Corte Internacional Penal: Jurisdição como Instrumento de Pressão


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“Aqueles que não cumprirem a lei, não terão do que reclamar mais tarde, quando meu gabinete agir”

Karim Khan

Essas são palavras empregadas pelo procurador da Corte Penal Internacional (CIP), as quais reverberaram pela imprensa mundial. Elas ressoam a ordem de prisão que o procurador britânico postula, junto a Primeira Câmara de Pré-Julgamento do CIP.

Foi a primeira vez que um procurador pede a prisão de um Chefe de Estado cuja política é apoiada por aliados ocidentais, especialmente, o mais importante deles, os Estados Unidos onde, provavelmente, ao lado do problema da imigração, deve ser um dos mais sérios assuntos enfrentados pelo Presidente Joe Biden. O alvo é o Primeiro-Ministro israelense Benjamin Netanyahu.

Avaliando as palavras de Karim fora do contexto em que se encontram, excessivamente midiáticas, recordam as palavras de um outro britânico, o embaixador William Dougal Christie, cujo nome fez história no Brasil por ter sido responsável por um conflito que quase gerou uma guerra entre o Império do Brasil e da Grã-Bretanha, no século XIX. Naquele tempo, atribui-se a Christie ter dito que “ensinaria ao Brasil uma lição”.

Ao que parece, o procurador Karim Khan também quer ensinar a Israel uma lição.

Não se pode fazer da Justiça um instrumento que se justifica pelos fins a que se destina. Por mais terrível que sejam as perdas humanas no conflito entre Israel e Hamas na Faixa de Gaza, a crueldade que ali crassa precisa ser resolvida pelos canais legalmente apropriados e as responsabilidades aplicadas pelas autoridades certas.

O primeiro ponto é que o Estado que não é membro de um tratado internacional que permita seus cidadãos serem processados por cortes não-nacionais, tem o direito de se opor a que um nacional seu seja processado por um organismo judicial não-doméstico. Essa premissa se torna ainda mais saliente quando o nacional é o Chefe do Estado que é a representação carnal da soberania daquele Estado. Assim, o Tratado de Roma instituidor da CIP não pode afetar um Estado que não consentiu com ele.

Se o Primeiro-Ministro Israelense está cometendo crimes de guerra ou contra a humanidade, a sua responsabilização precisa ser feita no plano doméstico das instituições judiciais israelenses. Acontece que, por ocupar o cargo de Chefe de Estado, Netanyahu se encontra em uma posição que politicamente o blinda de uma rápida ação judicial, a qual dependerá da definição de sua sorte política dentro do país, ou de Comissões Investigativas cuja formação é complicada. Mas, de qualquer maneira, a ONU está envolvida na investigação dos acontecimentos na Faixa de Gaza, especificamente, os desdobramentos dos fatos ocorridos em 7/10/2023, através da Comissão de Inquérito da ONU no Território Ocupado da Palestina, incluindo Jerusalém Oriental e Israel.

Legitimamente, o instrumento de pressão internacional para remover os entraves de uma investigação doméstica imediata de Israel (pelos acontecimentos desumanos na Faixa de Gaza) depende do Conselho de Segurança da ONU, onde também não há unanimidade para uma atitude direta contra Netanyahu, que tem o apoio dos Estados Unidos e, portanto, não é possível uma resolução contra Israel.

A própria sociedade tem sido um contundente elemento de pressão para que Netanyahu não dê prosseguimento à guerra na Faixa de Gaza.

Outro importante foco de pressão sobre Israel vem de seu mais fiel aliado, os Estados Unidos que apoia um plano de trégua em Gaza.

Hoje, 7 de Junho de 2024, faz oito meses de guerra na Faixa de Gaza e a ONU incluiu Israel na Lista de Exércitos que Cometem Violações contra Crianças.

A investigação da CIP sobre Netanyahu, afora encontrar obstáculo na ausência de consentimento do Estado de Israel, também é barrada pelo princípio da complementaridade, à medida que, conforme os termos explícitos do Art. 17 do Estatuto de Roma, combinado com o Art. 1º, o movimento do mecanismo judiciário da corte depende, entre outras condições, da inexistência de inadmissibilidades.

Entre aquelas inadmissibilidades, emerge o princípio da complementaridade, ou seja, a de que a CIP agirá apenas quando há omissão ou incapacidade do Estado (cujo indivíduo é apontado como criminoso a ser investigado) na investigação.

Não se pode considerar que há omissão dos mecanismos de Estado de investigação do Governo de Israel.

A Procuradora-Geral Israelense, Gali-Baharav-Miara, oficiou ao Secretário de Gabinete, Yossi Fuchs, solicitando a criação de uma Comissão de Inquérito por iniciativa do próprio Governo que, em resposta, negou alegando que “o tempo não está maduro” para tão resolução.

O próprio Ministro de Gabinete da Guerra, Benny Gantz, que também preside o Partido da Unidade Nacional, oficiou ao Secretário de Gabinete do Governo requerendo a instauração de uma Comissão[1] Independente por iniciativa de resolução do próprio Governo. Na verdade, já está em andamento uma proposta de dissolução do gabinete de governo de Netanyahu.

O que se discute, então, além das questões técnicas jurídicas aqui abordadas e que não foram consideradas no relatório emitido pelo painel de juristas de direito internacional reunido pelo procurador Karim, é a conveniência  da postura do procurador da Corte Penal Internacional como protagonista político no seio de uma instituição judicial, a meio de uma guerra sanguinolenta em andamento.


[1] Comissões Estatais de Inquérito podem ser estabelecidas por Resolução do Governo ou pelo Comitê de Controle do Estado do Knesset (Parlamento Unicameral de Israel). Tais comissões são constituídas de um painel de membros selecionados pelo Presidente da Suprema Corte entre Ministros em exercício ou aposentados da própria Corte ou Magistrados de Cortes Distritais.

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