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Introdução
Há poucos dias, recebi um e-mail de um Advogado brasileiro, que foi meu aluno de Direito Civil há 22 anos, na Faculdade de Itapetininga, interior de São Paulo. O ilustre causídico me questionou sobre a publicação em que critico (legalmente) a expedição de uma ordem de prisão pela Corte Internacional Penal contra o Presidente da Rússia, Vladimir Putin. Na mensagem, o ex-aluno se referiu à violência, aos horrores da guerra, ao sofrimento e, por fim, à morte de tantas crianças.
Sexta-feira, 29 de Novembro, em uma emocionante cerimônia em Washington, D.C., capital dos Estados Unidos, foi chamada pelo nome cada uma das crianças mortas na Ucrânia, representadas por cada um daqueles seiscentos ursinhos de pelúcia.
Aos 25 anos de idade, fui nomeado Juiz no Tribunal de Justiça de São Paulo, aposentando-me aos 57 anos. Daqueles 32 anos, trouxe lembranças brutais de crimes monstruosos. Um deles, arrasou-me, jamais saindo de minha lembrança. Uma menina de seis anos, na Comarca de Avaré (1994), foi sequestrada, estuprada, morta a marteladas no crânio e o corpo jogado a um riacho. No dia do julgamento, a principal testemunha do horrível caso repousava em um invólucro plástico bem sobre minha mesa: O martelo, em cuja orelha estava presa parte do couro cabeludo da menina. A paz de espírito do acusado era um capítulo à parte daquela estória real de terror.
Presidindo aquele julgamento verdadeiramente inesquecível, embora soubesse da culpa do réu (que negava a autoria), eu não intervim para que os juízes naturais do caso dessem o voto de seu julgamento. Diante da lei, àqueles jurados cabia julgar a culpa do réu. O meu papel era zelar para que o julgamento ocorresse dentro da lei.
Não quero dizer que a prática judicial é para pessoas frias e sem empatia; pelo contrário, a humanidade, acima mesmo do próprio profundo conhecimento da lei, deve ser o principal traço de um julgador. Todavia, a Justiça, a pretexto algum, pode se desgarrar da lei. O procedimento judicial é como o deslocamento de um trem. O Juiz não deve atingir um inocente que está na bitola, como também não pode sair dos trilhos para pegar um culpado.
Suspeição da Corte Penal
De qualquer maneira, o julgamento da Corte Penal Internacional (CPI), ao expedir ordem de prisão contra o Presidente Putin, não foi movida pela emoção de ver aqueles tristes ursinhos, o que seria ilegal do mesmo jeito, mas, de certa forma, menos recriminável por seu aspecto humanista; a razão foi política e, por isso, é um julgamento abominável para a Justiça Internacional, porque tira a fé na sua legitimidade, descredencia o Direito Internacional, dificulta os canais diplomáticos de mediação, infringe o caráter conciliador e imparcial do Juiz e, por fim, faz de si mesma, que deveria ser a última esperança de paz, a primeira a promover a própria guerra que, pretensamente, quer coibir.
“A Corte Internacional Penal é suspeita, porque recebeu dinheiro especificamente para investigar o “sequestro” de crianças na Ucrânia.”
Como se admitir que uma entidade judicial receba dinheiro para investigar e julgar? E não foi nem pouco dinheiro, nem dinheiro de países distantes e isentos. Foi muito dinheiro e doado por países diretamente envolvidos com o conflito Rússia-Ucrânia.
Vejamos. De acordo com os critérios das Nações Unidas, existem 193 Estados no mundo. Desses, apenas os europeus “contribuíram” numa caixinha para que o Tribunal Internacional Penal investigasse “sequestros de crianças ucranianas pelo presidente Putim”. São Áustria (Cem Mil Euros), Dinamarca (Cem Mil Dólares), União Europeia (Sete Milhões e Quinhentos Mil Euros), Estônia, Latvia, Lituânia, Polônia, Eslováquia e Ucrânia (Cem Mil Euros), França (Quinhentos Mil Euros), Alemanha, Países Baixos e Suécia (2 Milhões e Setecentos Mil Euros), Irlanda (3 Milhões de Euros) e Reino Unido (Um Milhão de Libras).
“São 13 Milhões e 500 Mil Dólares para investigar “sequestros” de crianças pelo presidente Putim no conflito militar com a Ucrânia!”
Trata-se de uma cifra financeira elevada, doada por países Europeus para que uma Corte, sediada na Europa, investigue crianças sequestradas em uma guerra que envolve interesses europeus.
Em Dezembro de 2022, a Corte Internacional Penal apresentou aos seus Estados Membros uma previsão (para 2023) orçamentária de € 175,327.4 (Cento e Setenta e Cinco Milhões, Trezentos e Vinte e Sete Mil Euros), levando em contra, entre outras atividades, a investigação da guerra na Ucrânia! Em Dezembro de 2023, a previsão orçamentária para 2024 foi de € 196,800,000 (Cento e Noventa, Seis Milhões e Oitocentos Mil Euros)!
O principal órgão das Nações Unidas, a Corte Internacional de Justiça, responsável por uma elevada carga de trabalho que recai sobre quinze Juízes, os quais julgam os mais complicados processos mundiais nos conflitos Estado-Estado, para o ano de 2023, apresentou um orçamento de € 28,463,200 (Vinte e Oito Milhões, Quatrocentos e Sessenta e Três Mil Euros). Mesmo levando em conta que a estrutura da Corte Internacional Penal é maior e mais complexa, trata-se de valores exorbitantes para os resultados que apresenta.
Das Regras de Suspeição da Corte
O artigo 41 do Estatuto de Roma, que é a espinha dorsal do Corte Internacional Penal, estabelece que os Juízes da Corte não podem participar de um julgamento no qual:
“sua imparcialidade possa estar razoavelmente em dúvida sob qualquer pretexto”.
Ora, imagina-se com que liberdade moral pode um Juiz da Corte Internacional Penal julgar um pedido de prisão contra o presidente da Rússia, por sequestro de crianças ucranianas, sabendo que um massivo volume financeiro foi injetado na Corte para “investigar” a Rússia, dado por nações Europeias envolvidas no conflito, quando o julgamento é realizado em Haia, no coração da Europa… Antes estivessem em Lisboa!
A posição que a Corte Internacional Penal adotou na guerra Rússia-Ucrânia, e sobretudo a rapidez com que agiu, não encontra precedentes e, infelizmente, sua decisão de determinar a prisão de um Chefe de Estado deve ser ignorada, mesmo pelos Estados Membros integrantes da Assembleia – órgão maior governador da instituição internacional que abriga a Corte Penal.
Os fatos articulados nessa publicação, que se encontram disponíveis à consulta pública na rede mundial de computadores, falam por si mesmos. Não há controvérsia sobre eles.
Ilegalidade da art. 27, §§ 1º e 2º, do Estatuto de Roma, a Estados Não-Aderentes Por Força do Artigo artigo 2º § 7º, da Carta da Organização das Nações Unidas
O problema da evidente suspeição da Corte Penal Internacional para julgar o Presidente Putin não é o maior dos argumentos legais.
Diz o artigo 2º § 7º, da Carta da Organização das Nações Unidas:
“Nada contido na presente Carta deverá autorizar as Nações Unidas a intervir em matérias que estão essencialmente na jurisdição doméstica de qualquer Estado ou EXIGIRÁ DOS MEMBROS SUBMETER TAIS MATÉRIAS AO JULGAMENTO SOB A PRESENTE CARTA; mas esse princípio não prejudicará a aplicação das medidas coercitivas sob o Capítulo Vll”.
O art. 27, §§ 1º e 2º, do Estatuto de Roma, que estende as ordens de prisão preventiva do TIP aos Chefes de Estado e de Governo, obrigando seus Estados aderentes a cooperar com seus juízes, por força do Parte 9 do mesmo Estatuto, aplica-se apenas aos Estados aderentes daquele Estatuto.
Estabelece o art. 27, §§ 1º e 2º, do Estatuto de Roma:
Artigo 27º
Irrelevância da capacidade oficial
1. O presente Estatuto aplica-se igualmente a todas as pessoas, sem distinção baseada em capacidade. Em especial, na qualidade oficial de Chefe de Estado ou de Governo, membro de Um governo ou parlamento, um representante eleito ou um funcionário do governo em caso algum isentará uma pessoa da responsabilidade penal nos termos do presente Estatuto, nem o deve, constitui, por si só, um fundamento de redução da pena.
2. Imunidades ou regras processuais especiais que podem estar associadas à qualidade oficial de uma pessoa, por força do direito nacional ou internacional, não impede o Tribunal de exercer a sua jurisdição sobre essa pessoa.
Realmente, como a Corte Interanacional de Justiça já decidiu antes mesmo da constituição do Tribunal Internacional Penal, no julgamento do Arrest Warrant of 11 April 2000 (Democratic Republic of the Congo v. Belgium), a imunidade dos Chefes de Estado, de Governo e de outros altos mandatários das Soberanias, é um privilégio relativo e jurisdicional, cuja respeitabilidade resultado próprio Direito Internacional Consuetuniário.
Eis uma passagem do julgamento da Corte Mundial:
“A imunidade de jurisdição de que gozam os Ministros dos Negócios Estrangeiros em exercício não significa que gozem de impunidade em relação a quaisquer crimes que possam ter cometido, independentemente da sua gravidade. A imunidade de jurisdição penal e a responsabilidade penal individual são conceitos bastante distintos. Enquanto a imunidade jurisdicional é de natureza processual, a responsabilidade penal é uma questão de direito substantivo. A imunidade jurisdicional pode muito bem impedir a instauração de processos judiciais durante um determinado período ou por determinadas infracções; não pode exonerar a pessoa a quem se aplica de toda responsabilidade criminal”.
Todos os países que são membros da ONU se comprometem com o respeito do princípio da não-intervenção nas Soberanias, por força do seu artigo 2º,§ 7º. Quando os 124 Estados da ONU aderiram ao Estatuto de Roma de 1998, em face do seu artigo art. 27, §§ 1º e 2º, renunciaram a imunidade jurisdicional para si e entre si mesmos. Logo, entre si, estão obrigados uns a cumprir prisão preventiva de outros.
Por certo, a Carta da ONU se sobrepõe ao Estatuto de Roma pelo princípio da anterioridade, e não se aplica o Estatuto de Roma aos Estados não-aderentes pela força inversa do princípio da santidade dos tratados internacionais.
Por isso, pelo vários ângulos que se examina a prisão preventiva de Putin – e o mesmo se aplica ao Primeiro-Ministro Netanyahu -, a outra conclusão não se pode chegar que se trata de perigosa ilegalidade.
Recentemente, no dia 28 de Novembro, a propósito, questionado o Governo Francês se prenderia o Presidente Putin em uma visita ao país, o Governo Francês quedou-se silente, segundo a Reuters.
Todavia, não podem exigir que um Estado que não aderiu ao Estatuto e que por isso mesmo não renunciou ao artigo 2º,§ 7º da Carta de São Francisco, sujeite-se àquela mesma renúncia, tampouco pode o TIP exigir o cumprimento da obrigação de cooperação de sua Parte 9 de um Estado membro contra um Estado que não é membro…
É de clareza solar essa questão jurídica, que contrasta com o obscuro pano de fundo político das decisões do TIP.
Todavia, o Tribunal Internacional Penal é, em termos de Justiça Internacional, um ponto fora da curva e que se tido conduta desastrosa no cenário internacional, inclusive, ao não afastar do cargo de Procurador o Sr. Karin, acusado de abuso sexua contra uma Advogada. Trata-se de evento sem precedentes, e que por isso deve ser lembrado no contexto de qualquer discussão em que o TIP participe. A propósito, a investigação do Procurador foi confiada a uma comissão externa à Corte, que não confiou a apuração ao seu próprio organismo watchdog interno.
Por suas façanhas, o TIP tende a se desprestigiar. É nítida a sua politização, a sua europeização, o que se verifica pelo seu compasso com os acontecimentos políticos internacionais de interesse da Europa. Há muito, Haia deixou de ser uma cidade neutra.
Infelizmente, fora dos círculos legalistas do direito internacional, onde se sabe que o TIP é uma excepcionalidade que deve ser ceifada, aquele desprestígio, repercurtirá seus efeitos negativos irrestritadamente, atingindo a reputação histórica inconsútil da própria Corte Internacional de Justiça.
Espero, dessa maneira, ter convencido o ex-aluno e atual colega das razões pelas quais tenho me batido pela ilegalidade da prisão do Presidente Putin da Rússia (e do Primeiro-Ministro Netanyahu igualmente).
Como é a Corte Financiada – International Criminal Court: How is the Court Funded? — London Politica, consultado em 1/12/2024.