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Introdução
O Tribunal Penal Internacional é uma corte jovem (estabelecida em 2012); em 14 de Março daquele mesmo ano, condenou Thomas Lubanga, militante da Força Patriótica para Liberação do Congo, sob acusação de haver usado crianças para combaterem pelo FPLC no conflito interno. Até o presente momento, passaram pelo TPI 32 casos, vários dos quais estão suspensos, outros foram arquivados. No quadro abaixo, todos os envolvidos em investigação da Corte Penal, desde o seu primeiro julgamento, em 2012. Uma imagem vale mais que muitas palavras.
A questão do reconhecimento, da obrigatoriedade e execução forçada de um julgamento de corte internacional é objeto de estudo desenvolvido dentro do Direito e Política dos Tribunais Internacionais.
Até o surgimento do Estatuto de Roma de 1998, o instrumento constitutivo da Corte Penal Internacional, todos os julgamentos internacionais se davam para resolver uma disputa entre os Estados interessados, não se aplicando o comando judicial aos Estados terceiros, não participantes do julgamento. Ou seja, o compliance da decisão judicial se resolvia entre as partes litigantes.
Acontece que a CPI apresenta em seus julgamentos duas particularidades. Primeira, é um julgamento penal sobre indivíduos; segunda, a ordem judicial contra o indivíduo vincula as cortes domésticas de todos os Estados membros do Estatuto, por força da Parte 9 do Estatuto, o qual dispõe sobre a cooperação internacional e assistência judicial.
O artigo 86 do Estatuto trata, especificamente, da obrigação geral de cooperar dos Estados membros: COOPERAÇÃO INTERNACIONAL E ASSISTÊNCIA JUDICIAL
Artigo 86
Obrigação Geral de Cooperar
Os Estados Partes deverão, de acordo com as disposições desse Estatuto, cooperar totalmente com a Corte em sua investigação e acusação de crimes da jurisdição da Corte.
Logo, a adesão ao Estatuto transforma os sistemas judiciais dos Estados aderentes em uma rede de jurisdição universal compulsória.
A obrigação de cooperação impõe o DEVER DE AGIR ao Estado membro que, por intermédio de seu Poder Executivo (Procuradoria Federal), ou através do seu Ministério Público, em face da Justiça Federal de 1ª Instância (no caso da República brasileira), colocará em andamento de pronto o mecanismo juridicário para que, de acordo com sua legislação doméstica relevante, seja executada a prisão do indivíduo. Para tanto, os pressupostos são que o indivíduo com ordem de prisão expedida pela Corte Penal Internacional esteja sob a jurisdição territorial do Estado, e a Corte solicita a cooperação para a sua prisão.
“Qual a consequência de o Estado membro do Estatuto de Roma não cumprir, no seu território jurisdicional, a ordem de prisão expedido pelo TIP?”
Representação à Assembleia dos Estados Membros do TIP
Como visto, o Estatuto impõe a obrigação de coooperação e estabelece que, no caso de falta de cooperação, haverá comunicação do evento à Assembleia dos Estados Partes, nos seguintes termos do § 5º do artigo 87:
“Quando um Estado Parte falha em cumprir com a solicitação de cooperação com a Corte, contrário às disposições estatutárias, pela qual impede a Corte de exercer suas funções e poderes sob esse Estatuto, a Corte pode fazer um julgamento nesse sentido e representar a matéria para a Assembleia dos Estados Partes…”
A Corte “pode”, é facultativo o julgamento de representação do Estado membro faltoso.
Mas, considerando que a Corte faça o julgamento e proceda à representação do Estado à Assembleia dos Estados Membros. O que acontece a partir daí?
Obrigação Estatutária “em Branco”
A Assembleia dos Estados Membros é o órgão colegial de cúpula e ao qual cabe a direção política e administrativa da organização intergovermental que abriga o Tribunal Internacional Penal. No seu artigo 112, § 2º, alínea f, o Estatuto dispõe que a Assembleia deverá:
“Considerar, de acordo com o artigo 87, parágrafos 5º e 7º, qualquer questão relativa à não-cooperação”.
Verifica-se, outrossim, que o Estatuto de Roma não prevê nenhuma consequência para a falta de cooperação do Estado com o Tribunal Penal Internacional, embora tal falta seja uma violação da obrigação de cooperação com a Corte. Consequentemente, tem-se uma obrigação em branco, já que existe o dever de agir, mas não há sanção por seu descumprimento.
“o Estatuto de Roma não prevê nenhuma consequência para a falta de cooperação do Estado com o Tribunal Penal Internacional”
Pressão Diplomática e Social
Não havendo uma consequência objetiva e específica para não-cooperação com as ordens do Tribunal Internacional Penal, especialmente, no cumprimento de ordem de prisão, a Assembleia dos Estados Membros emitiu resoluções para estabelecer procedimento de não-cooperação a ser seguido pela Assembleia. Assim, em sua décima sessão, a AEP (ASP) adotou o procedimento da Assembleia relativo a não-cooperação, em Dezembro de 2011 (vide documentos abaixo), com alterações posteriores.
A resolução apenas estabelece procedimento diplomático para persuadir o cumprimento da obrigação de cooperação com o TIP, não prevendo sanção ao Estado membro.
Por isso, a obrigação de cooperação da Parte 9 do Estatuto de Roma se considera uma obrigação em branco, não dispondo de mecanismo nem coerção, nem de punição por não-cooperação.
Caso do Político Sudanês Al Bashir
O caso do político Sudanês Al Bashir é o exemplo mais saliente de que o TIP não dispõe de mecanismo jurídico, nem politicamente eficiente, para forçar seus Estados membros a cooperarem com as decisões do TIP, quando aqueles não concordam com a decisão de prisão. No caso, nada obstante a existência de prévia ordem de prisão contra Al Bashir (confira documento abaixo), em procedimento penal iniciado pelo TIP por resolução do próprio Conselho de Segurança da ONU, esteve o político em visita ao Chad em 2011. Nada obstante o Estado africano ser membro do TIP desde 1/12/2007, recusou cooperação ao TIP, não cumprindo a ordem de prisão contra Al Bashir.
O mesmo se passou com a visita de Putin à Mongólia, em 3/9/2024.
Conclusão
Um Estado membro do Estatuto de Roma tem a obrigação internacional de cooperar com as ordens judiciais do TIP. Todavia, o tratado internacional não prevê nem um procedimento de coerção da ordem judicial do TIP, nem sanção para o Estado membro que nega cooperação.
Por isso, dizemos que a obrigação de cooperação estatutária com o TIP é uma obrigação em branco, a qual acaba por cair, finalmente, no escopo da boa vontade dos Estados membros.
O único meio de se empregar coerção para o cumprimento de uma ordem do TIP é através de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU.
1. Res. ICC-ASP/10/Res.5, adotada na 9ª reunião de 21/12/2011, por consenso.
2. Res. ICC ASP/17/Res adotada na 13ª reunião de 12/12/2018, por consenso.