Alisadores de Cabelo: Um Provável Problema para a Justiça
Assim como os cigarros puderam ser livremente fumados por décadas, com atores hollywoodianos incentivando o charme de ser um fumante, sem que as pessoas usuárias estivessem conscientes dos grandes males generalizados para a saúde que o fumo causa, enquanto a indústria do fumo enriquecia, variados produtos relativos à estética fazem a riqueza de uma indústria crescente nos dias de hoje.
Quanto aos cosméticos, pesquisas recentes aprofundam a probabilidade de que produtos capilares alisadores constituem graves ameaças à saúde das pessoas, especialmente, o de seu público-alvo, as mulheres afrodescendentes.
A notícia publicada pelo NEW YORK TIMES (The Morning) revela que o uso constante e ao longo dos anos de alisadores de cabelos está associado ao surgimento de miomas uterinos, parto prematuro, infertilidade e cânceres (mama, ovário e útero), muitos dos quais afetam desproporcionalmente mulheres afrodescendentes.
Os médicos envolvidos nas pesquisas informam que suas experiências levam à busca da conexão entre os agentes químicos dos alisadores e as disparidades raciais na saúde reprodutiva que os cientistas têm se esforçado para explicar por décadas.
“Um seminal estudo em 2022 acompanhou quase 34 mil mulheres por uma década. E concluiu que aquelas que fazem uso frequentemente de produtos químicos alisadores de cabelos tem mais que o dobro de chance de desenvolver câncer de útero em comparação às mulheres que não usam”.
The New York Times
Na Europa, a legislação regula mais de 1.300 ingredientes que são empregados em cosméticos, um dado que mostra a preocupação da Comunidade Europeia com a saúde a partir da vaidade.
Direito do Consumidor no Brasil
A questão jurídica que emerge do estudo reflete-se no Direito do Consumidor. Incontáveis mulheres têm sido expostas a risco de saúde, sem que as informações relativas a tais riscos sejam claramente noticiadas nas embalagens dos produtos para alisamento capilar, ao menos, para que as usuárias possam estar precavidas. Essa falta de conscientização traz sob sua franja a omissão do Poder Público e, em especial, das autoridades sanitárias. No caso do Brasil, a ANVISA.
Evidentemente, uma prova conclusiva de que uma mulher desenvolveu um câncer, teve parto prematuro ou infertilidade por causa do uso prolongado de alisante é muito difícil. Todavia, a ausência das informações nos rótulos dos produtos para prevenção das usuárias, por si só, caracteriza patente ilegalidade grave na relação de consumo por vulnerar expresso mandamento legal do Código de Defesa do Consumidor, já que o risco e o perigo constituem, por eles mesmos, violações ao direito de segurança à saúde da pessoa, ainda que não se concretize a doença como o resultado material, tanto na prestação de serviços quanto no fornecimento de produtos.
Processos já Iniciados na Justiça Federal Norte-Americana
Nos Estados Unidos, já estão em andamento na Justiça Federal inúmeras ações movidas em caráter individual ou coletivo contra empresas importantes tais como a L´Oréal.
Um dos processos individuais, e que nos lembra bastante as ações que foram ajuizadas há vinte anos contra as empresas fabricantes de cigarros como a Souza Cruz, é de Jenny Mitchell. Ela começou a fazer uso de alisantes capilares em 2000 e permaneceu usando os produtos até 2022. Em Agosto de 2018, Mitchell foi diagnosticada com câncer uterino e teve que se submeter a uma total histerectomia, sendo que não existe em sua história familiar nenhum registro de qualquer tipo de câncer.
É sabido que alisadores de cabelos contém produtos associados com o aumento do risco de câncer, incluindo o formol, ftalatos, metais e parabenos, os quais podem ser facilmente absorvidos pelo corpo pelo couro cabelo, que “queima” e sofre “abrasões” provocadas pelos químicos alisantes.
“O fato de que essas companhias terem por alvo o público Afro-Americano de mulheres para o seu próprio interesse lucrativo e sem considerar os riscos sérios de saúde que causam seus produtos, é um sério erro que precisa ser corrigido. Nós começamos esse processo para tentar obter justiça para aquelas mulheres e suas famílias”
Debrosse Zimmermann da Ben Crump, Advogada de uma firma de advogados nos Estados Unidos
Insuficiência de Informação para Segurança dos Consumidores nas Embalagens
Verifica-se, dessa maneira, que a gravidade do uso e os perigos à saúde pela exposição do corpo aos alisantes requer controle que vai muito além das prescrições hoje contidas na Resolução nº 409/20 da ANVISA, a qual determina uma advertência de que o produto pode “causar irritação ou alergia”.