Introdução
O direito à saúde e à assistência à saúde são universais, assegurados no direito internacional e na Constituição Federal do Brasil, em seu artigo 196.
Existe diferença entre o direito à saúde e o direito à assistência à saúde, já que esse pressupõe a condição de necessidade de cuidados para a restauração da saúde. Nesse post, tratamos de saúde no sentido genérico, abrangendo indiferentemente ambos os direitos.
O objetivo desse post é trazer algumas reflexões jurisprudências sobre a universalidade do direito à saúde, sua extensão (direito a procedimento médico no exterior) e eventuais restrições, no que diz respeito a temais como a hipossuficiência financeira como requisito para acesso ao SUS (serviços, medicamentos, órteses e próteses).
Ainda, abordaremos outros aspectos processuais relevantes (quanto à competência, legitimidade passiva e instrumento processual), além de temas materiais como o direito à procedimento médico no exterior, prótese, medicamentos ausentes da lista do SUS e sem registro na ANVISA.
Verdadeiramente, a saúde é uma questão altamente judicializada no Brasil e a caracterização do direito à saúde (e da assistência à saúde) é, na prática, um direito de natureza common law, visto que o direito à saúde se encontra delineado pela jurisprudência em um sistema de precedentes, sob a forma de temas e súmulas.
Por isso, é de enorme importância prática confrontar-se qualquer questão prática de saúde com os precedentes jurisprudenciais.
Universalidade do SUS. Extensão e Restrição
O direito à saúde no Brasil, por ser universal, é garantido a todos, sem restrição de acesso a medicamentos, produtos, serviços e outras tecnologias em saúde providos pelo sistema público de saúde. Por isso, o princípio geral é de que o sistema público de saúde não se destina às pessoas pobres, e sim a quaisquer pessoas, independentemente de condição social.
Nada obstante aquela universalidade, há restrições pontualmente aplicáveis, não em função da fortuna da pessoa, mas em razão de sua pretensão.
Exceção à Universalidade: Tema nº 6 (medicamentos registrados na ANVISA e não incorporado ao SUS)
O acesso ao sistema público de saúde não será universal em situações específicas, quando a pessoa deseja o serviço, medicamento ou equipamento não incorporados (padronizados) ao SUS. Sob tais condições especiais, o Estado está desobrigado a prover a pessoa, a menos que seja ela financeiramente hipossuficiente.
Quando se trata de fornecimento de medicamentos (registrados na ANVISA), mas não previstos na lista de dispensação do Sistema Único de Saúde, de acordo com o Tema nº 6, Leading Case RE 566471, sob relatoria do Ministro Relator Marco Aurélio, ficaram estabelecidas condições para que, judicialmente, sejam fornecidos aqueles medicamentos, sendo um deles hipossuficiência financeira, conforme a seguinte tese:
1. A ausência de inclusão de medicamento nas listas de dispensação do Sistema Único de Saúde – SUS (RENAME, RESME, REMUME, entre outras) impede, como regra geral, o fornecimento do fármaco por decisão judicial, independentemente do custo. 2. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento registrado na ANVISA, mas não incorporado às listas de dispensação do Sistema Único de Saúde, desde que preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos, cujo ônus probatório incumbe ao autor da ação: (a) negativa de fornecimento do medicamento na via administrativa, nos termos do item ‘4’ do Tema 1234 da repercussão geral; (b) ilegalidade do ato de não incorporação do medicamento pela Conitec, ausência de pedido de incorporação ou da mora na sua apreciação, tendo em vista os prazos e critérios previstos nos artigos 19-Q e 19-R da Lei nº 8.080/1990 e no Decreto nº 7.646/2011; c) impossibilidade de substituição por outro medicamento constante das listas do SUS e dos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas; (d) comprovação, à luz da medicina baseada em evidências, da eficácia, acurácia, efetividade e segurança do fármaco, necessariamente respaldadas por evidências científicas de alto nível, ou seja, unicamente ensaios clínicos randomizados e revisão sistemática ou meta-análise; (e) imprescindibilidade clínica do tratamento, comprovada mediante laudo médico fundamentado, descrevendo inclusive qual o tratamento já realizado; e (f) incapacidade financeira de arcar com o custeio do medicamento. 3. Sob pena de nulidade da decisão judicial, nos termos do artigo 489, § 1º, incisos V e VI, e artigo 927, inciso III, § 1º, ambos do Código de Processo Civil, o Poder Judiciário, ao apreciar pedido de concessão de medicamentos não incorporados, deverá obrigatoriamente: (a) analisar o ato administrativo comissivo ou omissivo de não incorporação pela Conitec ou da negativa de fornecimento da via administrativa, à luz das circunstâncias do caso concreto e da legislação de regência, especialmente a política pública do SUS, não sendo possível a incursão no mérito do ato administrativo; (b) aferir a presença dos requisitos de dispensação do medicamento, previstos no item 2, a partir da prévia consulta ao Núcleo de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NATJUS), sempre que disponível na respectiva jurisdição, ou a entes ou pessoas com expertise técnica na área, não podendo fundamentar a sua decisão unicamente em prescrição, relatório ou laudo médico juntado aos autos pelo autor da ação; e (c) no caso de deferimento judicial do fármaco, oficiar aos órgãos competentes para avaliarem a possibilidade de sua incorporação no âmbito do SUS.
Hipossuficiência Financeira Irrelevante
Por outro lado, sendo a medicação pretendida padronizada, repita-se, prevista na lista de dispensação do Sistema Único de Saúde, a sua obtenção não requer seja a pessoa hipossuficiente financeiramente. Nesse sentido, já decidiu o TJSC:
“FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO PADRONIZADO (“AZUKON”). CONJUNTO PROBATÓRIO QUE DEMONSTRA A ADEQUAÇÃO DO FÁRMACO PARA O TRATAMENTO DA DOENÇA, COMO TAMBÉM A IMPOSSIBILIDADE DA SUA OBTENÇÃO NA VIA ADMINISTRATIVA. FORNECIMENTO DO FÁRMACO DEVIDO. SENTENÇA REFORMADA NESTE PARTICULAR. “Para a concessão judicial de remédio ou tratamento constante do rol do SUS, devem ser conjugados os seguintes requisitos: (1) a necessidade do fármaco perseguido e adequação à enfermidade apresentada, atestada por médico e, concomitantemente; (2) a demonstração, por qualquer modo, de impossibilidade ou empecilho à obtenção na via administrativa (Tema 350 do STF).” Na hipótese em análise restaram preenchidos todos os requisitos necessários para o fornecimento do medicamento Azukon (Gliclazida), razão pela qual a sentença deve ser reformada no ponto a fim de condenar o ente ao fornecimento do fármaco à parte autora”(TJ-SC – Apelação Cível 30812420128240282 Jurisprudência/Acórdão, publicado em 04/06/2019).
Idêntico raciocínio se apresenta caso seja necessária a obtenção de uma prótese:
Saúde. Sistema Único de Saúde. Fornecimento de prótese. Obrigação do Poder Público. Responsabilidade solidária. Obrigação do Estado de São Paulo. Necessidade provada por laudo médico. Pedido amparado no artigo 196 da Constituição Federal. Inexistência de infração às normas e princípios que informam a Administração, o orçamento e o SUS. Recurso provido. (TJ-SP – RI: 10074109120208260099 SP 1007410-91.2020.8.26.0099, Relator: Lucas Pereira Moraes Garcia, Data de Julgamento: 18/02/2022, 2ª Turma Cível e Criminal, Data de Publicação: 18/02/2022)
De igual sorte, a pretensão de obtenção de uma cirurgia urgente pelo SUS, o que pode ser deferido independentemente da condição financeira da pessoa:
PROCESSO Nº 0801773-07.2019.4.05.0000 – AGRAVO DE INSTRUMENTO AGRAVANTE: S. F. D. S. REPRESENTANTE (PAIS): MARIA LUCIA GOMES DA SILVA REPRESENTANTE: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO AGRAVADO: UNIÃO FEDERAL e outros RELATOR (A): Desembargador (a) Federal Manoel de Oliveira Erhardt – 4ª Turma MAGISTRADO CONVOCADO: Desembargador (a) Federal Emiliano Zapata De Miranda Leitao PROCESSO ORIGINÁRIO: 0807606-75.2018.4.05.8201 – 6ª VARA FEDERAL – PB EMENTA CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. TRATAMENTO MÉDICO. DIREITO À VIDA E À SAÚDE. ART. 196 DA CF/88. INQUESTIONÁVEL DEVER DO ESTADO. ESCOLIOSE IDIOPÁTICA. PRESCRIÇÃO MÉDICA DE CIRURGIA. URGÊNCIA. TRATAMENTO INCORPORADO AOS ATOS NORMATIVOS DO SUS. DEVER DE REALIZAR A CIRURGIA CONFIGURADO. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. 1. A decisão agravada indeferiu tutela antecipada que tinha por objeto compelir os réus, solidariamente, à realização direta ou ao custeio do procedimento cirúrgico indicado pelo médico assistente – artrodese + osteotomias de múltiplos segmentos, sob monitorização neurofisiológica intra-operatória – para tratamento de escoliose idiopática grave. 2. É obrigação do Estado, no sentido genérico (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros o acesso à medicação e tratamentos necessários para a cura de suas mazelas, em especial, as mais graves, como acontece no caso em tela. Sendo o SUS composto pela União, Estados e Municípios, impõe-se a estes entes a efetivação do tratamento. 3. No caso, o tratamento pleiteado é imprescindível e urgente, conforme laudos médicos acostados aos autos, estando incorporado aos atos normativos do SUS, segundo informação da própria União, por meio de Nota Técnica do Ministério da Saúde. 4. Não elide a urgência do tratamento o simples fato de haver decorrido certo lapso de tempo entre a indicação formal de cirurgia e o ajuizamento da demanda, mormente porque comprovadas as inúmeras tentativas malfadadas de obtenção do tratamento na rede pública de saúde. 5. Agravo provido, para determinar a realização ou o custeio da cirurgia pleiteada. (TRF-5 – AGRAVO DE INSTRUMENTO: 0801773-07.2019.4.05.0000, Relator: EMILIANO ZAPATA DE MIRANDA LEITAO (CONVOCADO), Data de Julgamento: 11/06/2019, 4ª TURMA)
Verifica-se, outrossim, que será universal o acesso aos serviços médicos e hospitalares do Sistema Único de Saúde do Brasil a qualquer brasileiro; porém, o atendimento é prestado de acordo com a disponibilildade do sistema. Havendo omissão ou negação administrativa do sistema em prover algum serviço, a demanda judicial dele não será condicionada à prova pela pessoa de que é ela necessitada em termos financeiros.
Fila de Espera no SUS
Sendo universal o sistema de saúde do Brasil, a promoção do direito coordenada pela União com a conjugação dos esforços dos Estados e Municípios, e mais o reforço das entidades particulares conveniadas, o atendimento à necessidade de uma população de 212,6 milhões de habitantes não poderá ser facilmente atendida, mesmo considerando que uma parte (51 milhões de cidadãos) tem plano de saúde e, portanto, não depende do sistema público. Então, naturalmente, é de se esperar por filas de atendimento.
O direito a ser atendido naquele fila é o mesmo entre pobres, não-pobres e ricos. Porém, admite-se que, diante da negativa administrativa, um paciente seja preferencialmente atendido, desde que exista uma urgência concreta no seu caso. Nessa situação, judicialmente, também não parece que se deve levar em consideração que o indivíduo que pede o atendimento preferencial deva ser hipossuficiente financeiramente; vale dizer, o critério da necessidade será o da urgência médica, e não o da hipossuficiência financeira:
Agravo de Instrumento – Ação de obrigação de fazer – Fornecimento de cirurgia – Fila do Sistema Único de Saúde (SUS) – Impossibilidade de espera – Imprescindibilidade e urgência do procedimento – Direito à saúde – Garantia Constitucional – Tutela de urgência – Requisitos preenchidos – Recurso ao qual se nega provimento. 1. A Constituição da Republica garante a todos a tutela dos direitos à saúde, mediante acesso universal e igualitário às ações e serviços necessários à sua efetivação (artigo 196 da Constituição da Republica). 2. É responsabilidade do ente público o fornecimento de cirurgias imprescindíveis ao adequado tratamento do paciente. 3. Dado à urgência do procedimento cirúrgico e à impossibilidade de se aguardar a fila de espera do SUS, confere concretude ao direito à saúde a imposição ao ente público da realização da referida cirurgia de forma imediata. 4. De acordo com entendimento firmado pelo STJ, é possível impor multa ao erário quando do não cumprimento da obrigação de fazer estabelecida em provimento judicial, bem como cabe ao Juiz adotar medidas eficazes à efetivação de suas decisões, podendo, se necessário, determinar até mesmo, o sequestro de valores do devedor (bloqueio), segundo o seu prudente arbítrio, e sempre com adequada fundamentação. AGRAVO DE INSTRUMENTO 1.0000.21.109726-6/001 – COMARCA DE UBÁ – 2ª VARA CÍVEL – AGRAVANTE (S): ESTADO DE MINAS GERAIS – AGRAVADO (A)(S): MARIA DE FATIMA DA SILVA (TJ-MG – AI: 10000211097266001 MG, Relator: Marcelo Rodrigues, Data de Julgamento: 31/08/2021, Câmaras Cíveis / 2ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 01/09/2021)
De outra banda, certo é que, em havendo a fila e não existindo prova da urgência que justifique a antecipação do serviço de saúde, também não será a pobreza por si mesmo que justificará o indivíduo pular lugar fila:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E ESTÉTICOS COM TUTELA DE URGÊNCIA – CIRURGIA REPARADORA – IMPOSSIBILIDADE – AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE URGÊNCIA – PROCEDIMENTO ELETIVO –– FILA DE ESPERA DO SUS QUE DEVE SER RESPEITADA – ANTE A NÃO DEMONSTRAÇÃO DE QUE A SITUAÇÃO DO PACIENTE É MAIS GRAVE QUE A DOS DEMAIS QUE AGUARDAM – RECURSO DESPROVIDO. Embora não se olvide que a saúde é um direito fundamental de todos, diretamente ligado à dignidade da pessoa humana, e um dever do Estado, conforme prevê o artigo 196 da CF, a realização da cirurgia pleiteada pela Agravante, de caráter eletivo e não urgente, sofreu impactos pela realidade da pandemia, assim como o atendimento dos demais pacientes que aguardavam na fila de espera do SUS, e não necessariamente por desídia do Estado do Paraná. (TJPR – 4ª Câmara Cível – 0014475-71.2022.8.16.0000 – Londrina – Rel.: JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU MÁRCIO JOSÉ TOKARS – J. 03.10.2022) – (TJ-PR – AI: 00144757120228160000 Londrina 0014475-71.2022.8.16.0000 (Acórdão), Relator: Márcio José Tokars, Data de Julgamento: 03/10/2022, 4ª Câmara Cível, Data de Publicação: 14/10/2022)
Legitimidade Passiva Solidária
Nessas situações de assistência à saúde, a legitimidade passiva para responder ao pleito da pessoa pertence aos três entes da federação, União, Estado ou Município, cabendo ao autor escolher qualquer deles, dois ou os três, facultativamente.
A questão da legitimidade passiva dos três entes públicos, isolada ou conjuntamente, está pacificada através do Tema 793 – Responsabilidade solidária dos entes federados pelo dever de prestar assistência à saúde, Ministro Relator MIN. LUIZ FUX, Leading Case, RE 855178, cuja descrição nos diz:
Recurso extraordinário em que se discute, à luz dos arts. 2º e 198 da Constituição Federal, a existência, ou não, de responsabilidade solidária entre os entes federados pela promoção dos atos necessários à concretização do direito à saúde, tais como o fornecimento de medicamentos e o custeio de tratamento médico adequado aos necessitados. Tese: Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.
Preferência pela Ação apenas contra o Ente Municipal
É recomendável, porém, que a ação seja proposta apenas contra o Município, evitando os transtornos e contratempos do litisconsórcio passivo. Por experiência, sabe-se que a dilatação subjetiva da jurisdição causa sempre atrasos; ademais, por ser um ente público mais próximo, torna-se alvo mais concreto, facilitando a atuação judicial mais eficaz.
Instrumento Processual
Na maior parte das vezes, tem-se ajuizado a ação cominatória de obrigação de fazer.
Todavia, é admissível a via do mandado de segurança (TJ-SP – Apelação/Remessa Necessária: APL 10048698120208260650 SP 1004869-81.2020.8.26.0650 (13/09/2021).
Tratamento de Saúde no Exterior (Inexistente no Brasil)
Nas ações em que se demanda o tratamento de saúde existente apenas no exterior, aponta-se a União como ré, porque é ela o ente federal que, em última instância, responde constitucionalmente pelo direito à saúde. Consequentemente, são ações que devem ser dirigidas diretamente à Justiça Federal.
Orienta-se a jurisprudência no sentido da negação da pretensão de tratamento de saúde no exterior, interpretando a legalidade da Portaria nº 763/94, do Ministério da Saúde, a qual veda, expressamente, o financiamento, pelo governo brasileiro, de tratamento médio no exterior (TRF-1 – APELAÇÃO CIVEL: AC 111106420114014100 – 11/12/2014, TRF-1 – APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA (AMS): AMS 215993920054013400 – 27/03/2012).
“O acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde, não se confunde com o acesso absoluto a quaisquer tratamentos, inclusive de excelência, ao alvitre do paciente e tampouco autoriza a escolha do tratamento médico a ser dispensado ou o local onde este deverá ser prestado, o que acabaria por ferir, em última análise, a isonomia.” – TRF-3 – AGRAVO DE INSTRUMENTO: AI 50003866120164030000 SP -13/06/2018.
Mas há esperança.
Porém, desgarrando-se da torrente jurisprudencial, o TRF-3 – AGRAVO DE INSTRUMENTO: AI 50027544320164030000 SP, em julgamento publicado em 07/08/2017, entendeu que:
1- O direito à saúde, previsto no artigo 6º da Constituição Federal, tem sabidamente status de direito fundamental, possuindo estreita ligação com os direitos à vida e à dignidade humana. 2- Desse modo, a interpretação a se extrair da leitura harmoniosa da Constituição é de que é dever do Estado garantir aos indivíduos o direito à vida digna, sendo a saúde um bem extremamente essencial para o alcance deste objetivo. 3- Nesse contexto insere-se o direito à realização de cirurgia no exterior, visando proporcionar ao enfermo a possibilidade de cura ou de melhora a fim de garantir a dignidade de sua condição de vida.
O julgamento é isolado, mas é salutar. Havendo comprovação de que procedimento médico no exterior trará uma chance de vida para a pessoa, parece que o Estado não pode ser abster por força de uma jeitosa portaria.
Fármacos Sem Registro na ANVISA
Fármacos sem registro na ANVISA, consequentemente, não estão incorporados à lista do SUS. Todavia, podem ter autorização de Importação. Nessa situação, tem-se admitido que o Estado seja obrigado a importar o medicamento. O Princípio da Reserva do Possível Inoponível com Relação ao Direito à Vida e à Saúde, segundo os julgados:
“(…) Some-se a isso o fato de o fármaco possuir autorização de importação pela ANVISA, o que equivale ao próprio registro da ANVISA, o que se mostra suficiente para afastar o óbice contido no Tema 500/STF, cuja tese firmada assevera que: 1. O Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamentos experimentais. 2. A ausência de registro na ANVISA impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial. 3. É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da ANVISA em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei nº 13.411/2016), quando preenchidos três requisitos: (i) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras);(ii) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e (iii) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil. 4. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União.” (Tribunal de Justiça de São Paulo TJ-SP – Apelação: 1013904-56.2021.8.26.0577)
Relevante indicar que há entendimento de que, não sendo a medicação registrada na ANVISA, a ação para a sua obtenção só pode ser dirigida à Justiça Federal:
“(…) É possível, excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de mora irrazoável da ANVISA em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei nº 13.411 /2016), quando preenchidos três requisitos: (i) a existência de pedido de registro do medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras);(ii) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e (iii) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil. 4. As ações que demandem fornecimento de medicamentos sem registro na ANVISA deverão necessariamente ser propostas em face da União.” – TRF-1 – APELAÇÃO CIVEL: AC 109355120164013500, em 01/03/2023.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, todavia, em sede de mandado de segurança, já se reconheceu competente para a matéria, concedendo a ordem:
APELAÇÃO – MANDADO DE SEGURANÇA – DIREITO À SAÚDE – FORNECIMENTO DE TRATAMENTO MÉDICO ADEQUADO – Pretensão mandamental voltada ao fornecimento do medicamento “HEMPFLEX 600mg®” (Canabidiol), necessário ao tratamento de problemas de saúde de que a impetrante é portadora, segundo a quantidade e posologia constantes em relatório médico – direito constitucional à saúde – dever do Poder Público de fornecer medicamentos àqueles que necessitam e se encontram em situação de vulnerabilidade econômica – princípio da reserva do possível inoponível com relação ao direito à vida e à saúde – inteligência do art. 196 da CF/88 e legislação atinente ao SUS – Fármaco que, embora não possua registro na ANVISA, teve sua importação recentemente disciplinada e autorizada pela agência reguladora – Inteligência da tese de repercussão geral fixada pelo STF no RE 1.165.959 – preenchimento, ademais, dos requisitos fixados pelo C. STJ no julgamento do REsp nº 1.657.156/RJ (Tema nº 106) para os casos de fármacos não incluídos nos protocolos clínicos do SUS – sentença de concessão parcial da ordem de segurança integralmente mantida. Recursos, oficial e voluntário da FESP, desprovidos. (TJ-SP – APL: 10055073920218260114 SP 1005507-39.2021.8.26.0114, Relator: Paulo Barcellos Gatti, Data de Julgamento: 23/08/2022, 4ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 23/08/2022)
Conclusão
Os casos concretos de direito à saúde ou de assistência à saúde devem sempre ser confrontados com a jurisprudência dos tribunais estaduais e federais, haja vista a intensa judicialização dessa matéria no Brasil. Ademais, o grande volume de julgados permite encontrar casos genéricos e até específicos que ajudam na formação de uma teoria nova para o caso ainda sem precedentes.