Penal, já que a cooperação internacional depende de implantação de um mecanismo legal-judiciário interno dos Estados aderentes.
3.1 8ª Sessão da Corte Internacional Penal (2009/2010)
Foi na 8ª Sessão da Assembleia dos Estados Membros que nasceu a primeria resolução “de cooperação”, pela qual o órgão criou conceitos e diretrizes mais específicas para o fortalecimento da instituição.
Tradução da Parte 9, do Estatuto de Roma (diferente do Decreto nº 44.388/2002)
Estatuto de Roma
PARTE 9.
COOPERAÇÃO INTERNACIONAL E ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA
Artigo 86.o
Obrigação geral de cooperação
Os Estados Partes, em conformidade com as disposições do presente Estatuto, cooperarão plenamente com o Tribunal na investigação e repressão dos crimes da competência do Tribunal.
Artigo 87.o
Pedidos de cooperação: disposições gerais
1.
a) O Tribunal terá autoridade para solicitar cooperação aos Estados Partes. As solicitações serão transmitidas por meio do canal diplomático ou de qualquer outro canal apropriado que seja designado por cada Estado-Parte no momento da ratificação, aceitação, aprovação ou adesão.
Cada Estado-Parte fará alterações posteriores à designação, em conformidade com o Regulamento de Procedimento e Provas.
b) Quando apropriado, sem prejuízo do disposto na alínea a), os pedidos poderão também ser transmitidos por intermédio da Organização Internacional de Polícia Criminal ou de qualquer organização regional apropriada.
2. Os pedidos de cooperação e quaisquer documentos que os fundamentem devem ser redigidos ou acompanhados de uma tradução numa língua oficial do Estado requerido ou numa das línguas de trabalho do Tribunal, de acordo com a escolha feita por esse Estado aquando da ratificação, aceitação, aprovação ou adesão.
Alterações posteriores a esta escolha serão feitas de acordo com o Regulamento de Procedimento e Prova.
3. O Estado requerido manterá confidenciais o pedido de cooperação e todos os documentos que o fundamentem, excepto na medida em que a divulgação seja necessária para a execução do pedido.
4. Em relação a qualquer pedido de assistência apresentado nos termos desta Parte, o Tribunal poderá tomar as medidas, inclusive as relacionadas à proteção de informações, que sejam necessárias para garantir a segurança ou o bem-estar físico ou psicológico de quaisquer vítimas, potenciais testemunhas e suas famílias. O Tribunal pode solicitar que qualquer informação disponibilizada nos termos desta Parte seja fornecida e tratada de maneira a proteger a segurança e o bem-estar físico ou psicológico de quaisquer vítimas, testemunhas em potencial e suas famílias.
5. O Tribunal poderá convidar qualquer Estado que não seja Parte no presente Estatuto a prestar assistência ao abrigo da presente Parte, com base num acordo ad hoc, num acordo com esse Estado ou em qualquer outra base adequada.
Quando um Estado que não seja parte neste Estatuto, que tenha celebrado um acordo ad hoc ou um acordo com a Corte, não cooperar com os pedidos de acordo ou acordo desse tipo, a Corte poderá informar a Assembléia dos Estados Partes ou, quando o Conselho de Segurança encaminhar o assunto à Corte, o Conselho de Segurança.
6. O Tribunal pode solicitar a qualquer organização intergovernamental que forneça informações ou documentos. O Tribunal pode igualmente solicitar outras formas de cooperação e assistência que venham a ser acordadas com essa organização e que estejam em conformidade com a sua competência ou mandato.
7. Quando um Estado Parte não atender a um pedido de cooperação do Tribunal contrário às disposições deste Estatuto, impedindo assim o Tribunal de exercer suas funções e poderes sob este Estatuto, o Tribunal poderá tomar uma decisão nesse sentido e submeter a questão à Assembleia dos Estados Partes ou, quando o Conselho de Segurança encaminhar o assunto à Corte, ao Conselho de Segurança.
Artigo 88.o
Disponibilidade de procedimentos ao abrigo do direito nacional
Os Estados Partes assegurarão a existência de procedimentos previstos na sua legislação nacional para todas as formas de cooperação especificadas na presente parte.
Artigo 89.o
Entrega de pessoas ao Tribunal
1. O Tribunal poderá transmitir um pedido de detenção e entrega de uma pessoa, juntamente com os elementos que fundamentam o pedido descrito no artigo 91.º, a qualquer Estado em cujo território essa pessoa se encontre e solicitará a cooperação desse Estado na detenção e entrega dessa pessoa. Os Estados Partes, em conformidade com as disposições da presente Parte e com o procedimento previsto no seu direito interno, cumprirão os pedidos de detenção e entrega.
2. Se a pessoa procurada para entrega impugnar um tribunal nacional com base no princípio ne bis in idem previsto no artigo 20.º, o Estado requerido deve consultar imediatamente o Tribunal para determinar se foi proferida uma decisão pertinente sobre a admissibilidade. Se o caso for admissível, o Estado requerido procederá à execução do pedido. Se estiver pendente uma decisão de admissibilidade, o Estado requerido pode adiar a execução do pedido de entrega da pessoa até que o Tribunal se pronuncie sobre a admissibilidade.
3. a) Um Estado Parte autorizará, em conformidade com o seu direito processual interno, o transporte através do seu território de uma pessoa que esteja a ser entregue ao Tribunal por outro Estado, excepto quando o trânsito por esse Estado possa impedir ou atrasar a entrega.
b. O pedido de trânsito do Tribunal será transmitido nos termos do artigo 87.° O pedido de trânsito deve conter:
i. Uma descrição da pessoa transportada;
ii. Uma breve exposição dos fatos do caso e sua caracterização legal; e
iii. O mandado de prisão e entrega;
A pessoa transportada deve ser detida sob custódia durante o período de trânsito;
d. Não é necessária autorização se a pessoa for transportada por via aérea e não estiver previsto qualquer desembarque no território do Estado de trânsito;
e. Se ocorrer uma aterragem não programada no território do Estado de trânsito, este Estado pode exigir um pedido de trânsito ao Tribunal, tal como previsto na alínea b). O Estado de trânsito reterá a pessoa transportada até que o pedido de trânsito seja recebido e o trânsito seja efetuado, desde que a imobilização para efeitos da presente alínea não possa ser prorrogada para além de 96 horas a contar do desembarque não previsto, a menos que o pedido seja recebido dentro desse prazo.
4. Se a pessoa procurada for acusada ou cumprir pena no Estado requerido por um crime diferente daquele pelo qual é pedida a entrega ao Tribunal, o Estado requerido, depois de ter tomado a sua decisão de deferir o pedido, consultará o Tribunal.
Artigo 90.º Pedidos concorrentes
1. Um Estado Parte que receba um pedido do Tribunal para a entrega de uma pessoa nos termos do artigo 89.º deverá, se receber também um pedido de qualquer outro Estado para a extradição da mesma pessoa pela mesma conduta que constitui a base do crime pelo qual o Tribunal pede a entrega da pessoa, notificar o Tribunal e o Estado requerente desse facto.
2. Quando o Estado requerente for um Estado Parte, o Estado requerido dará prioridade ao pedido do Tribunal se:
a. O Tribunal, nos termos dos artigos 18.º ou 19.º, determinou que o caso em relação ao qual é pedida a entrega é admissível e que essa determinação tem em conta a investigação ou o processo instaurado pelo Estado requerente relativamente ao seu pedido de extradição; ou
b. O Tribunal procede à determinação descrita na alínea a) em conformidade com a notificação do Estado requerido nos termos do n.º 1.
3. Quando não tiver sido tomada uma decisão nos termos da alínea a) do nº 2, o Estado requerido pode, se assim o entender, enquanto se aguarda a decisão do Tribunal nos termos da alínea b) do nº 2, proceder ao tratamento do pedido de extradição do Estado requerente, mas não extraditará a pessoa até que o Tribunal tenha declarado que o caso é inadmissível. A determinação do Tribunal será feita de forma acelerada.
4. Se o Estado requerente for um Estado que não seja Parte no presente Estatuto, o Estado requerido, se não tiver a obrigação internacional de extraditar a pessoa para o Estado requerente, dará prioridade ao pedido de entrega apresentado pelo Tribunal, se este tiver determinado que o caso é admissível.
5. Se um caso nos termos do n.º 4 não tiver sido considerado admissível pelo Tribunal, o Estado requerido pode, se assim o entender, proceder ao tratamento do pedido de extradição do Estado requerente.
6. Nos casos em que o n.o 4 seja aplicável, com excepção de o Estado requerido estar sujeito a uma obrigação internacional existente de extraditar a pessoa para o Estado requerente que não seja Parte no presente Estatuto, o Estado requerido decidirá se deve entregar a pessoa ao Tribunal ou extraditá-la para o Estado requerente. Ao tomar a sua decisão, o Estado requerido deve ter em conta todos os factores relevantes, incluindo, mas não exclusivamente:
a. As respectivas datas dos pedidos;
b. Os interesses do Estado requerente, incluindo, se for caso disso, se o crime foi cometido no seu território e a nacionalidade das vítimas e da pessoa procurada; e
c. A possibilidade de entrega posterior entre o Tribunal e o Estado requerente.
Quando um Estado Parte que recebe um pedido do Tribunal para a entrega de uma pessoa também recebe um pedido de qualquer Estado para a extradição da mesma pessoa por conduta diferente daquela que constitui o crime pelo qual o Tribunal solicita a entrega da pessoa:
a. O Estado requerido, se não estiver sob uma obrigação internacional existente de extraditar a pessoa para o Estado requerente, dará prioridade ao pedido do Tribunal;
b. O Estado requerido decidirá, se estiver sob uma obrigação internacional existente de extraditar a pessoa para o Estado requerente, se deve entregar a pessoa ao Tribunal ou extraditá-la para o Estado requerente. Ao tomar a sua decisão, o Estado requerido deve ter em conta todos os factores pertinentes, incluindo, mas não exclusivamente, os referidos no n.o 6, mas deve ter especialmente em conta a natureza relativa e a gravidade do comportamento em questão.
Quando, na sequência de uma notificação nos termos do presente artigo, o Tribunal tiver declarado a inadmissibilidade de um caso e, subsequentemente, for recusada a extradição para o Estado requerente, o Estado requerido notificará o Tribunal dessa decisão.
Artigo 91.o
Conteúdo do pedido de detenção e entrega
1. O pedido de detenção e entrega deve ser apresentado por escrito. Em casos urgentes, o pedido poderá ser feito por qualquer meio capaz de entregar registro escrito, desde que o pedido seja confirmado pelo canal previsto no artigo 87, parágrafo 1º, alínea a).
2. No caso de um pedido de detenção e entrega de uma pessoa contra a qual tenha sido emitido um mandado de detenção pelo Juízo de Instrução nos termos do artigo 58.º, o pedido deve conter ou ser apoiado por:
a. Informações que descrevam a pessoa procurada, suficientes para identificá-la, e informações sobre a provável localização dessa pessoa;
b. Uma cópia do mandado de prisão; e
c. Os documentos, declarações ou informações que possam ser necessários para satisfazer os requisitos do processo de entrega no Estado requerido, com a ressalva de que esses requisitos não devem ser mais onerosos do que os aplicáveis aos pedidos de extradição por força de tratados ou convénios entre o Estado requerido e outros Estados e, se possível, devem ser menos onerosos, tendo em conta a natureza distinta do Tribunal.
3. No caso de um pedido de detenção e entrega de uma pessoa já condenada, o pedido deve conter ou ser apoiado por:
a. Uma cópia de qualquer mandado de prisão para essa pessoa;
b. Uma cópia da sentença de condenação;
c. Informações que demonstrem que a pessoa procurada é a referida na sentença condenatória; e
d. Se a pessoa procurada tiver sido condenada, uma cópia da pena imposta e, no caso de uma pena de prisão, uma declaração do tempo já cumprido e do tempo restante a cumprir.
4. A pedido do Tribunal, um Estado Parte consultar-lhe-á, de forma geral ou com relação a um assunto específico, sobre quaisquer requisitos de sua legislação nacional que possam ser aplicados nos termos do parágrafo 2 (c). Durante as consultas, o Estado Parte informará a Corte sobre os requisitos específicos de sua legislação nacional.
Artigo 92.º Detenção provisória
1. Em caso de urgência, o Tribunal pode requerer a detenção provisória da pessoa procurada, enquanto se aguarda a apresentação do pedido de entrega e dos documentos comprovativos do pedido, tal como especificado no artigo 91.º.
2. O pedido de prisão provisória deve ser feito por qualquer meio capaz de entregar um registro escrito e deve conter:
a. Informações que descrevam a pessoa procurada, suficientes para identificá-la, e informações sobre a provável localização dessa pessoa;
b. Uma declaração concisa dos crimes pelos quais a detenção da pessoa é solicitada e dos factos que alegadamente constituem esses crimes, incluindo, sempre que possível, a data e o local do crime;
c. Uma declaração da existência de um mandado de prisão ou uma sentença de condenação contra a pessoa procurada; e
d. Uma declaração de que um pedido de entrega da pessoa procurada se seguirá.
3. A pessoa detida provisoriamente pode ser libertada da prisão preventiva se o Estado requerido não tiver recebido o pedido de entrega e os documentos comprovativos do pedido, tal como especificado no artigo 91.º, nos prazos previstos no Regulamento de Procedimento e de Prova. No entanto, a pessoa pode consentir na entrega antes do termo desse prazo, se a legislação do Estado requerido o permitir. Nesse caso, o Estado requerido procederá à entrega da pessoa ao Tribunal o mais rapidamente possível.
- O facto de a pessoa procurada ter sido libertada da detenção nos termos do n.º 3 não prejudica a sua detenção e entrega posteriores, se o pedido de entrega e os documentos que o justificam forem entregues posteriormente.
Artigo 93.o
Outras formas de cooperação
1. Os Estados Partes deverão, em conformidade com as disposições da presente Parte e de acordo com os procedimentos do direito nacional, satisfazer os pedidos do Tribunal no sentido de prestar a seguinte assistência em relação a investigações ou processos:
a. A identificação e o paradeiro de pessoas ou a localização de itens;
b. A obtenção de provas, incluindo depoimentos sob juramento, e a produção de provas, incluindo pareceres de peritos e relatórios necessários ao Tribunal;
c. O interrogatório de qualquer pessoa que esteja sendo investigada ou processada;
d. A citação ou notificação de atos, incluindo atos judiciais;
e Facilitar o comparecimento voluntário de pessoas como testemunhas ou peritos perante o Tribunal;
f. A transferência temporária de pessoas, nos termos do n.º 7;
g. O exame de locais ou sítios, incluindo a exumação e o exame de túmulos;
h. A execução de buscas e apreensões;
i. O fornecimento de registros e documentos, incluindo registros e documentos oficiais;
j. A proteção das vítimas e testemunhas e a preservação das provas;
k. A identificação, deteção e congelamento ou apreensão de produtos, bens, bens e instrumentos de crimes para efeitos de eventual confisco, sem prejuízo dos direitos de terceiros de boa-fé; e
l. Qualquer outro tipo de assistência que não seja proibida pela legislação do Estado requerido , com vista a facilitar a investigação e a repressão de crimes da competência do Tribunal.
2. O Tribunal tem poderes para dar garantias a uma testemunha ou a um perito que compareça perante o Tribunal de que não será processado, detido ou sujeito a qualquer restrição da liberdade pessoal pelo Tribunal em relação a qualquer ato ou omissão que tenha precedido a partida dessa pessoa do Estado requerido.
3. Sempre que a execução de uma determinada medida de assistência especificada num pedido apresentado nos termos do n.º 1 seja proibida no Estado requerido com base num princípio jurídico fundamental de aplicação geral existente, o Estado requerido deve consultar imediatamente o Tribunal para tentar resolver a questão. Nas consultas, deve ser ponderada se a assistência pode ser prestada de outra forma ou sujeita a condições. Se, após consultas, a questão não puder ser resolvida, o Tribunal alterará o pedido conforme necessário.
4. De acordo com o artigo 72, um Estado-Parte só poderá negar um pedido de assistência, no todo ou em parte, se o pedido disser respeito à apresentação de quaisquer documentos ou à divulgação de provas relacionadas com a sua segurança nacional.
5. Antes de indeferir um pedido de assistência nos termos da alínea l) do n.º 1, o Estado requerido examinará se a assistência pode ser prestada em condições especificadas ou se a assistência pode ser prestada numa data posterior ou de forma alternativa, desde que, se o Tribunal ou o Procurador aceitarem a assistência sob certas condições, o Tribunal ou o Procurador as respeitem.
6. Se um pedido de assistência for indeferido, o Estado Parte requerido informará imediatamente a Corte ou o Procurador das razões de tal indeferimento.
7. (a) O Tribunal pode solicitar a transferência temporária de uma pessoa sob custódia para fins de identificação ou para obter testemunho ou outra assistência. A pessoa pode ser transferida se estiverem preenchidas as seguintes condições:
i. A pessoa dá livremente o seu consentimento esclarecido à transferência; e
ii. O Estado requerido concorda com a transferência, sob reserva das condições acordadas por esse Estado e pelo Tribunal.
(b) A pessoa que está sendo transferida permanecerá sob custódia. Quando os objetivos da transferência forem cumpridos, o Tribunal retornará a pessoa sem demora ao Estado requerido.
8. (a) O Tribunal deve garantir a confidencialidade dos documentos e informações, exceto conforme necessário para a investigação e os procedimentos descritos na solicitação.
b. O Estado requerido pode, se necessário, transmitir documentos ou informações ao Procurador a título confidencial. O Procurador pode então usá-los apenas com o objetivo de gerar novas provas.
c. O Estado requerido pode, oficiosamente ou a pedido do Procurador, consentir posteriormente na divulgação desses documentos ou informações. Podem então ser utilizados como elementos de prova nos termos das disposições das partes 5 e 6 e em conformidade com o Regulamento Interno e Matéria de Prova.
9. a)
i) No caso de um Estado Parte receber pedidos concorrentes, que não sejam de entrega ou extradição, do Tribunal e de outro Estado em virtude de uma obrigação internacional, o Estado Parte esforçar-se-á, em consulta com o Tribunal e o outro Estado, por satisfazer ambos os pedidos, se necessário adiando ou condicionando um ou outro pedido. (ii) Caso contrário, os pedidos concorrentes serão resolvidos de acordo com os princípios estabelecidos no artigo 90.
b) Todavia, quando o pedido do Tribunal disser respeito a informações, bens ou pessoas que estejam sujeitas ao controlo de um Estado terceiro ou de uma organização internacional por força de um acordo internacional, os Estados requeridos informarão desse facto o Tribunal, que dirigirá o seu pedido ao Estado terceiro ou à organização internacional.
10. a) O Tribunal poderá, mediante pedido, cooperar com um Estado Parte que conduza uma investigação ou um julgamento e prestar assistência a ele relativamente a condutas que constituam um crime da competência do Tribunal ou que constituam um crime grave nos termos do direito nacional do Estado requerente.
b.
i) A assistência prestada nos termos da alínea a) incluirá, nomeadamente:
a .A transmissão de declarações, documentos ou outros tipos de provas obtidas no decurso de uma investigação ou de um julgamento conduzido pelo Tribunal; e
b. O interrogatório de qualquer pessoa detida por ordem do Tribunal;
ii. No caso de assistência referida na alínea b), subalínea i), a:
a. Se os documentos ou outros tipos de provas tiverem sido obtidos com a assistência de um Estado, essa transmissão exigirá o consentimento desse Estado;
b. Se as declarações, documentos ou outros tipos de prova tiverem sido prestados por uma testemunha ou perito, essa transmissão fica sujeita ao disposto no artigo 68.º.
c. O Tribunal poderá, nas condições estabelecidas no presente número, deferir um pedido de assistência ao abrigo do presente número por parte de um Estado que não seja Parte no presente Estatuto.
Adiamento da execução de um pedido relativo a uma investigação ou ação penal em curso
1. Se a execução imediata de um pedido interferir com uma investigação ou procedimento penal em curso de um caso diferente daquele a que se refere o pedido, o Estado requerido pode adiar a execução do pedido por um período de tempo acordado com o Tribunal. No entanto, o adiamento não pode exceder o necessário para concluir a investigação ou o procedimento penal no Estado requerido. Antes de tomar a decisão de adiar, o Estado requerido deve considerar se a assistência pode ser imediatamente prestada sob certas condições.
2. Se for tomada uma decisão de adiamento nos termos do n.º 1, o Procurador poderá, no entanto, requerer medidas de preservação da prova, nos termos da alínea j) do n.º 1 do artigo 93.º.
Artigo 95.o
Adiamento da execução de um pedido relativo a uma impugnação da admissibilidade
Quando houver uma impugnação de admissibilidade em consideração pela Corte nos termos dos artigos 18 ou 19, o Estado requerido poderá adiar a execução de um pedido nos termos desta Parte até que o Tribunal decida pela Corte, a menos que a Corte tenha ordenado especificamente que o Procurador possa prosseguir com a coleta de tais provas nos termos dos artigos 18 ou 19.
Conteúdo do pedido de outras formas de assistência ao abrigo do artigo 93.º
Os pedidos de outras formas de assistência referidas no artigo 93.º devem ser apresentados por escrito. Em casos urgentes, o pedido poderá ser feito por qualquer meio capaz de entregar registro escrito, desde que o pedido seja confirmado pelo canal previsto no artigo 87, parágrafo 1º, alínea a).
O pedido deve conter ou ser apoiado, consoante o caso, pelos seguintes elementos:
a. Uma declaração concisa do objetivo do pedido e da assistência solicitada, incluindo a base jurídica e os fundamentos do pedido;
b. O máximo de informações detalhadas possível sobre a localização ou identificação de qualquer pessoa ou local que deva ser encontrado ou identificado para que a assistência solicitada seja prestada;
c. Uma exposição concisa dos factos essenciais subjacentes ao pedido;
d. As razões e detalhes de qualquer procedimento ou requisito a ser seguido;
e. As informações que possam ser exigidas pela legislação do Estado requerido para executar o pedido; e
f. Quaisquer outras informações relevantes para a prestação da assistência solicitada.
A pedido da Corte, um Estado Parte consultará a Corte, de forma geral ou com relação a um assunto específico, sobre quaisquer requisitos de sua legislação nacional que possam ser aplicados nos termos do parágrafo 2 (e). Durante as consultas, o Estado Parte informará a Corte sobre os requisitos específicos de sua legislação nacional.
As disposições do presente artigo aplicam-se, se for caso disso, aos pedidos de assistência apresentados ao Tribunal.
Artigo 97.º Consultas
Quando um Estado Parte receber um pedido apresentado ao abrigo da presente parte em relação ao qual identifique problemas que possam impedir ou impedir a execução do pedido, esse Estado consultará sem demora o Tribunal a fim de resolver a questão. Tais problemas podem incluir, nomeadamente:
a. Informações insuficientes para executar a solicitação; b. No caso de um pedido de entrega, o facto de, apesar dos melhores esforços, a pessoa procurada não poder ser localizada ou de a investigação conduzida ter determinado que a pessoa no Estado requerido não é claramente a pessoa mencionada no mandado; ou c. O fato de que a execução do pedido em sua forma atual exigiria que o Estado requerido violasse uma obrigação de tratado pré-existente assumida em relação a outro Estado.
Cooperação em matéria de levantamento da imunidade e consentimento à entrega
- O Tribunal não pode dar seguimento a um pedido de entrega ou de assistência que exija que o Estado requerido atue de forma incompatível com as obrigações que lhe incumbem por força do direito internacional no que diz respeito ao Estado ou à imunidade diplomática de uma pessoa ou bens de um Estado terceiro, a menos que o Tribunal possa obter previamente a cooperação desse Estado terceiro para o levantamento da imunidade.
- O Tribunal não pode dar seguimento a um pedido de entrega que exija que o Estado requerido actue de forma incompatível com as obrigações que lhe incumbem por força de acordos internacionais nos termos dos quais é necessário o consentimento de um Estado acreditante para entregar uma pessoa desse Estado ao Tribunal, a menos que o Tribunal possa obter previamente a cooperação do Estado acreditante para dar o seu consentimento para a entrega.
Artigo 99.o
Execução dos pedidos ao abrigo dos artigos 93.º e 96.º
- Os pedidos de assistência serão executados em conformidade com o procedimento previsto na legislação do Estado requerido e, salvo se tal for proibido por essa legislação, da forma especificada no pedido, incluindo a aplicação de qualquer procedimento nele previsto ou a autorização para que as pessoas especificadas no pedido estejam presentes e prestem assistência no processo de execução.
- Em caso de pedido urgente, os documentos ou elementos de prova apresentados em resposta serão, a pedido do Tribunal, enviados com urgência.
- As respostas do Estado requerido serão transmitidas na sua língua e forma originais.
- Sem prejuízo de outros artigos da presente Parte, quando for necessário para a execução bem-sucedida de um pedido que possa ser executado sem quaisquer medidas coercivas, incluindo especificamente a entrevista ou a obtenção de provas de uma pessoa numa base voluntária, incluindo fazê-lo sem a presença das autoridades do Estado-Parte requerido, se for essencial que o pedido seja executado, e o exame sem modificação de um local público ou outro local público, o Procurador poderá executar tal solicitação diretamente no território de um Estado da seguinte forma: a. Quando o Estado Parte requerido for um Estado em cujo território o crime tenha sido alegadamente cometido e tiver sido determinada a admissibilidade em conformidade com os artigos 18 ou 19, o Procurador poderá executar diretamente esse pedido após todas as consultas possíveis com o Estado Parte requerido; b. Em outros casos, o Procurador poderá executar tal solicitação após consultas com o Estado-Parte requerido e sujeito a quaisquer condições ou preocupações razoáveis levantadas por esse Estado-Parte. Quando o Estado-Parte requerido identificar problemas com a execução de um pedido em conformidade com o presente parágrafo, consultará, sem demora, o Tribunal para resolver a questão.
- As disposições que permitem a uma pessoa ouvida ou inquirida pelo Tribunal nos termos do artigo 72.º invocar restrições destinadas a impedir a divulgação de informações confidenciais relacionadas com a segurança nacional aplicam-se igualmente à execução dos pedidos de assistência ao abrigo do presente artigo.
1. As despesas ordinárias de execução dos pedidos no território do Estado requerido são suportadas por este Estado, com excepção das seguintes, que são suportadas pelo Tribunal: a. Despesas relacionadas com a deslocação e segurança de testemunhas e peritos ou com a transferência de pessoas detidas, nos termos do artigo 93.º; b. Custos de tradução, interpretação e transcrição; c. Despesas de deslocação e estadia dos juízes, do procurador, dos procuradores-adjuntos, do secretário, do secretário-adjunto e do pessoal de qualquer órgão do tribunal; d. Custas de qualquer peritagem ou relatório solicitado pelo Tribunal; e. Custos associados ao transporte de uma pessoa que está sendo entregue ao Tribunal por um Estado de custódia; e f. Sob consultas, quaisquer custas extraordinárias que possam resutlar da execução da requisição.
As disposições do n.º 1 aplicar-se-ão, se for caso disso, aos pedidos dos Estados Partes no Tribunal. Nesse caso, o Tribunal suportará as despesas ordinárias da execução.
Artigo 101.o
Regra da especialidade
- Uma pessoa entregue ao Tribunal nos termos do presente Estatuto não pode ser processada, punida ou detida por qualquer conduta cometida antes da entrega, com excepção da conduta ou do curso de conduta que constitui a base dos crimes pelos quais foi entregue.
- O Tribunal pode solicitar uma derrogação dos requisitos do n.º 1 ao Estado que lhe entregou a pessoa e, se necessário, deve fornecer informações adicionais em conformidade com o artigo 91.º. Os Estados Partes terão autoridade para conceder uma renúncia à Corte e deverão se esforçar para fazê-lo.
Artigo 102.º Utilização dos termos
Para efeitos do presente Estatuto, entende-se por:
a. “entrega” significa a entrega de uma pessoa por um Estado à Corte, em conformidade com este Estatuto.
b. “Extradição” significa a entrega de uma pessoa por um Estado a outro, conforme previsto em tratado, convenção ou legislação nacional.
Acordo sobre os Privilégios e Imunidades da Corte Internacional Criminal
Resolução nº 5, expedido na 10ª Sessão da Assembleia dos Estados Membros da Corte Internacional Penal estabelecendo reforço e procedimento de cooperação com as decisões judiciais do Tribunal Internacional Penal, 21 de Dezembro de 2011.
Modificações introduzidas na Resolução nº 5, durante a 17ª Sessão da Assembleia dos Estados Membros, em 12 de Dezembro de 2018.
Decisão da 1ª Câmara de Pré-Julgamento do Tribunal Internacional, pela qual considerou a República do Malawi em situação de não-cooperação com o Tribunal Penal Internacional, em 13 de Dezembro de 2011.
Resolução nº 153 de 2005, pela qual o Conselho de Segurança da ONU requisita ao Promotor do TIP investigação de violação de direitos humanos em Darfur, Sudão, desde 1/7/2002.
Relatório do Conselho da Assembleia dos Estados Partes (de Novembro/20220)sobre Medidas Adotadas em face do Malawi e de Chad, que não cooperaram com a prisão do Presidente Sudanês. O Malawi acabou entendendo que não procedeu corretamente, mas o Chad não (conforme conclusão do relatório)
Compilação (da ONU) de decisões de cortes, tribunais e outros órgãos internacionais
Decisão de Prisão Preventida da 1ª Câmara de Pré-Julgamento do TIP contra Al-Bashir (4/3/2009)
Comunicado do Conselho de Paz e Segurança da União Africana, em 05/03/2009 expressando-se contrariando à prisão preventiva decretada pelo TIP contra o Presidente do Sudão, Al-Bashir
Carta da Liga das Nações Árabes (18/3/2009) expressando-se contra à ordem de prisão preventiva contra um Chefe de Estado em exercício
Declaração de Moscou de Outubro de 1943
Decisão de Não-Cooperação do Chad na Prisão de al-Bashir, 2ª Câmara de Pré-Julgamento do TIP (26/3/2013)
Estatuto de Roma de 1998
Regras de Procedimento e Prova
Decisão da Segunda Câmara de Pré-Julgamento sobre a Não-Cooperação da África do Sul de 6/7/2017 (não-prisão do Presidente Al-Bashir)
Decisão de Não-Cooperação da Mongólia (quanto à prisão do Presidente Putin) da 2ª Câmara de Pré-Julgamento, em 24/10/2024
Decisão da 2ª Câmara de Pré-Julgamento negando suspensão dos efeitos de sua decisão (no recurso de apelo da Mongólia)
Decisão de Não-Cooperação da Jordânia, proferida pela 2ª Câmara de Pré-Julgamento, em 11/12/2017
Julgamento de 06/05/2019, pelo qual a Câmara de Apelo rejeitou o recurso da Jordânia e manteve o julgamento de não-cooperação