Desde a fase do Império, o Brasil é um país com sério engajamento no Direito Internacional, não só por sua conduta ética irrepreensível no cenário mundial legal, como também pela relevância da participação de seus juristas no campo da Justiça Internacional.
A Questão Christie e o Julgamento do Rei dos Belgas
Fato memorável é o evento que se notabilizou como a “Questão Christie”, batizada assim em função de um embaixador britânico no Brasil que, na época do Império, desrespeitou o Brasil, suas leis e autoridades. Nada obstante a atitude do diplomata Inglês, chamado de “lacaio” e “imbecil” pela imprensa norte-americana (The New York) na edição de Domingo, 29 de Março de 1863, o Imperador D. Pedro II se manteve digno e firme em suas posições de evitar conflitos internacionais pela sujeição das diferenças entre o Brasil e a Grã-Bretanha ao julgamento imparcial de uma arbitragem internacional, sem se submeter ao que ficou, mundialmente, conhecido como um ato abusivo da Grã-Bretanha contra, na ocasião, o seu maior parceiro comercial, o “jovem Estado brasileiro”.
No contexto do impasse entre o Brasil e a Grã-Bretanha, de três questões (indenização pela carga de um navio que naufragou na costa brasileira, abuso na prisão de oficiais britânicos arruaceiros no Rio de Janeiro e bloqueio da baía de Guanabara por navios ingleses), apenas o fato da prisão dos militares arruaceiros da marinha britânica é que foi objeto de julgamento arbitral, já que os outros dois incidentes não contaram com a concordância do governo britânico para ser submetido a um julgamento internacional.
A imprensa norte-americana ironizou que o julgamento arbitral foi levado ao Rei Leopoldo I, rei dos Belgas, já que o monarca era tio da rainha britânica e pensionado pelo governo inglês.
Contudo, em seu julgamento1 de 22 de Junho de 1863, o Rei sentenciou que as autoridades brasileiras não tinham desrespeitado a marinha britânica por aplicar a lei brasileira aos ingleses arruaceiros que, inclusive, não estavam com seus uniformes de trabalho.
A participação do Barão de Itajubá no Julgamento de uma causa britânica em 1872
Não muito tempo depois, os caminhos da Justiça Internacional levariam o Brasil a um novo encontro com a Grã-Bretanha. O destino mudara os lugares das cadeiras.
Estando em conflito dessa vez com os Estados Unidos, a Grã-Bretanha era acusada de ter violado a sua palavra de neutralidade na Guerra de Secessão acontecida nos Estados Unidos (1861-65), o que teria causado danos de grande monta ao Governo americano, cujas embarcações eram atacadas por navios secessionistas armados nos estaleiros ingleses.
Em 8 de Maio de 1871, aqueles dois governos assinaram o Tratado de Washington concordando que uma Comissão Internacional de 5 Juristas julgasse a ação americana contra os britânicos, a qual se tornou conhecida no Direito Internacional como Alamaba Claims (em referência aos ataques do confederado corsário Alamaba2).
Um dos cinco juristas a julgar o caso era o brasileiro Barão de Itajubá.
A Corte Arbitral se reuniu para o julgamento em território neutro, Genebra, e proferiu seu julgamento condenando a Grã-Bretanha a pagar para os Estados Unidos $15,5 milhões de dólares.
Inconformado com a derrota, depois de se atrasar meia hora para o julgamento, o jurista inglês, Alexander Cockburn, retirou-se do tribunal, recusando-se a assinar o julgamento de 14 de Setembro de 1872, deixando os presentes atônitos com seu destempero.
Segundo a publicação de domingo, 15 de Setembro de 1872, NYT, o Presidente do Tribunal, Conde Sclopis, ao encerrar o julgamento, foi aplaudido pelos presentes, uma pequena multidão composta por senhoras, representantes dos governos e jornalistas.
Então, seguiu-se uma saraivada de doze tiros em honra daquele julgamento que se tornaria o mais importante da história moderna das adjudicações internacionais.
A Justiça Internacional fazia, assim, justiça ao Brasil que, então, entrava para seus anais não como réu condenado por faltar com seus compromissos internacionais, e sim como Juiz
O pagamento foi feito e o recibo americano de quitação levado para a Inglaterra, onde se encontra até hoje pendurado na residência do Primeiro Ministro como uma “lembrança do custo de não se cumprir a palavra”.
Comitê de Juristas Internacionais de 1920
Com o encerramento da Primeira Guerra Mundial, reunido em Londres, em Fevereiro de 1920, o Conselho da Liga das Nações Unidas, acatando a orientação de Léon Bourgeois, decidiu constituir um Comitê de Juristas Internacionais, o qual se desincumbiria de apresentar um relatório técnico sobre a instalação do primeiro tribunal internacional de justiça global. Entre os dez juristas escolhidos para uma tarefa histórica tão importante, havia um brasileiro, Clóvis Bevilacqua (que veio a ser substituído no curso dos trabalhos por Raoul Fernandes.
Mais uma vez, as linhas do destino da Justiça Internacional eram traçadas pela mão de um brasileiro.
I Conferência de Paz de Haia de 1899: Brasil ficou ausente
A 1ª Conferência de Paz de Haia, realizada entre 18 de Maio e 29 de Julho de 1899, foi um marco para a Justiça Internacional, porque por ela se criou a Corte Permanente de Arbitragem, o primeiro órgão internacional de natureza global instituído com o objetivo de servir de um mecanismo de solução pacífica de conflitos entre os Estados.
Curiosamente, como intitula3 Geoffrey em seu artigo, foi uma conferência de paz e um século cheio de guerra!
Mas, estando o Brasil entre os 56 Estados convidados a participar da Conferência de Paz de Haia, que foi uma iniciativa do Czar Nicolau II da Rússia, a ausência do Brasil não se deu por motivo internacional, e sim por problemas políticos e econômicos internos graves que o país vinha enfrentando.
A República do Brasil (instalada em 15/11/1889) era ainda muito imatura e estava no seu quarto Presidente, Campos Sales, e sofria alta inflação, desvalorização monetária, aumento de dívida externa e instabilidades institucionais que repercutiam de governos passados.
Dessa maneira, o Presidente Campos Sales, pelos canais diplomáticos, apresentou suas justificativas para o Brasil não aceitar o convite.
Eméritos Juristas do Célebre Julgamento Alabama Claims
Naquela noite célebre de 14 de Setembro de 1872, Genebra oferece um banquete aos Árbitros do Julgamento Histórico de 1872. Amargo, ausentou-se o jurista inglês Cockburn; ia voltar para Londres com o “Alabama” debaixo do braço e uma dívida milionária para pagar. Evidentemente, o episódio foi superado. O Sr. Christie era muito pequeno, mas o Reino Unido é um grande país, uma antiga nação que tem muito a ensinar ao jovem, pacífico e jurista Brasil
[1] Anais dos Julgamentos Arbitrais da ONU: https://legal.un.org/riaa/states/united_kingdom.shtml
[2] https://history.state.gov/milestones/1861-1865/alabama
[3] Best, Geoffrey. “Peace Conferences and the Century of Total War: The 1899 Hague Conference and What Came After.” International Affairs (Royal Institute of International Affairs 1944-), vol. 75, no. 3, 1999, pp. 619–34. JSTOR, http://www.jstor.org/stable/2623639. Accessed 13 June 2023.
[4] The New York Times